Planalto trabalhou intensamente para impedir a compra das vacinas. Seu único empenho era voltado para a charlatanice da cloroquina, revelam as provas em mãos dos senadores. Dezenas de milhares de pessoas morreram fruto da sabotagem que atrasou a imunização
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que investiga as ações e omissões do governo federal na pandemia de Covid-19 já está de posse de documentos que comprovam um empenho deliberado e consciente do Planalto contra a aquisição de vacinas. Eles revelam que não houve apenas omissão por parte de Bolsonaro, mas sabotagem ativa e criminosa para evitar que os imunizantes chegassem a tempo no braço dos brasileiros.
Estudo conduzido pelo epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, avalia que, se o Brasil estivesse na média geral do mundo no que se refere ao combate à pandemia, 4 em cada 5 mortes por Covid-19 no país poderiam ter sido evitadas. O número de vítimas do vírus e da desastrosa condução da pandemia pelo governo Bolsonaro é altíssimo.
MENTIRAS NA CPI
Alguns desses documentos que estão em posse da CPI mostram também que certos depoentes que foram à comissão, entre eles Eduardo Pazuello e Fábio Wajngarten, mentiram descaradamente para os senadores sobre as vacinas. Num deles está registrado que a Pfizer havia prometido ressarcir o Brasil caso houvesse atraso na entrega de doses de vacina contra a Covid. A promessa foi feita em ofício enviado ao Ministério das Relações Exteriores no dia 27 de agosto de 2020.
O documento desmente a fala do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que em seu depoimento para a CPI alegou que a falta de uma multa à farmacêutica em caso de atrasos teria sido um dos motivos para que o governo federal não fechasse o contrato para a aquisição de imunizantes. Pazuello escondeu dos parlamentares a informação de que a empresa se comprometia a ressarcir o país em caso de atraso. Ou seja, o objetivo era mesmo não comprar a vacina.
PFIZER
A Pfizer ofereceu 30 milhões de doses e avisou que a proposta precisava ser analisada com celeridade já que a empresa não poderia garantir esta quantidade caso o governo brasileiro demonstrasse interesse na aquisição posteriormente. “Os dirigentes da Pfizer frisaram a ausência de risco, uma vez que, segundo constaria da proposta de venda, a Pfizer se comprometeria a devolver ao governo brasileiro todo e qualquer pagamento antecipado, na hipótese em que a empresa não consiga honrar a obrigação de entregar a quantidade acordada da vacina”, afirma o documento.
O executivo da Pfizer, Carlos Murillo informou à CPI que a empresa poderia ter entregue, ainda em 2020, 4,5 milhões de doses. Pelos cálculos do professor Pedro Hallal, se isso tivesse ocorrido poderiamos ter evitado a morte de 19 mil pessoas.
Ainda sobre a Pfizer, o ex-chefe da Secretaria de Comunicação do governo, Fábio Wajngarten, jurou na CPI que não participou de negociações com a empresa americana e que apenas teria recebido um telefonema de seu executivo para tentar “apontar atalhos para apressar o processo”. Outro documento que está nas mãos da CPI mostra que uma executiva da Pfizer informou à embaixada do Brasil nos Estados Unidos que a proposta de acordo para aquisição de vacinas contra Covid seria enviada ao então secretário de Comunicação do governo, Fabio Wajngarten.
A informação consta de um ofício enviado pela própria embaixada ao Ministério das Relações Exteriores, em novembro do ano passado. O documento da embaixada informa que, em 9 de novembro de 2020, diplomatas brasileiros se reuniram com a diretora de Relações Governamentais da Pfizer em Washington, Catherine Robinson. Bolsonaro demorou seis meses para responder à Pfizer, colocando o Brasil no fim da fila das vacinas.
No encontro com os diplomatas, mostra o ofício, a empresa disse que escreveria um acordo por 70 milhões de doses. “Ainda de acordo com a representante da Pfizer, na conversa (‘muito positiva’), teria sido acordado que a equipe jurídica da Pfizer dará início à redação de um acordo tentativo com o governo brasileiro para o fornecimento de doses da vacina (70 milhões de doses, segundo Robinson). Essa proposta de acordo será enviada ao secretário especial de Comunicação, Fabio Wajngarten, nos próximos dias, conforme indicado por Robinson”, diz o documento da embaixada.
