“O projeto alternativo, sem abrir mão do controle da Eletrobrás, e repensando o setor elétrico, é justamente irmos pelo nosso caminho natural, como foi feito quando da criação da Eletrobrás. Integrar esse país, sabendo tirar partido dos seus recursos naturais. A gente tem que expandir as nossas energias renováveis. A gente consegue regularizar isto com nossos reservatórios e as nossas linhas de transmissão, que precisarão ser modernizadas”, defendeu Clarice Ferraz
“Na prévia discussão de privatização não há investimentos em nível adequado. Os investidores preferem comprar ativos que já estão prontos e, inclusive, vender a sua eletricidade a preços elevados em ambientes de escassez”, denunciou a economista e diretora do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), Clarice Ferraz, nesta terça-feira (15), na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal, que reuniu especialistas de energia contrários à medida provisória (MP 1.031/2021) do governo Bolsonaro que propõe a privatização da Eletrobrás.
O texto da MP 1.031/2021, aprovado na Câmara dos Deputados, que agora está sob análise do Senado, prevê a desestatização da Eletrobrás por meio da oferta de ações da companhia na Bolsa de Valores. Assim, o Estado brasileiro, detentor de 58,71% da companhia, transferiria o controle da empresa ao capital privado e estrangeiro. Além disso, o governo propõe a renovação de contratos com usinas térmicas e antigas – a preços elevados – e a compra, pela União, de 6.000 MW de energia de termelétricas movidas a gás natural.
A diretora do Ilumina denunciou durante a reunião do CMA que o projeto do governo para o setor elétrico brasileiro, além de propor a entrega da Eletrobrás para o capital privado, não leva em conta os desafios que o país terá de enfrentar para a transição energética, não aporta os impactos sobre a tarifa de eletricidade, além de ignorar o valor dos reservatórios como fontes de armazenamento e flexibilidade.
“Quando se está falando de privatizar a Eletrobrás e, além disso, associar a uma expansão de base fóssil, como tem sido feito, quer dizer que o nosso setor elétrico está com um problema. A gente está carbonizando nossa matriz ao longo desses anos. Se o modelo me leva a fazer isso, existe um problema nesse modelo. Porque eu estou no país que tem maior abundância de água doce, contém um dos melhores índices de insolação e, também, os parâmetros de vento”.
O projeto colocado pelo governo “utiliza nossa base hidráulica, complementando com fóssil – o que não ajuda a preservar os reservatórios, pelo contrário, estamos com preços caros e reservatórios vazios. Além disto, propõe a liberalização. Então, estaríamos em um mercado liberalizado, carbonizado, com dependência tecnológica e tarifas altíssimas”, afirma a especialista.
“O projeto alternativo, sem abrir mão do controle da Eletrobrás e repensando o setor elétrico – sem açodamento – é justamente irmos pelo nosso caminho natural, como foi feito quando da criação da Eletrobrás. Integrar esse país, sabendo tirar partido dos seus recursos naturais. A gente tem que expandir as nossas energias renováveis. Elas têm dificuldades? Tem, mas a gente é o melhor país em dotação de elementos de flexibilidade do mundo. A gente consegue regularizar isto com nossos reservatórios e as nossas linhas de transmissão, que precisarão ser modernizadas”, defendeu.
INVESTIMENTOS PÚBLICOS E TARIFAS MAIS BARATAS
Clarice Ferraz defendeu o fortalecimento da Eletrobras com investimentos públicos. “Fazendo esse projeto, nós teremos uma tarifa muito mais barata. Nós teremos um setor que é coordenado, que mitiga riscos, que compartilha riscos, que traz uma energia descarbonizada e com tecnologia nacional. Os impactos da crise do covid-19 e pós-covid-19 mostram que justamente é preciso de intervenção estatal para poder ter uma atuação contracíclica. É uma série de políticas industriais e energéticas a serem elaboradas. O nível de investimento que se retraiu, por conta da crise, precisa ser redinamizado. E para se reverter esse ciclo, é preciso que haja gasto em investimento público, e que esse gasto em investimento público seja colocado nas áreas corretas. Em eficiência energética e, justamente, na integração de novas energias renováveis, que são grandes setores geradores de empregos […] já que nós estamos vivendo uma crise econômica tão grave”.
