“O hacker é tão bom que conseguiu até colocar o aplicativo em uma matéria na TV Brasil”, disse o presidente da CPI, Omar Aziz, diante da explicação de Pazuello sobre a utilização da plataforma TrateCOV
Um médico – e professor de Saúde Pública – escreveu o seguinte sobre o segundo dia do depoimento de Pazuello na CPI da Pandemia:
“A sessão entrou em áreas turvas de discussão, mas foi bem-sucedida em gravar na mente da plateia uma imagem peculiar: o Brasil, durante a maior parte da pandemia, teve um ministro da Saúde que nada sabia sobre a natureza do vírus Sars-CoV-2, causador da covid-19. Pior: era alguém que ignorava o modo de funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), que existe há mais de trinta anos.
(…)
“A noção de Pazuello para tripartite, termo legal que designa a gestão compartilhada do SUS entre União, Estados e municípios, é uma espécie de condomínio com cotas de um terço para cada parte. Referiu-se ao Ministério da Saúde como um ‘gabinete de ocupação’, um lugar burocrático de apresentação da tropa, mero recebedor de notícias e repassador de recursos. A reiteração da frase ‘deixei os caixas dos Estados abastecidos’ é o salvo-conduto para não comprar vacinas ou para negar a intervenção federal durante a crise no Amazonas. (…).
“A CPI também tem seus momentos burlescos, como quando Pazuello explicou o funcionamento da invenção de sua equipe para promover a cloroquina , o ‘TrateCOV’, que ele chamou de ‘calculadora de diagnóstico’ de covid: ‘o médico coloca os sintomas observados e, com fatores, números e pesos, ele vai sugerir o diagnóstico ali‘” (Mário Scheffer, Pazuello na CPI: a burlesca calculadora de diagnóstico, OESP 20/05/2021).
Realmente, houve poucos momentos mais mentirosos – e mais ridículos – do que as menções de Pazuello à sua “calculadora de diagnóstico”.
Vamos resumir as declarações, na CPI, sobre esse assunto, a duas frases de Pazuello: “O TrateCOV nunca foi utilizado por médico algum. Não teve resultado objetivo porque foi descontinuado“.
Isso é mentira.
O TrateCOV, lançado em Manaus, inclusive na TV Brasil, esteve no ar desde 14 de janeiro deste ano, aberto para quem quisesse utilizá-lo, até o dia 21, isto é, por sete dias.
Entre os profissionais, houve 342 médicos, em Manaus, inscritos para usar a plataforma TrateCOV. Um deles até mesmo deu depoimento, na reportagem da TV Brasil que anunciou o início oficial da TrateCOV, sobre a utilização, que fez, do aplicativo.
Mas a TrateCOV não estava aberta apenas para médicos – como noticiamos na época, esteve aberta, por sete dias, para qualquer um, receitando hidroxicloroquina, ivermectina e outros fármacos sem efeito para a Covid-19, até para dor de cabeça, como se fosse a antiga cibalena, dispensando qualquer avaliação médica (v. HP 21/01/2021, Lançado por Pazuello em Manaus, “APP da Cloroquina” é retirado do ar).
O motivo é que a TrateCOV interpretava qualquer sintoma como um sintoma de Covid-19. Assim, para bebês com diarreia, vômitos ou náuseas também era indicada a hidroxicloroquina, ivermectina, etc., como se essas crianças estivessem acometidas de Covid-19 – e como se essas substâncias fossem “tratamento precoce” para a Covid-19.
Um jornalista – Felipe Betim, de “El País” – inscreveu seu gato no TrateCOV, com os sintomas que apresentava o felino (“febre e fadiga por apenas um dia“).
Receita para o gato, emitida pela TrateCOV: “6 comprimidos de Difostato de Cloroquina 500 mg; 12 comprimidos de Hidroxicloroquina 200 mg; 1 comprimido diário de Ivermectina 6mg; 5 comprimidos de Azitromicina 500 mg; 10 comprimidos de Doxiciclina 100 mg; ou ainda 14 comprimidos de sulfato de zinco por 7 dias“. E isso porque o jornalista colocou que o gato sofria de insuficiência cardíaca… (v. HP 22/01/2021, Não sobrou nem uma gota de caráter em Pazuello?).
Um colunista e crítico de TV – Daniel César, do UOL – inscreveu na TrateCOV uma personagem de novela, a Camila, da telenovela “Laços de Família”, levada há nada menos de 21 anos atrás pela Rede Globo.
Pois, segundo a TrateCOV, a fictícia Camila, que estava com “fadiga, tontura, fraqueza, perda de apetite e cefaleia”, devido a leucemia, estava claramente (!) com Covid-19. Apesar de grávida, o aplicativo recomendou que ela começasse a tomar “difostato de cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, doxiciclina e sulfato de zinco” (v. HP 22/01/2021, Não sobrou nem uma gota de caráter em Pazuello?).
Até que a TrateCOV fosse retirada do ar, no dia 21 de janeiro, ninguém teve dificuldade de acessá-la – e se automedicar, se acreditasse no diagnóstico único e no tratamento único da ‘calculadora de diagnóstico’ de Pazuello.
Depois do escândalo, que deixou contra a TrateCOV até o colaboracionista Conselho Federal de Medicina (CFM), foi que Pazuello apareceu com a história de que um hacker teria copiado a plataforma e divulgado publicamente.
Como disse o presidente da CPI, senador Omar Aziz, “o hacker é tão bom que conseguiu até colocar o aplicativo em uma matéria na TV Brasil”.
C.L.
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