Diante de uma nova crise hídrica, a expectativa dos produtores agropecuários é de baixo crescimento do PIB do setor neste ano. Além do aumento do custo de energia, a situação pode se agravar com as medidas do governo de restringir o uso da água. Frente à esse quadro, a previsão para expansão do PIB agrícola este ano é zero contra uma previsão de expansão entre 2,5% a 3%, segundo a consultoria MB Agro.
A alta dos custos de produção já é uma realidade para os produtores. “A possibilidade de reflexo do problema para os preços também não é descartada”, afirmou o analista da MB Agro, Francisco Queiroz, ao Valor Econômico. Segundo ele, no caso do milho o efeito da falta de chuvas já apareceu no preço, embora acompanhada por outros fatores, como o aumento da demanda e a valorização do produto no mercado externo.
Com a ausência de chuvas, o governo anunciou que estuda editar uma medida provisória para evitar um racionamento de água no país, mas não está descartado a restrição ao uso da água, assim como a redução do uso da energia em horário de pico. A conta de energia elétrica já sofreu um reajuste através da bandeira vermelha patamar 2 este mês, que o governo ameaça com um novo reajuste, o que na verdade significa forçar um racionamento por parte dos consumidores.
A restrição ao uso da água para a irrigação, que é usada entre 3% a 4% da área plantada no país, 8,2 milhões de hectares, de acordo com a ANA, preocupa os produtores.
Segundo Queiroz, “ainda que o governo não dê canetada [decida por restrições], não se pode descartar o risco de faltar água para irrigação. Existe essa preocupação em algumas regiões. E só o aumento da energia elétrica já complica a vida do produtor de áreas irrigadas”, afirma o consultor.
Os grandes produtores de soja, responsável pela metade da safra recorde de 2021, já praticamente totalmente colhida, não serão afetados pelas medidas do governo, mas para os pequenos e médios produtores, particularmente os hortifrutigranjeiros, a restrição do uso da água vai piorar a situação.
O pesquisador Lineu Rodrigues, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), reforça que apesar de ocupar uma pequena parcela do território o impacto seria relevante, especialmente para pequenos e médios produtores que lidam mais com hortifrútis de ciclo curto. “Será a classe mais pobre [na agricultura] que vai sofrer mais”, afirmou.
Nelson Ananias, coordenador de Sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), lamentou a falta de estratégia governamental para a irrigação. “A irrigação ajudou a elevar a produtividade agrícola brasileira nos últimos 40 anos. Ela permite acelerar período de cultivo e garante segurança contra riscos climáticos”, disse à reportagem.
Segundo Ananias, o problema atual não pode ser considerado apenas como de “falta de água” nos reservatórios, e sim de ausência de ações de “preservação” de água. “A estiagem que atinge os reservatórios é a mesma que atinge a agricultura”, diz. “Água para produzir energia tem substitutos, como térmica e solar. Água para produzir comida não tem substituto. Ou tem ou não tem”, criticou Nelson Ananias ao Valor.
Alheio às alterações climáticas que o Brasil tem vivenciado nos últimos anos, como escassez de chuvas que resulta na diminuição dos níveis de água dos reservatórios, e sem nenhum projeto ou sequer um estratégia para o enfrentamento de crises hídricas, o governo Bolsonaro acionou todas as usinas termelétricas disponíveis para evitar um apagão de energia. Todavia, a geração de energia por termelétricas, além de ser poluentes para o meio ambiente, é muito cara e quem paga esta conta são os consumidores. Como dizem os especialistas do setor, não dá para colocar toda a culpa toda em São Pedro.