
O ex-ministro compareceu à CPI com papel explícito de blindar o presidente e tentar embromar os membros do colegiado. Segundo ele, “um manda, outro obedece” era só “jargão militar”, mas o fato é que foi o próprio Bolsonaro quem o desautorizou publicamente na compra da vacina do Butantan.
O ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que depõe nesta quarta-feira (19), na CPI (Comissão parlamentar de Inquérito), que investiga as ações, omissões e inações do governo federal, sob Bolsonaro, no combate à pandemia do coronavírus, compareceu ao Senado com a tarefa de blindar o presidente da República Jair Bolsonaro. Isto está evidente.
Ao responder o relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL) sobre a cadeia de comando que inviabilizou a compra antecipada dos imunizantes, Pazuello afirmou que usou a expressão “um manda, outro obedece” apenas como “jargão miliar”. Numa explícita tentativa de livrar Bolsonaro de qualquer responsabilidade pela tragédia que acomete o País dragado pela crise na saúde e no setor sanitário por conta do negacionismo do mandatário na gestão da Covid-19.
Na introdução da pergunta feita pelo relator, “seja pela já demonstrada demora na compra de imunizantes ou pelas repetidas declarações do presidente da República”, questionou Renan para explicar ou explicitar que a palavra final para tomada de decisão no ministério não era do ministro, mas do presidente.
“Depois de vossa excelência, em 19 de outubro de 2020, assinar e anunciar publicamente o protocolo de intenções para a compra de 46 milhões de doses da vacina CoronaVac, o presidente da República declarou que não as compraria, ao que vossa excelência respondeu na oportunidade: ‘É simples assim: um manda e outro obedece’. Pergunto: vossa excelência poderia descrever esse episódio em detalhes?”, completou.
“NÃO ERA UM CONTRATO”
Sobre aquele episódio, Pazuello disse que havia “carta de intenções com o Butantan, que era uma carta de intenções para a compra de 46 milhões de doses, como o senhor colocou — já havia assinado.” “E não, não era um contrato, tá? Eu não poderia fazer o contrato, não tinha as disposições legais para fazer contrato ainda”.
“Explico que essas disposições legais só chegaram naquela MP que foi promulgada para comecinho de janeiro que o senhor colocou — se eu não me engano, 1.046; eu não tenho certeza do número. Então, não havia condições de fazer o contrato”, descreveu.
“Então, nós vínhamos negociando com Butantan o tempo todo, toda semana tínhamos reuniões com Butantan, e aquela reunião, e aquele momento foi a carta de intenções. Quando nós fechamos a carta de intenções, eu coloquei isso para os governadores”.
“Então, na verdade, aquilo é só um jargão militar, é apenas uma posição de internet e mais nada, sentado num quarto, colocando que ele manda e o outro obedece; quem manda é ele, e eu obedeço. Aquilo é um jargão simplório, colocado para discussões de internet”, enrolou, com desfaçatez Pazuello.
BLINDAGEM, NUM FALATÓRIO SEM NADA DIZER
Claramente imbuído de proteger Bolsonaro, Pazuello “enrolou” (mentiu para) os senadores: “acreditem, nunca o presidente da República mandou eu desfazer qualquer contrato, qualquer acordo com o Butantan — em nenhuma vez.”
Em outubro de 2020, o então ministro da Saúde anunciou a intenção de compra do imunizante produzido pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica Sinovac. Entretanto, no dia seguinte, Bolsonaro esbravejou sobre o acordo e disse à imprensa: “Já mandei cancelar (o acordo com o Instituto Butantan). O presidente sou eu e não abro mão da minha autoridade”.
Horas depois, Pazuello e Bolsonaro gravaram vídeo juntos e o ex-ministro, após ser desautorizado pelo presidente, disse que “um manda e outro obedece”.
“E eu gostaria de colocar aqui uma coisa diretamente ou por documento, ou por qualquer um. Eu queria colocar aqui, queria lembrar que o presidente da República fala como chefe de Estado, fala como chefe de governo, fala como comandante em chefe das Forças Armadas, chefe da administração federal, mas fala também como agente político — ele se pronuncia como agente político”, enrolou o ex-ministro.
“Então, quando ele se pronuncia quando ele recebe uma posição de um agente político de São Paulo, ele se posiciona como agente político também daqui para lá. Então, queria dizer que a posição de agente político dele ali não interferiu em nada do que nós estávamos falando com o Butantan”, acrescentou, sem nada dizer.
M. V.