“O Estado tem sempre a possibilidade, quando ele emite a moeda fiduciária, de criar o poder de compra, então, o Estado é muito poderoso. Como restringir o Estado para que ele faça isso para o bem da sociedade e de acordo com as opções da sociedade democrática?”, indagou economista
André Lara Resende, ex- diretor do Banco Central, presidente do BNDES e um dos formuladores do Plano Real, em entrevista ao Roda Viva da TV Cultura, na segunda-feira (28), afirmou que “o papel do Estado é fundamental. Ao contrário do que se pretende este liberalismo meio primário, primitivo, não existe mercado sem Estado, quem organiza o mercado é o Estado”.
NEOLIBERALISMO PRIMÁRIO E PRIMITIVO
Ao analisar a política econômica do governo Bolsonaro, Lara Resende declarou que o ministro da Economia, Paulo Guedes, “formado na Universidade de Chicago, é a alma mater do neoliberalismo, desse liberalismo lesseferista, de acreditar que tudo se resolve na economia, na sociedade, simplesmente reduzindo ao máximo a intervenção do Estado, [..] que o setor privado, o mercado, serão capazes de tudo, de investir, fazer a economia crescer, desenvolver o bem estar, reduzir as desigualdades”. Para ele, “isso é um brutal equívoco”.
“Quando se faz a defesa de uma política radical neoliberal, e me parece primitiva, e que procura atar a mão do Estado e defender que o único objetivo da boa politica econômica é equilibrar as contas públicas, em qualquer circunstância e a qualquer preço, a crítica passa a ser que você está defendendo uma irresponsabilidade, uma ideia de que não existe limites para o Estado, para o que o Estado pode fazer, o que é rigorosamente falso”, afirmou Lara Resende.
Assista a entrevista na íntegra
“O Estado deve ser competente e responsável. O que está errado é definir responsabilidade fiscal simplesmente como equilíbrio orçamentário em qualquer circunstância e a qualquer custo”, frisou.
“O que está errado é definir responsabilidade fiscal simplesmente como equilíbrio orçamentário em qualquer circunstância e a qualquer custo”, frisou
“O Estado tem sempre a possibilidade, quando ele emite a moeda fiduciária, de criar o poder de compra, então, o Estado é muito poderoso. Como restringir o Estado para que ele faça isso para o bem da sociedade e de acordo com as opções da sociedade democrática? Essa é a grande questão de responsabilidade fiscal. E não este equívoco de imaginar que o Estado mesmo com esse desemprego que nós temos hoje no Brasil perto de 14% aberto, provavelmente 20% de desemprego, quando você tem capacidade ociosa, uma infraestrutura completamente deteriorada, quando há uma evidente insuficiência de bens públicos, aqueles bens que só podem ser ofertados e supridos pela ação do Estado, como segurança, educação básica, saúde, a questão ambiental. Estas questões que são bens públicos e devem e só tem como ser supridas pelo Estado, precisam que o Estado dirija e faça esses investimentos corretos”.
ESTADO ABRE ESPAÇO PARA INVESTIMENTO PRIVADO
“Isso não quer dizer que o Estado pode tudo. Então o Estado deve ter um programa de longo prazo, com esses investimentos, e a velocidade de execução desses investimentos deve ser feita à medida que haja espaço na economia para isso. Se assim for feito, ao invés de competir como o investimento privado, isso funciona como estimulador do investimento privado. Os investimentos privados passam a ser complementares ao investimento público”, defendeu.
Ao comentar a dívida pública que atingiu 90% do Produto Interno Bruto (PIB) na pandemia, Lara Resende defende que não existe um limite máximo para o endividamento da dívida pública, como afirmam economistas ortodoxos de que se a dívida ultrapassar tal limite a economia vai se desorganizar.
“Não existe um limite ao qual a economia se desorganiza. O que não pode é a relação dívida pública/PIB crescer permanentemente, em trajetória explosiva”, defende. “O que é preciso é garantir que o crescimento do PIB, do denominador, acompanhe, no mínimo, a taxa de crescimento do numerador que é o PIB. Se a dívida cresce muito mais que o crescimento do país há alguma coisa errada”.
NÃO HÁ LIMITE PARA ENDIVIDAMENTO PÚBLICO
“Mas, circunstancialmente, como nós estamos vivendo agora, o Brasil passou de 70%, 75% do PIB para 90%, esses economistas que estão aí e diziam que o Brasil ia se desorganizar, à beira do precipício fiscal, não teve precipício fiscal nenhum”, afirmou.
Os mesmos economistas que alardeiam que o aumento da dívida pública vai desorganizar a economia, defendem o aumento da taxa básica de juros pelo Banco Central, “excessivamente alta, uma excrecência”, afirma Resende.
