Ministro Alexandre de Moraes apontou “movimentação extremamente atípica” de R$ 14 milhões por escritório do qual Salles é sócio
Ao determinar a quebra de sigilo fiscal e bancário do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Morares apontou uma “movimentação extremamente atípica” de R$ 14 milhões realizada pelo escritório de advocacia do qual Salles é sócio.
A Operação da Polícia Federal sobre o esquema de contrabando de madeira da Amazônia, realizada na manhã da quarta-feira (19), teve como um dos principais alvos de investigação o ministro bolsonarista. Segundo a PF, Salles faz parte de uma organização criminosa que atua para liberar a exportação de madeira ilegal.
A decisão de Moraes aponta que relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) indicou “movimentação extremamente atípica” envolvendo Salles. Entre 1º de janeiro e 2012 e 30 de junho de 2020, o escritório do qual o ministro é sócio, com 50% de participação, movimentou pouco mais de R$ 14 milhões, “situação que recomenda, por cautela, a necessidade de maiores aprofundamentos”, disse.
https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html Ao justificar a medida, o ministro alerta ainda que “o crime de lavagem de dinheiro, por sua própria natureza e finalidade, pode ser praticado através do uso de pessoas físicas e/ou jurídicas interpostas, tudo com o objetivo de dificultar o rastreamento da origem ilícita dos recursos”.
“Deste modo, é imprescindível para o decorrer das investigações que a autoridade policial tenha acesso aos dados bancários e fiscais das pessoas físicas e jurídicas mencionadas e que estão sendo investigadas pela prática de diversos crimes”.
Além das medidas de busca e apreensão, o despacho do STF determinou também a quebra dos sigilos de outros nove funcionários do Ibama além do afastamento do atual presidente da pasta, Eduardo Fortunato Bim.
Por determinação do STF, também foram afastados o assessor especial do gabinete do ministro do Meio Ambiente, Leopoldo Penteado Butkiewicz; o superintendente de Apuração de Infrações Ambientais, Wagner Tadeu Matiota; o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olímpio Ferreira Magalhães; o analista ambiental e diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas do Ibama, João Pessoa Riograndense Moreira Junior; o também analista ambiental e coordenador-geral de Monitoramento do Uso da Biodiversidade e Comércio Exterior do Ibama, Rafael Freire de Macedo; o coordenador de Operações de Fiscalização do Ibama, Leslie Nelson Jardim Tavares; o coordenador de Inteligência de Fiscalização do Ibama, André Heleno Azevedo Silveira; e o analista ambiental do Ibama no Pará, Artur Vallinoto Bastos.
Outro nome investigado é o de Olivandi Alves Azevedo Borges, que ocupou o cargo de diretor de Proteção Ambiental entre janeiro de 2019 e abril de 2020, e depois de secretário adjunto da Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, onde ficou até setembro do ano passado.
O esquema criminoso envolveria ainda cinco empresas madeireiras: Conflorestas, Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira no Pará (Aimex), Ebata Produtos Florestais, Tradelink Madeiras, e Wizi Indústria Comércio e Exportação de Madeiras.
OPERAÇÃO AKUANDUBA
A decisão de Moraes também autorizou o cumprimento de 35 mandados de busca e apreensão. Entre os alvos da ação, batizada de operação Akuanduba, estão três endereços ligados a Salles no Distrito Federal e nos estados de São Paulo e Pará.
Salles é suspeito de beneficiar empresários do ramo madeireiro. Em trechos da investigação descritos na decisão de Moraes, a PF aponta um conluio entre servidores do Ibama diretamente nomeados pelo ministro e as empresas do ramo madeireiro para a exportação e a regularização da situação da madeira extraída no País.
De acordo com a PF, as investigações começaram em janeiro, “a partir de informações obtidas junto a autoridades estrangeiras noticiando possível desvio de conduta de servidores públicos brasileiros no processo de exportação de madeira”.
