Um erro no modelo de cálculo, criado em 2012 pela então presidente Dilma Rousseff, para indenizar concessionárias do setor elétrico por investimentos não amortizados, elevou em R$ 50 bilhões a conta de luz para os consumidores, denunciam associações do ramo de energia e da indústria.
Esse passivo bilionário, que é resultado de juros que serão repassados ao consumidor até 2028, foi atualizado recentemente por associações, que recorreram à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) contra a cobrança. No recurso à Aneel, na qual a Folha de SP teve acesso, as companhias de energia afirmam que poderão ser processadas pelos consumidores por “apropriação indébita” caso não haja uma correção.
Em 2012, a então presidente Dilma Rousseff, através da Medida Provisória 579, prorrogou a concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica e modificou regras do setor elétrico para baixar o preço da conta de luz – medida que pelo menos deu certo até 2014, quando os preços das tarifas de energia voltaram a subir rapidamente para os consumidores. Na época, os investimentos não amortizados foram ignorados e o governo teve que editar outra MP para corrigir o erro, autorizando a indenização das empresas.
Quase três anos depois, o Ministério de Minas e Energia definiu os critérios para a indenização e a Aneel desenvolveu o modelo de cálculo da RAP (Receita Anual Permitida). O passivo gerado e agora distribuído aos consumidores foi calculado de 2013 a 2017, quando foi iniciado o pagamento em parcelas anuais.
Pelo menos 11 distribuidoras que tiveram revisão tarifária aprovada nos últimos meses incorporaram parte destes valores, entre elas estão: CPFL, em São Paulo; Energisa, em Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Sergipe; Coelba, na Bahia; Cosern, no Rio Grande do Norte; Celpe, em Pernambuco; Enel, no Ceará; Equatorial, em Alagoas; Sulgipe, em Sergipe; e Cemig, em Minas Gerais.
Em julho deste ano, a revisão tarifária afetará os grandes consumidores, ou seja, a indústria que já sofre em meio a atual crise econômica, com a pressão sobre os custos de produção, alta da inflação e escassez de energia.
Em função da pandemia da Covid-19, a Aneel decidiu reorganizar o pagamento dessas parcelas, e a partir de julho deste ano, serão incorporados às tarifas R$ 2,2 bilhões. Além disso, em julho de 2022 serão incorporados mais R$ 3,2 bilhões, e a partir de 2023 até 2028, as parcelas passam para R$ 6,8 bilhões, totalizando R$ 46,2 bilhões.
A Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace), através de uma ação na Justiça, ficou sem pagar os valores a mais de 2017 até novembro de 2019, quando a decisão judicial de caráter provisória expirou. E agora, a Aneel decidiu fazer o acerto de contas.
O problema apontado pelas associações da indústria é que a Aneel decidiu cobrar em parcelas anuais, enquanto receitas pagas pelos usuários nas contas de consumidores com taxas e impostos foram feitas mensalmente ao longo do período.
Segundo as empresas ainda, a agência reguladora desconsiderou os pagamentos efetuados e, ao fazer a conta de reposição anual, cobrou indevidamente juros sobre as parcelas mensais acumuladas, “o que gerou as distorções. Esse sobrepreço foi parar nas contas de luz”.
A Aneel negou ter cometido algum erro no cálculo e afirmou que os critérios foram discutidos exaustivamente em audiências públicas. Do outro lado, as entidades afirmam que participaram dos debates e concordaram com o mecanismo de reposição de receitas implementado, mas negam ter concordado com o modelo no passado.
Em carta, Abrace considera haver ao menos R$ 9 bilhões cobrados indevidamente em razão dos erros de cálculo. Já a Associação Brasileira de Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape) estima que o valor de repasse às tarifas seria de R$ 7,7 bilhões. São R$ 4,6 bilhões de juros cobrados indevidamente e R$ 3,2 bilhões de investimentos não amortizados de 2013 a 2017.