Medicamentos sem eficácia, negligência e descaso na compra de vacinas e aposta na criminosa tese da “imunização de rebanho”
Neste sábado (18), o Brasil atingiu o trágico escore oficial de 500.495 mortes por Covid-19. Esse número não é resultado do acaso. A CPI da Covid-19 ou da Pandemia no Senado, à medida que avança vai desvendando o que está por trás desse número.
Há uma trilogia — descoberta pela CPI, que está prestes a completar dois meses de investigações (foi instalada em 27 de abril), que aponta por quais caminhos o Brasil chegou a essa tragédia, enfeixada no grandiloquente número de mais de 500 mil mortes por Covid-19:
1) compra e difusão de medicamentos sem eficácia científica comprovada no combate à Covid-19; 2) negligência e demora na compra de imunizantes; e 3) aposta na chamada “imunização de rebanho”, tese criminosa que defende que as pessoas sejam contagiadas pelo vírus para adquirir imunidade naturalmente.
Assim, a CPI começou a delinear as insanidades do governo no combate à Covid-19. Ao longo de quase dois meses de trabalho, a CPI coletou mais de mil documentos, colheu até agora 21 depoimentos e aprovou 29 quebras de sigilos bancários, telefônicos e telemáticos.
TRÊS CAMINHOS
A partir da análise desse material, a investigação começou a delinear, grosso modo, os três caminhos apontados acima que levaram o Brasil a registrar a marca de mais 500 mil mortes pela pandemia do novo coronavírus.
O material colhido pela CPI mostra, por exemplo, o empenho do governo Bolsonaro em transformar um conjunto de medicamentos sem comprovação científica contra a Covid-19 numa das principais políticas públicas de combate à doença.
CLOROQUINA
Um levantamento, obtido com base em telegramas diplomáticos enviados à comissão, revela que o Itamaraty atuou pelo menos 84 vezes no exterior para garantir o abastecimento de cloroquina. A maior parte das comunicações foi enviada à Índia.
Os telegramas narram, por exemplo, que o presidente Jair Bolsonaro telefonou ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, para pedir a liberação de insumos para a fabricação de cloroquina por empresas privadas brasileiras.
Documento enviado pelo Ministério da Saúde à CPI mostra que o governo distribuiu mais de 6 milhões de comprimidos de cloroquina e hidroxicloroquina entre março de 2020 e abril de 2021 para combater a Covid-19. Somente as terras indígenas receberam 100,5 mil unidades em junho do ano passado.
Procurada, a pasta informou que a cloroquina é enviada regularmente às terras indígenas onde a malária é endêmica, mas não explicou por que mandou o remédio para combater a Covid-19.
A cloroquina é indicada para malária, mas ineficaz contra a Covid-19. Tudo isso ocorreu em meio aos alertas da comunidade científica nacional e internacional sobre a inadequação da cloroquina no tratamento da Covid-19.
Em junho de 2020, a OMS (Organização Mundial de Saúde) suspendeu os testes com hidroxicloroquina (derivado da cloroquina) após constatar que não tinha efeitos significativos e poderia até ser prejudicial, por seus efeitos colaterais. Mesmo assim, o governo enviou o medicamento aos Estados até abril deste ano.
VACINAS
O Instituto Butantan entregou à CPI, na penúltima semana de maio, documentos sobre três ofertas de fornecimento de doses da Coronavac, vacina contra Covid-19 do laboratório chinês Sinovac, ignoradas pelo Ministério da Saúde.
Em 20 de maio, o Butantan enviou à comissão 18 ofícios das negociações do Butantan com o governo para a compra do imunizante. Esses foram apresentados pelo presidente do instituto, Dimas Covas, durante o depoimento dele aos senadores. Os arquivos estão disponíveis no site da CPI.
No final de abril, no dia 27, veio à tona que o governo havia recusado, por exemplo, 11 vezes ofertas para compras de vacina. O método do Ministério da Saúde, sob Eduardo Pazuello, sempre foi o de ignorar as propostas. O número leva em conta apenas os episódios em que há comprovação documental da omissão governamental.
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), entende que a recusa do governo na compra de vacinas já está comprovada pelos depoimentos e provas obtidas pelo colegiado.
“A omissão custou a vida de 80 mil brasileiros. Com as vacinas adquiridas em dezembro, poderíamos ter imunizado, em fevereiro ou março, todos os grupos prioritários”, afirmou o senador, em 31 de maio, em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura.
M. V.