Bolsonaro se empenhou pessoalmente junto ao primeiro ministro da Índia e não avisou a PF sobre denúncias. Élcio Franco queria obrigar a assinatura da importação e até propôs aumentar em 50 milhões a quantidade de vacinas irregulares
O líder do governo no Senado, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), apresentou nesta terça-feira (29), a terceira versão tentando livrar Jair Bolsonaro do escândalo da compra da Covaxin. A primeira foi a de que os irmãos Miranda estavam mentindo e haviam falsificado documentos sobre a importação da vacina. A segunda foi a de que Bolsonaro teria acionado o ministro Pazuello. Esta versão não se sustentou nem um dia porque ministro Pazuello caiu dois dias depois.
Agora, a última versão, apresentada por Bezerra na tentativa de blindar Bolsonaro, é de que o secretário executivo do ministério, Élcio Franco, teria sido encarregado de averiguar as denúncias do servidor Luis Ricardo Miranda e que ele (Élcio) não encontrou nenhuma irregularidade no contrato. A versão também não se sustenta porque não há nenhum registro de que tenha sido aberta uma sindicância no Ministério da Saúde. Pelo contrário, Élcio participou das pressões para que a importação fosse acelerada.
Além disso, o procedimento que Jair Bolsonaro informou aos dois denunciantes – Luis Ricardo e o deputado Luis Miranda (DEM-DF) – que iria tomar assim que soube dos fatos, era acionar a direção-geral da Polícia Federal. Isso ele não fez. Não há nenhum registro de pedido, segundo a própria Polícia Federal, de abertura de inquérito para investigar a compra da Covaxin. Mesmo depois de ter avisado ao presidente que estava sendo pressionado a assinar um documento ilegal de importação, o servidor seguiu sendo pressionado por seus superiores.
O contrato de compra da Covaxin foi assinado em 25 de fevereiro com a Precisa, representante da Bharat Biotech. Ficaram previstos 20 milhões de doses, a um custo individual de US$ 15 (R$ 80,70). Mesmo sendo a vacina mais cara de todas, chegando a custar quatro vezes a vacina da AstraZêneca, Élcio Franco mostrou grande interesse na concretização do negócio. Chegou até a enviar um ofício em 6 de março à Precisa, apontando a intenção de compra de mais 50 milhões de doses.
O valor total do contrato era de R$ 1,61 bilhão e o dinheiro já estava empenhado – reservado, autorizado – pelo governo Bolsonaro desde 22 de fevereiro, antes mesmo da assinatura do contrato. Coisa muito estranha.
Mesmo com a iminência de descumprimento do contrato, já que havia um prazo de 20 dias para a entrega do primeiro lote, o então secretário-executivo da pasta, o coronel Élcio Franco Filho, pediu ao dono da Precisa um adicional de 50 milhões de doses, além dos 20 milhões contratados.
Ou seja, Franco não quis ver nada de irregular que estava embaixo de seu nariz como ainda tentou ampliar a compra da vacina mais cara de todas.
O líder do governo afirmou nesta terça-feira (29) no senado que “após a devida conferência, foi verificado que não existiu irregularidades contratuais, conforme já previamente manifestado, inclusive pela Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde”.
Tanto o contrato não estava regular, como alega o líder do governo, que no dia 31 de março, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) negou pedido do Ministério da Saúde para importação de um primeiro lote de vacinas indianas. Faltavam documentos básicos, que atestassem a segurança, a qualidade e a eficácia do imunizante. Agora vem a notícia de que também a Anvisa sofreu pressões da Precisa para aprovar a importação de qualquer maneira (Leia aqui).
Como Luis Ricardo Miranda se recusou a autorizar o prosseguimento da importação, a pressão sobre ele por parte de seus superiores e por Élcio Franco aumentou. Não conseguindo demovê-lo de sua acertada decisão, outra servidora, Regina Célia Silva Oliveira, que exerce a função de fiscal do contrato, e é ligada ao deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, e que foi citado por Bolsonaro na conversa com os denunciantes como operador do esquema na compra da Covaxin, foi acionada e assinou a autorização para o prosseguimento da importação. A CPI já decidiu convocar a funcionária para explicar a sua decisão.
Na entrevista coletiva, dada ao lado do secretário geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, na véspera do depoimento de Miranda à CPI, o ex-secretário executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, não disse nada sobre essa suposta sindicância que estaria sob sua responsabilidade, e apenas ameaçou o servidor e o acusou de ter falsificado o documento apresentado ao presidente da República. No mesmo dia, a empresa Precisa desmentiu Élcio Franco e confirmou que o documento apresentado pelo servidor ao presidente era verdadeiro.
E mais, em seu depoimento ao Ministério Público Federal e à CPI da Covid, o servidor Luis Ricardo Miranda, responsável pela importação, relatou que estava sendo pressionado exatamente por integrantes da secretaria executiva do ministério, chefiada por ninguém menos do que o próprio Élcio Franco. Ou seja, segundo a nova versão trazida pelo líder do governo ao senado, o encarregado de “averiguar” se havia irregularidades no contrato era exatamente quem estava mais interessado na compra. Era ele que pressionava o servidor a assinar um documento eivado de ilegalidades.
Segundo Luis Ricardo Miranda, ele recebeu telefonemas nos fins de semana e até tarde da noite de seus superiores, que são lotados na estrutura de Élcio Franco, numa pressão nunca vista por ele, para obrigá-lo a assinar um documento aprovando o prosseguimento de uma importação que obrigaria o governo a pagar antecipadamente US$ 45 milhões, sem que isto estivesse no contrato.
Mais grave ainda o documento que Élcio Franco queria que Miranda assinasse determinava que o pagamento fosse feito a uma terceira empresa com sede num paraíso fiscal, o que também não estava no contrato, e é considerado um procedimento completamente ilegal. Além disso, o quantitativo do produto estava errado. No contrato eram 4 milhões na primeira entrega e, no documento recusado pelo servidor, o número que aparecia correspondia a uma quantidade de 3 milhões de doses.
Na segunda-feira (28), três senadores, incluindo o vice-presidente da CPI da Covid, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ingressaram com uma notícia-crime no STF (Supremo Tribunal Federal) contra Bolsonaro pelo crime de prevaricação. E, por fim, a decisão anunciada nesta terça-feira (20) pelo ministro Marcelo Queiroga de suspender a compra da Covaxin, também é uma ducha de água fria na ova versão inventada por Bezerra e pelo Palácio do Planalto.
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