Ofícios com a data de 9 de janeiro assinados pela empresa fornecedora e pelo governador alertaram o ministro sobre o colapso iminente. Ele mentiu à CPI dizendo que só soube da crise na noite de 10 de janeiro
O inquérito sigiloso da Polícia Federal que investiga a atuação do general Eduardo Pazuello na crise do oxigênio em Manaus está de posse de documentos que mostram que o ex-ministro da Saúde foi formalmente avisado sobre a “iminência de esgotamento” de oxigênio em Manaus em 9 de janeiro de 2021, cinco dias antes do colapso, com pedidos de socorro não atendidos a contento.
Já havia também relatório do dia 8 de janeiro apresentado por uma equipe do próprio Ministério da Saúde, dirigido ao Secretário Executivo da pasta, com o alerta do desabastecimento. Pazuello mentiu ao afirmar aos senadores que só soube do risco de abastecimento de oxigênio em Manaus no dia 10 de janeiro à noite, em reunião com o governador do Estado e secretários.
Como Pazuello perdeu o foro privilegiado após deixar o cargo de ministro da Saúde, o inquérito foi enviado para a Justiça Federal de Brasília e uma cópia foi destinada à CPI da Covid no Senado. O ofício reproduzido no inquérito, assinado pelo governador do Amazonas, foi enviado a Pazuello em 9 de janeiro. O documento aponta a necessidade de oxigênio diante da alta da infecção pelo coronavírus e do aumento dos casos de internação, com “súbito aumento no consumo” do insumo.
Em seu depoimento à CPI da Covid, Pazuello disse que a responsabilidade pela falta de oxigênio hospitalar em Manaus foi da empresa fornecedora, White Martins, e da Secretaria de Saúde do estado.
“Então a empresa White Martins, que é a grande fornecedora, somada à produção da Carbox, que é uma empresa menor, já vinha consumindo sua reserva estratégica e não fez essa posição de uma forma clara desde inicio. Começa aí a primeira posição de responsabilidade”, afirmou o ex-ministro.
Segundo Pazuello, a Secretaria de Saúde também não teria percebido que a reserva estratégica de oxigênio estava acabando. “O contraponto disso é o acompanhamento da Secretaria de Saúde, que se tivesse acompanhado de perto, teria descoberto que estava sendo consumido uma reserva estratégica. Vejo aí duas responsabilidades muito claras”, completou Pazuello. Os documentos desmentem as afirmações do ex-ministro.
Ele chegou a dizer também na CPI que a falta de oxigênio em Manaus teria durado apenas três dias. A afirmação foi desmentida enfaticamente pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM). “Desculpe a expressão, mas é uma informação mentirosa. Não faltou oxigênio no Amazonas por apenas três dias, pelo amor de Deus!!!! Faltou oxigênio mais de 20 dias. O senhor estava lá (Manaus), assistiu com seus olhos os amazonenses morrerem por falta de oxigênio”, advertiu Braga, diante do cinismo de Pazuello.
Segundo Braga, o socorro imediato aos doentes de Covid-19 em Manaus foi prestado pelo governo da Venezuela e por artistas, como o cantor Gusttavo Lima e o humorista Paulo Gustavo, que faleceu devido a complicações provocadas pela enfermidade no começo de maio.
No dia 11 de janeiro, o consumo já chegava a 50 mil metros cúbicos. No dia 13, 70 mil. Essa quantidade se aproximou dos 100 mil metros cúbicos no auge da crise. Já no dia 9 estavam disponíveis 23 tanques criogênicos móveis de oxigênio líquido no aeroporto de Guarulhos para serem transportados a Manaus pela Força Aérea Brasileira. Os primeiros seis tanques foram embarcados somente no dia 12. Chegaram a Manaus no dia 13, contendo 2.700 metros cúbicos de oxigênio líquido.
A quantidade transportada em aviões da FAB, porém, foi bem inferior ao necessário para evitar o colapso. Não há registro nem em documentos do Ministério da Saúde enviados ao STF nem em material divulgado pelas Forças Armadas antes do colapso sobre o transporte dos outros 150 cilindros de oxigênio a partir de Guarulhos ou sobre os demais tanques disponíveis no mesmo aeroporto.
O ofício diz que a White Martins, empresa responsável pelo fornecimento de oxigênio em Manaus, teria disponíveis 500 cilindros em Guarulhos (SP), prontos para transporte aéreo urgente às 16h do dia seguinte, 10 de janeiro. A procedência dos cilindros era a seguinte: Campinas, em São Paulo (200), Belo Horizonte (150) e Brasília (150). O insumo se esgotou nas primeiras horas do dia 14, cinco dias após os ofícios. Pacientes com Covid-19 morreram asfixiados nos hospitais. Somente após o colapso no dia 14 houve intensificação do transporte de oxigênio.
A existência desses novos ofícios, com os alertas e pedidos de ajuda detalhados, foi descoberta no curso das investigações da PF, em inquérito aberto por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal). Os ofícios foram enviados a Pazuello e também ao comandante militar da Amazônia, general Theophilo Oliveira, que fica em Manaus. Eles são assinados pelo governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), aliado de Jair Bolsonaro.