“Milhares de pessoas morreram porque vacinas não foram compradas” pelo governo federal. O questionamento central dos senadores na CPI, nesta fase da investigação do colegiado, funda-se no fato de o governo ter demorado a comprar os imunizantes que foram várias vezes ofertados, mas as propostas de venda das vacinas foram ignoradas e negligenciadas
O ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, ao tentar refutar a produção de vacinas como medida mais eficaz para debelar a pandemia da Covid-19 de maneira sustentável falou que a fase 3 poderia ser “considerada como o cemitério de vacinas”, “porque pode haver um insucesso no desenvolvimento da vacina”.
O ex-secretário, na gestão Pazuello, é o depoente desta quarta-feira (9), na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid-19, no Senado, que investiga as ações, omissões e inações do governo federal no combate à pandemia.
“Coronel Élcio, eu quero aqui discordar de vossa senhoria com relação a esta expressão: ‘cemitério de vacinas’, porque o que nós temos visto é cemitério de pessoas que morreram por falta de vacina”, refutou o senador Eduardo Braga (MDB-AM).
“Veja, a CoronaVac começou a ser aplicada na China, com a aprovação emergencial pela agência chinesa no dia 22 de julho de 2020, em caráter emergencial. Se o governo brasileiro, se o Ministério da Saúde tivesse assinado o contrato com o Butantan para garantir que nós tivéssemos doses em abundância, em número necessário para salvar vidas de brasileiros tão logo a Fase 3 estivesse aprovada pela Anvisa, nós, só começarmos a aplicar a vacina no dia 17 de janeiro”, esclareceu o senador amazonense.
“Milhares de pessoas morreram porque vacinas não foram compradas” pelo governo federal, continuou.
O governo deixou de “assinar o contrato que poderia assegurar um volume de IFA e um volume de doses para que nós não passássemos o que passamos nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, onde [em que] o cronograma de vacinação não foi cumprido”, acrescentou.
“E não foi cumprido por quê? Porque, quando tinha vacina pra comprar, nós não compramos. A Pfizer, por exemplo, foi aplicada, a primeira dose, no Reino Unido, em 8 de dezembro; no Brasil, em 4 de maio. E, quando nós podíamos ter contratado para podermos ter o volume suficiente de vacina, nós não vacinamos — nós não contratamos, melhor dito”, enfatizou.
“IMUNIDADE DE REBANHO”
O ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, na gestão o ex-ministro Eduardo Pazuello, Antônio Élcio Franco disse que tese de “imunidade de rebanho” natural, sem vacina e pelo adoecimento da população, nunca foi discutida na área técnica da pasta.
A declaração foi feita em depoimento à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid-19, no Senado, nesta quarta-feira (9).
“Nunca se discutiu na área técnica do ministério a ideia de imunidade de rebanho”, declarou Franco em resposta ao relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL).
A “imunidade de rebanho” natural é defendida por Bolsonaro e apoiadores, como o deputado Osmar Terra (MDB-RS), cujos elementos fáticos, como reuniões e falas, levam a crer que o deputado liderou ou lidera o chamado “gabinete das sombras”, que orienta o presidente da República no negacionismo dele em relação à pandemia.
AQUISIÇÃO DE CLOROQUINA
Franco também afirmou que o governo não comprou cloroquina para o tratamento da Covid-19 em 2020.
Neste aspecto, o ex-secretário quis enganar a CPI no jogo de palavras. O Exército não apenas comprou insumos para produzir o fármaco, como pagou o triplo do que valia. Bolsonaro atuou, desde o início da pandemia, como “garoto propaganda” do chamado “tratamento precoce”, com cloroquina, ivermectina e hidroxocloroquina, comprovadamente sem eficácia científica para tratar a virose da Covid-19.
Empresa de Minas Gerais vendeu ao laboratório do Exército Brasileiro (LQFEx) ao menos dois lotes de insumos importados para a fabricação de cloroquina por valor 167% mais alto do que tinha cobrado em venda à mesma instituição dois meses antes. O custo total desses contratos mais caros foi de R$ 782,4 mil aos cofres públicos.
Documentos revelam que o laboratório do Exército não contestou formalmente esse aumento no preço e só cobrou explicações por escrito à empresa depois de a compra, já finalizada, ter virado alvo de investigação no TCU (Tribunal de Contas da União).
“Gostaria de fazer um esclarecimento de um assunto recorrente, mas é preciso registrar. Por solicitação do general Pazuello, informo que, durante nossa gestão, não ocorreu a aquisição de cloroquina para o ano de 2020 para o combate à Covid-19”, disse o ex-secretário.
“Para atender ao programa antimalária do primeiro semestre deste ano, em 30 de abril de 2020, foi assinado um termo aditivo com a Fiocruz, no valor de R$ 50 mil, visando a aquisição desse fármaco para entrega posterior”, acrescentou.
EXPECTATIVAS DO DEPOIMENTO
Era esperado que Franco desse explicações sobre as negociações na compra de vacinas por parte do governo Bolsonaro — especificamente sobre ter ignorado e-mails e tentativas de contato de farmacêuticas no segundo semestre de 2020. Mas não foi o que aconteceu. O ex-secretário se esquivou e suas “explicações” só reforçaram a convicção de que houve crime do governo.
Carlos Murillo, gerente-geral da Pfizer na América Latina, revelou em depoimento aos senadores que tratou diretamente com Franco a negociação sobre as vacinas. Em novembro, ele ainda não havia respondido aos e-mails da farmacêutica, alegando vírus no computador.
“Informo que, em virtude de um problema de vírus em nossa rede do Ministério da Saúde, estamos com uma série de dificuldades de conexão em rede e abertura de e-mails, o que dificultou ou até impediu o acesso aos arquivos enviados até a presente data, assim como sua respectiva análise”, argumentou Franco à época, em 10 de novembro de 2020.
M. V.