“Nós precisamos combater esta falsa ideia, pois não é uma questão ideológica. Os dados nos mostram. Na prévia discussão de privatização não há investimentos em nível adequado. Os investidores preferem comprar ativos que já estão prontos e, inclusive, vender a sua eletricidade a preços elevados em ambientes de escassez. Não há investimentos privados em novos empreendimentos que são estratégicos, quando há este ambiente de incerteza; e aqui, a incerteza é total”.
Para Clarice Ferraz, o governo Bolsonaro está querendo implantar no Brasil o modelo desastroso do setor elétrico no Texas. O sistema elétrico texano é isolado do restante dos EUA, ou seja, ele não pode exportar energia e também não pode receber energia de outros estados em momentos de crise, como os blecautes que têm ocorrido neste ano. Além disso, o Texas usou o fato de ser uma Unidade com autonomia para fazer uma grande desregulamentação no seu setor, reduzindo a capacidade do estado de obrigar as empresas a seguirem padrões de manutenção, segurança, de investimento em novas fontes renováveis, entre outras medidas.
“É o exemplo do Texas, para qual apontam essas reformas do setor elétrico brasileiro, que estão dadas por essa combinação de MP 1.031/2021, somadas às transformações que vão ocorrer no setor com o PL 414”, apontou. “O próprio ministro da Economia, em parceria com o relator, já disse que esse 1.031/2021 faz parte deste pacote de transformações que traz também o PL 414, que é uma transformação muito grande da comercialização do setor elétrico e de toda a estrutura, com vista da expansão do mercado livre, que é o que o Texas tem”.
“Em fevereiro no Texas, senhoras e senhores, houve um blecaute que durou mais de uma semana. Oficialmente, são 173 mortos, mas o número estimado que eu vi no estudo ontem, está chegando acima de 700, talvez mais de 900 mortos, porque as pessoas dependem da eletricidade. A nossa dependência aumenta, o custo do déficit aumenta. Pessoas usam aparelhos em casa, aparelhos vitais, inclusive. E chegam as necessidades climáticas, os extremos climáticos. A gente também tem ondas de calor que podem matar e ondas de frio que também podem matar. Não bastasse o choque de preço que houve em fevereiro, devido ao congelamento de infraestrutura, não foi a rede, foi a própria geração que não conseguiu integrar devido a intensidade do frio, houve um apagão e uma explosão tarifária, cujos custos na primeira semana estavam estimados em 50 bilhões de dólares, e tem uma série de falências em cadeia na judicialização desses acordos que vão entrar”.
A especialista se referiu as medidas do governo anunciadas na terça-feira para conter o uso de energia. “Ontem (14), não é um pico de verão ainda, estamos em junho e o que aconteceu? Houve um novo pico de preços devido ao calor e já o regulador pedindo para as pessoas consumirem menos, tomarem cuidado e tirarem os aparelhos da tomada. Então, é você deixar toda sua economia completamente exposta ao clima, que vem acontecendo com um padrão indeterminado e com eventos cada vez mais extremos. A gente ir para um mercado livre nesse ambiente de total incerteza, sem saber o que acontece, a gente fica completamente exposto a esse tipo de variação, que é capaz de destruir empresas, levar à falência e promover a morte”, ressaltou a Ferraz.
Na reunião da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado, também participaram do debate o ex-ministro de Minas e Energia, Nelson Hubner Moreira, o ex-presidente da Chesf, Mozart Bandeira Arnaud, e o Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens, Fernando Fernandes.
ANTONIO ROSA
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