Especialistas condenam atitude irresponsável. Ministro diz que ideia insana não é para já. Isolado, Bolsonaro admite não ter força para impor o absurdo. “Quem decide na ponta da linha é o governador e prefeito, eu não apito nada”, disse ele
Jair Bolsonaro afirmou nesta quinta-feira (10), em solenidade no Palácio do Planalto, que pediu ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, um “parecer” para desobrigar o uso de máscaras por quem estiver vacinado contra a Covid ou por quem já tiver contraído a doença. A notícia absurda, condenada por todos os especialistas, pegou de surpresa até mesmo o próprio ministro e sua equipe.
“Acabei de conversar com um tal de Queiroga — não sei se vocês sabem quem é —, nosso ministro da Saúde. Ele vai ultimar um parecer visando a desobrigar o uso de máscara por parte daqueles que estejam vacinados ou que já foram contaminados. Para tirar esse símbolo, que obviamente tem a sua utilidade para quem está infectado”, declarou. A medida levou o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL) a comparar Bolsonaro a Jim Jones, um lunático americano que levou muitas pessoas à morte em 1978.
Marcelo Queiroga, que já foi desautorizado pelo ‘capitão cloroquina’ e teve que desnomear de sua equipe a infectologista Luana Araújo, indicada por ele para ajudar a combater a pandemia, percebeu, mais uma vez, que Bolsonaro toma suas decisões sobre a pandemia ouvindo outros conselhos que não os seus. Vídeo divulgado no início da semana deixou claro que o “gabinete das sombras” é quem manda. Pelo menos 27 reuniões foram realizadas por Bolsonaro e os defensores do vírus dentro do Planalto.
Tentando evitar um desgaste ainda maior, Queiroga fez um malabarismo e disse que o fim do uso de máscara “não é para agora”. “Queremos que [o não uso da máscara] seja o mais rápido possível, mas para isso precisamos vacinar a população brasileira e avançar”, disse ele em entrevista na saída do ministério. Assim como Pazuello, o ministro Queiroga nega pressões. “O presidente não me pressiona, não”, garantiu ele.
Pouco depois, porém, o Ministério da Saúde divulgou um vídeo em que Queiroga confirma que fará um estudo sobre o tema e atribui o pedido a medidas adotadas em outros países. “Então vamos atender a essa demanda do presidente Bolsonaro, que está sempre preocupado em relação a pesquisas, tanto que estamos fazendo pesquisas na área de vacinas”, afirmou o ministro.
A ideia foi prontamente rebatida por especialistas, que alertam que mesmo quem foi vacinado ou teve a doença pode transmitir o vírus para outras pessoas. Além disso, quem já teve Covid pode ter de novo, e quem foi vacinado pode ter a doença de forma mais leve. Munir Ayub, membro do Comitê de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor de Infectologia da Faculdade de Medicina do ABC, afirmou que “não existe essa possibilidade” de se prescindir do uso da máscara no atual estágio da pandemia.
“Não tem nenhum sentido. É uma orientação apenas política porque não tem nenhuma justificativa médica para isso. Mesmo a pessoa que já teve ou que já foi vacinada não está livre de se reinfectar. Enquanto estiver circulando o vírus neste nível alto, não existe essa possibilidade. Neste momento é temerário”, disse. “A vacina tem boa eficácia em evitar que a sua doença acabe se agravando e você precise até de hospitalização, mas ela não tem tão boa eficácia em evitar que você se contamine”, explicou a médica infectologista Luana Araújo.
O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo, afirma que não é possível comparar a situação do Brasil com a dos Estados Unidos. “Não há a menor justificativa para isso na situação atual do Brasil. Na comparação com os Estados Unidos, são situações epidemiológicas completamente distintas. Aqui temos baixa cobertura vacinal, alta taxa de infecção e circulação viral. Além disso, estamos no inverno, quando as infecções respiratórias aumentam. Exatamente o contrário dos EUA”, disse o infectologista.
Em sua teimosia patológica, Bolsonaro voltou a repetir, nesta sexta, que quem vacinou ou se infectou não precisa usar máscara. “Quem já foi infectado e quem tomou vacina não precisa usar máscara. Quem vai decidir é ele [ministro Queiroga], dar o parecer. Se bem que quem decide na ponta da linha é o governador e prefeito, eu não apito nada. É ou não é? Segundo o Supremo, quem manda são eles. Nada como você estar em paz com a sua consciência”, afirmou.