SABOTAGEM À CORONAVAC
Outra documentação que a CPI tem em mãos como prova da sabotagem criminosa do governo à vacinação da população é o depoimento de Dimas Covas, diretor-presidente do Instituto Butantan, de São Paulo. Eduardo Pazuello havia dito aos senadores que a desautorização de Bolsonaro à compra da CoronaVac, a vacina desenvolvida pela parceria entre o Butantan e a empresa chinesa Sinovac, não tinha trazido nenhum prejuízo nas tratativas do Ministério da Saúde com o instituto paulista. Pazuello havia anunciado a compra de 46 milhões de doses em 19 de outubro do ano passado e Bolsonaro o desautorizou publicamente no dia seguinte.
Dimas Covas, desmentiu Pazuello. Ele afirmou à CPI da Covid que as negociações com o governo federal para compra pelo governo da vacina Coronavac “pararam” em 20 de outubro do ano passado, um dia depois do anúncio da compra. Segundo Dimas Covas, o Butantan estava “trabalhando intensamente” com o Ministério da Saúde para possibilitar um “instrumento jurídico”, uma medida provisória, que viabilizasse o contrato e, assim, o fornecimento das doses. “No mês de outubro, fui três vezes ao Ministério da Saúde”, declarou. “A partir do dia 20 [de outubro], essas tratativas simplesmente pararam”, disse o diretor do Butantan à comissão.
Agora surge mais um documento que comprova a orquestração do governo federal para atrapalhar a aquisição das vacinas contra a Covid-19. Documentos do Itamaraty, que estão em posse da CPI da Pandemia, mostram que o ex-chanceler Ernesto Araújo foi convidado pela China para uma reunião multilateral sobre o combate ao coronavírus. Ele exigiu da China que nenhum representante da Venezuela participasse. Participaram do encontro: China, México, Argentina, Barbados, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, Panamá, Peru, Trinidad e Tobago e Uruguai.
O embaixador do Brasil na China, Paulo Estivallet, recomendou a Ernesto Araújo que participasse do encontro com os demais ministros das Relações Exteriores. “Considero recomendável a participação do Brasil, caso compatível com a agenda de Vossa Excelência. Ademais de refletir a importância de entendimentos pragmáticos sobre uma das principais, se não a principal, questão da agenda internacional, nossa participação também poderia dar sinalização útil para o encaminhamento favorável de questões práticas de relacionamento bilateral, inclusive no campo comercial”, disse Estivallet.
AUSÊNCIA NA REUNIÃO COM A CHINA
Os documentos, datados entre 8 e 24 de julho de 2020, mostram que Estivallet informou à China que a presença de qualquer membro do governo de Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, “inviabilizaria a participação do Brasil”. Mesmo sem a participação de representantes da Venezuela, Ernesto Araújo não compareceu à reunião. O Brasil estava nesta época com dificuldades na obtenção de insumos para testes e para equipamentos de proteção e a China era um dos principais fornecedores.
Enquanto ocorriam todos esses problemas, o embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster, comemorou, em maio do ano passado, a doação de 2 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina ao Brasil pelo governo dos EUA, segundo documentos obtidos pela CPI da Covid. Forster recebeu a confirmação da liberação dos comprimidos de Amy S. Radetsky, diretora para Brasil e Cone Sul do Conselho Nacional de Segurança da Casa Branca.
“Nestor, boas notícias — conseguimos obter as autorizações legais para enviar os 2 milhões de doses. Estamos tentando, mas não podemos confirmar se podemos enviar hoje à noite, sujeito à disponibilidade do avião”, disse Radetsky em e-mail a Forster.
A cloroquina é uma das substâncias cuja ineficácia no tratamento da Covid foi cientificamente comprovada, mas Jair Bolsonaro e seus seguidores insistem em recomendá-la para o tratamento da Covid-19. Na semana passada um vídeo de uma reunião do “gabinete das sombras”, uma espécie de assessoria paralela de Bolsonaro, formada por terraplanistas, espalha-vírus e anti-vacinas, foi divulgado e mostrou um trabalho frenético do governo contra as vacinas e contra as medidas sanitárias de combate à Covid-19.