Em janeiro de 2020, o United States Fish and Wildlife Service (FWS) deteve para inspeção três containeres de madeira exportados do Brasil pela empresa Tradelink. Como as cargas não possuíam documentação do Ibama, o FWS solicitou ao órgão ambiental a confirmação relativa à legalidade dos embarques. Uma semana depois, uma carta do Ibama informou que as cargas não foram analisadas e que haviam sido exportadas sem autorização prévia.
Entretanto, no mês seguinte, o então superintendente do Ibama no Pará, Walter Mendes Magalhães, enviou diversas cartas na tentativa de garantir a liberação das cargas e, apesar da determinação anterior de ilegalidade e notificação de violação feita anteriormente pelo próprio Ibama, as cartas do superintendente legitimavam os envios e defendiam sua libertação da detenção.
Duas associações de madeireiros pressionaram então o presidente do Ibama, Eduardo Bim, para mudar o entendimento do Ibama e fazer valer que apenas a apresentação do Documento de Origem Florestal, que é emitido pelas próprias extratoras de madeira, já seria o suficiente para atestar a legalidade da carga.
O pedido foi atendido com a edição, pelo presidente do Ibama, de um “despacho interpretativo”. A PF indica a participação de Salles nas tratativas para edição de tal despacho, citando reunião entre o ministro, as empresas que tiveram materiais apreendidos pelos EUA, Bim, o diretor de Proteção Ambiental Olivandi Alves Borges de Azevedo, além de parlamentares.
“Na sequência, pelo que consta da representação da autoridade policial, houve o: ‘atendimento integral e quase que imediato da demanda formulada pelas duas entidades, contrariamente, inclusive ao parecer técnico elaborado por servidores do órgão, legalizando, inclusive com efeito retroativo, milhares de cargas expedidas ilegalmente entre os anos de 2019 e 2020′”, registrou Alexandre ao detalhar as condutas atribuídas pela PF à Salles.
Além disso, os investigadores apontaram que, na sequência da aprovação do despacho que atendeu os pedidos das madeireiras, ‘servidores que atuaram em prol das exportadoras foram beneficiados pelo Ministro com nomeações para cargos mais altos, ao passo que servidores que se mantiveram firmes em suas posições técnicas, foram exonerados por ele’.
De acordo com uma estimativa da PF, divulgada em nota, o despacho “resultou na regularização de mais de 8 mil cargas de madeira exportadas ilegalmente entre os anos de 2019 e 2020”.
“A situação que se apresenta é de grave esquema criminoso de caráter transnacional. Esta empreitada criminosa não apenas realiza o patrocínio do interesse privado de madeireiros e exportadores em prejuízo do interesse público, notadamente através da legalização e de forma retroativa de milhares de carregamentos de produtos florestais exportados em dissonância com as normas ambientais vigentes entre os anos de 2019 e 2020 mas, também, tem criado sérios obstáculos à ação fiscalizatória do Poder Público no trato das questões ambientais com inegáveis prejuízos a toda a sociedade”, alega a PF, em trecho reproduzido na decisão de Moraes.
PASSAR A BOIADA
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) também determinou a reabertura do inquérito sobre a fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sobre “passar a boiada”, com a flexibilização de normas de proteção ambiental, gravada em vídeo na reunião ministerial de 21 de abril de 2020.
Durante a reunião, Salles defendeu que o governo aproveitasse a “oportunidade” da pandemia para ‘ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas’.
A notícia-crime havia sido arquivada pelo próprio Moraes em outubro do ano passado. O motivo do desarquivamento e do pedido de conclusão do processo, que corre em sigilo, são as novas informações apuradas pela Polícia Federal sobre o caso. Segundo o ministro, “a Polícia Federal apresentou novos elementos probatórios nesta representação que guardam estreita correlação com os fatos descritos na notícia crime anterior”.
Leia aqui a decisão de Alexandre de Moraes