Os mesmos economistas que alardeiam que o aumento da dívida pública vai desorganizar a economia, defendem o aumento da taxa básica de juros pelo Banco Central, “excessivamente alta, uma excrecência”, afirma Resende
“Quando você eleva a taxa de juros você reduz a demanda agregada, você cria uma espécie de excesso de oferta na economia, desemprego e isso controla a inflação e a elevação dos preços, isso é uma tese relativamente simplória, de que você vê a inflação sempre como inflação de demanda, quando a inflação tem muitos outros elementos, inflação é uma questão de custos, choques de ofertas e sobretudo de expectativas”, diz.
“A taxa básica de juros determina o custo da dívida pública, hoje, com uma dívida pública em 90% do PIB uma elevação da taxa básica de juros de 1,75 para 5,75 – o mercado está falando em 6,5% e até 8% – são 4% de elevação no ano, 4% de 90% do PIB são 3,6% do PIB. Isso é equivalente a toda a ajuda emergencial que foi dada ao ano passado nas circunstâncias dramáticas da economia e que exigiu uma emenda constitucional para ser feita”.
“Agora compare e veja se é razoável que o Banco Central possa elevar, por determinação própria, a taxa de juros e impor um custo fiscal equivalente a toda a ajuda emergencial do ano passado. E se quisermos mais um exemplo, é mais do dobro da taxa de investimento do setor público anual dos últimos anos. É uma excrescência”, ressaltou.
O atraso na vacinação trará prejuízos gravíssimos para a economia brasileira, avalia Lara Resende, que precisará de uma ação coordenada e de investimentos públicos.
“O atraso na vacinação trará prejuízos gravíssimos para a economia brasileira, avalia Lara Resende, que precisará de uma ação coordenada e de investimentos públicos”
“A questão da pandemia mundial afetou de uma forma extraordinária, foi dramática a parada na economia. A obrigação de redução de contato social paralisou a economia. Mesmo onde a economia está se recuperando, em todos os países têm havido problema de gargalos na estrutura de oferta de produção que se desorganizou. Está fazendo com que você tenha aumento de preços setoriais que aparecem com pressões inflacionárias transitórias, acredito eu, o mundo não está indo para um um novo período inflacionário, apenas está tendo transitoriamente uma elevação de preços de inflação um pouco mais alta do que tinha. Por quê? Porque você desorganizou dramaticamente a economia. Para reorganizar a economia você precisa de novo de uma ação, no mínimo, coordenadora, estruturadora, uma visão de longo prazo, de um estado inteligente com investimentos públicos inteligentes voltados para o aumento da produtividade e do bem-estar”.
ESTADO MILICIANO
Para André Lara Resende, o risco de desorganização do Estado é o risco do país caminhar para um Estado miliciano.
“O risco é sério. A eleição do Bolsonaro, um deputado de um radicalismo primitivo – não vou nem chamar isso de direita, porque isso não é de direita-, é um radicalismo primitivo associado a uma agenda liberal que o Paulo Guedes prometeu e claramente ele não está cumprindo, é uma impostura a agenda liberal desse governo. O bolsonarismo, cuja raiz é o Rio de Janeiro é um exemplo típico desse processo, de desorganização do Estado, de fragmentação, que é provocado por uma cultura irresponsável na gestão do Estado, combinado com a ideia de que é preciso asfixiar o Estado”.
O bolsonarismo, cuja raiz é o Rio de Janeiro é um exemplo típico desse processo, de desorganização do Estado, de fragmentação, que é provocado por uma cultura irresponsável na gestão do Estado, combinado com a ideia de que é preciso asfixiar o Estado”
“No Rio de Janeiro, o que nós vimos foi um aumento desses estados paralelos. Isso começou a ocorrer nas comunidades, nas favelas, com a ideia de que você tem os comandos do tráfico, depois as milícias começaram a combater o tráfico e substituíram os donos do tráfico com pequenos protetorados. Isso é uma espécie de feudalização da sociedade, no Estado. O poder central se desorganiza, se desmoraliza, não tem mais autoridade e perde legitimidade e é substituído por essa fragmentação miliciana e o bolsonarismo vem desse processo. Claramente a transposição do bolsonarismo para o nível nacional só pessoas muitos irresponsáveis, com bloqueio mental completo, podem não perceber quão perigoso é esse processo”, ressaltou.
Lara Resende lembrou figuras importante da história do Brasil e questionou. “Como é que este Brasil, de figuras extraordinárias […] chegou a ter como presidente Bolsonaro e essas pessoas que estão aí?” Destacando os problemas econômicos e sociais afirmou: “o fracasso levou a um corpo duro de ressentimento que elege os piores, elege a barbárie”.
“Uma frente democrática para enfrentar e derrotar essa frente claramente antidemocrática, autoritária, de barbárie, que está solapando a democracia a partir da Presidência da República”
O economista defendeu que para barrar esse processo de barbárie é necessário “uma frente democrática para enfrentar e derrotar essa frente claramente antidemocrática, autoritária, de barbárie, que está solapando a democracia a partir da Presidência da República”.