“Nós estamos indo por um caminho completamente equivocado, nenhum país de base hidroelétrica privatizou completamente as suas hidroelétricas”, afirmou o especialista em energia Roberto Pereira D’Araujo, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), em entrevista ao HP . “Vendendo a Eletrobrás, nós vamos ser o único país de base hidroelétrica que tem a maioria do seu setor nas mãos da iniciativa privada”, declarou D’Araujo ao comentar que os preços das tarifas de energia para os consumidores vão aumentar, independente da aprovação dos “jabutis” – emendas que a base do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados incluiu na Medida Provisória (MP) de privatização da Eletrobrás.
“Evidentemente que vai ter aumento tarifário, não tenho nem dúvida. Essas térmicas não vão custar barato, as térmicas a gás geralmente custam por volta de R$ 250 a R$ 300 por megawatt-hora. O custo, quando o sistema está equilibrado, o custo das hidráulicas, sem usar essas térmicas caras, giram em torno de R$ 150. Ou seja, a energia que entrar vai custar o dobro do que custa hoje”, alertou o engenheiro eletricista D’Araújo.
A MP está em tramitação no Senado e tem gerado uma série de polêmica em torno dos chamados “jabutis” mas, no essencial, a proposta do governo Bolsonaro de privatizar a Eletrobras é “um caminho contrário ao mundo”, afirmou o especialista.
“Nenhum país de base hidroelétrica privatizou completamente as suas hidroelétricas, posso citar, por exemplo, a China, que é tudo estatal. Tem os EUA, que as grandes usinas são do Exército americano. Tem a Índia, que não privatizou. Tem a Rússia, que não privatizou. Noruega, não privatizou, Suécia, não privatizou. O Brasil vai ser o único. Vendendo a Eletrobrás, ele vai ser o único país de base hidroelétrica que tem a maioria de seu setor em mãos da iniciativa privada. Vai sobrar a Copel e talvez a Cemig, a Cemig também vai ser privatizada. Então, nós tomamos um caminho contrário ao mundo”, enfatizou o engenheiro.
“Nenhum país de base hidroelétrica privatizou completamente as suas hidroelétricas, posso citar, por exemplo, a China, que é tudo estatal. Tem os EUA, que as grandes usinas são do Exército americano”
Roberto D’Araujo contestou as afirmações do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que declarou na semana passada que a privatização vai reduzir as tarifas para o consumidor.
“Maneira correta de reduzir as tarifas é reduzindo o custo de produção”
“Essa ideia de reduzir a tarifa utilizando uma parte da receita da venda da Eletrobrás, isto é uma coisa que ninguém no mundo faz. Se você quiser reduzir o preço de uma operação, você tem que reduzir os custos de produção. A tarifa brasileira está cara em função do que foi feito ao longo destes anos todos. Em 2001, se contratou uma porção de térmicas, depois em 2008 nós tivemos um leilão, onde foi livre para o mercado decidir, e foi contratado outra vez muitas de térmicas – inclusive térmicas a diesel -, criou-se vários encargos que não tinham antes, e a tarifa foi crescendo, e agora está muito alta”, argumentou.
“Agora, fazendo uma analogia, você não vende o seu apartamento com o objetivo de pegar parte da receita para reduzir o preço do pão da padaria que você é dono. Se você quer reduzir o preço do pão você busca talvez trocar o forno, mudar a farinha, etc. Ninguém reduz tarifa via transferência, isto na realidade é subsídio – e isso não vai durar a vida toda. A maneira correta de reduzir as tarifas é reduzindo o custo de produção. A receita dessa parcela da venda da Eletrobras não é redução de custo”, enfatizou.
“Temos energia cara porque expandimos muitas usinas térmicas caras”
“O Brasil é a segunda tarifa mais cara do mundo – segundo dados da Agência Internacional de Energia (AIE), que compara as tarifas entre países usando o método de Paridade do Poder de Compra (PPP) – e não adianta culpar o imposto. A primeira colocada é a Alemanha, ela cobra mais imposto que o Brasil. A Áustria cobra tanto imposto quanto o Brasil. Portugal cobra mais imposto que o Brasil. Nós estamos, por incrível que pareça, com um setor elétrico extremamente caro mesmo sendo baseado em fontes hidrelétricas. Repare que grande parte da energia está sendo praticamente vendida quase de graça pela Eletrobrás. Você está com uma tarifa alta mesmo com a Eletrobrás vendendo energia por aqueles preços que a presidente Dilma fez na MP 579 para reduzir a tarifa”, sustentou o engenheiro.
São Pedro não tem muita culpa”
“Sobre os leilões que resultaram em muitas térmicas, só para se ter uma ideia do que foi isso, tanto lá em 2001, quanto em 2008, cerca de 70% da capacidade adicionada em cada ano foi térmica. Cresceram muito as eólicas, e realmente as eólicas entraram, mas nós tivemos duas situações em que entrou muito as térmicas. Essas térmicas de 2008, e algumas do ano 2000, são muito caras porque elas usam óleo combustível diesel. O Brasil usa um sistema tão diferente dos outros que, quando você tem uma oferta cara assim, o Operador Nacional do Sistema, que está lidando com estoque de água, ele prefere não usar as térmicas”.
“Se você não usa as térmicas, porque elas são muito caras, quem está gerando no lugar delas? São as hidráulicas. Portanto esse esvaziamento dos reservatórios e a piora das afluências, em parte, nós já devíamos estar sabendo disso, porque nós estamos esvaziando os reservatórios desde 2015. Se acompanhar o estoque total, de todos os reservatórios, ele está decrescendo desde 2015. Porque o Operador Nacional do Sistema, corretamente, não quer usar as usinas térmicas caras para preservar água. Ele prefere usar água. Como você tivesse, por exemplo, a sua caixa d’água está esvaziando e a sua única opção é comprar água mineral caríssima, aí você diz, “Opa!, eu não vou comprar água mineral. Eu vou continuar usando sua caixa d’água”. Logo, a caixa d’água continuará esvaziando. São Pedro não tem muita culpa disso”.
“O mundo inteiro está querendo se livrar das térmicas, pois elas são caras, são poluentes”
“Então, eu acho que o relator da medida provisória tentou colocar essas térmicas a gás para tentar substituir outras térmicas caras. Só que o que ele não diz é o seguinte: ele não consegue substituir essas térmicas caras totalmente. Essas térmicas caras são mais de 10.000 megawatts que custam mais de 300 reais por watt-hora. Portanto, fica essa briga entre eles, mas, na verdade, o que nós precisávamos fazer era nos livrar desse atraso que nós estamos tendo, com as eólicas e com as solares. Não sei se as pessoas sabem, mas hoje a Região Nordeste, que tem um rio que também está com os índices baixos, está exportando energia, eu nunca imaginei que um dia iria acontecer isso. A região mais seca do Brasil, a Região Nordeste, que praticamente só tem um grande rio, o São Francisco, que nasce em Minas Gerais e deságua lá entre Pernambuco e a Paraíba, esse sistema hoje, por conta das eólicas, está exportando energia para a Região Norte e a Região Norte manda para o Sudeste”.
“Esse é o grande exemplo que nós temos que continuar seguindo. No entanto, a gente está agora inventando de instalar térmica, 6000 megawatts de térmica, enquanto o mundo inteiro está querendo se livrar das térmicas, pois elas são caras, são poluentes. Eu não consigo entender e fico muito preocupado caso essas medidas sejam aprovadas desse jeito. Evidentemente que vai ter aumento tarifário, não tenho nem dúvida. Essas térmicas não vão custar barato, as térmicas a gás geralmente custam por volta de R$ 250 a R$ 300 por megawatt-hora. O custo, quando o sistema está equilibrado, o custo das hidráulicas, sem usar essas térmicas caras, giram em torno de 150. Ou seja, a energia que entrar vai custar o dobro do que custa hoje”.
“MP 579 fragilizou a Eletrobrás”
“É preciso entender o seguinte: a medida provisória da Dilma, MP 579, ela está certa. Usinas antigas podem vender mais barato, por exemplo: o Canadá tem uma tarifa bem mais baixa que o Brasil por causa disso. Eles amortizaram as usinas. Mas a Dilma fez de uma maneira muito errada. Ela separou as usinas das empresas e disse que a usina só paga o custo dela, e, mesmo assim, calculou um custo muito barato. Na verdade, a Eletrobrás está pagando para operar, pois ela separou a usina da empresa, então você imagina os custos administrativos, de pessoal, por exemplo, do CEPEL, depois da medida provisória, eles não têm mais um real que venha dessas usinas, e são 14.000 megawatt. É muita energia. Então, essa maneira que ela fez fragilizou a Eletrobrás”.
“Só para dar um exemplo: a receita da usina de Furnas é menos que R$ 30 por megawatt-hora. A visão que os empresários têm, para valer a pena capitalizar a Eletrobrás, é que os preços subam por volta de R$200 . Você imagina, 1 megawatt-hora da usina de Furnas que, ao invés de custar R$ 30, vai custar R$ 200 e poucos”.
“Infelizmente, a Eletrobrás ficou tão distante da população que as pessoas não sabem o que a Eletrobrás fez para a gente. É uma tristeza. Você pode imaginar o valor social que teria se nós tivéssemos, por exemplo, um plano de energia solar nas favelas. Pelo menos nas contas dos pobres, ficariam mais baratas. Como não há, a saída é o “gato”. Roubar energia. Se nós tivéssemos realmente um plano. Tem que dar subsídio para colocar placas solares para todo mundo e amenizar um pouco o custo dessas favelas, seria de grande valor. Primeiro, que o consumo diminuiria. Quando o consumo diminuiu, você atende até o desejo da bandeira vermelha. Para que existe a bandeira vermelha? Para diminuir o consumo. Se você adota o solar, para o sistema, você diminui o consumo”.
“Então, nós estamos muito atrasados. A Alemanha fez o contrário: quem colocar placas solares no telhado até um certo ano lá, paga metade da tarifa. Ou seja, o governo pagava metade do que o cidadão teve de pagar do que ele consumiu na distribuidora. Eles conseguiram uma situação de energia solar muito grande. Eles queriam se livrar do carvão, que eles tinham muito, se livrar das usinas nucleares, que também tinham muito. Então, eles conseguiram. Hoje, apesar da Alemanha ter uma tarifa muito cara, imposto, essa política retornou para o país. Hoje em dia eles têm uma energia muito mais limpa e com isso eles sentem os benefícios. A energia solar está gerando mais e está aliviando os recursos”.
ANTONIO ROSA
Parece que vão gostar muito os empreiteiros que irão construir os gasodutos.