Sem política industrial, setores produtores de bens de capital e de bens de consumo duráveis reduziram sua participação no PIB industrial de 23,8% para 18,7%
Como consequência da falta de política industrial, o setor produtivo nacional está perdendo presença em áreas de bens de média e alta tecnologia. Por outro lado, aumenta a presença em atividades de baixa tecnologia, aponta diagnóstico da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
“A estrutura da produção da indústria de transformação no Brasil desidratou em dez anos, com perda significativa da participação do grupo de setores industriais de bens de média e alta tecnologia no país e aumento da presença dos setores de baixa tecnologia”, afirma o estudo divulgado através da Nota Econômica nº 20 da entidade. A base da investigação é a Pesquisa Industrial Anual (PIA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A participação das indústrias produtoras de bens de capital e bens de consumo duráveis no Produto Interno Bruto (PIB) industrial caiu de 23,8% em 2008 para apenas 18,7% em 2018. Isso significa que o Brasil perdeu 5,1 pontos percentuais de presença nesses setores considerados mais complexos por produzirem bens mais sofisticados, com maior valor agregado e que contribuem mais para o aumento da renda e qualificação de profissionais.
“Além disso, esses setores elevam a capacidade tecnológica do país por serem mais intensivos em pesquisa e desenvolvimento e estimulam o desenvolvimento de novos produtos, criando novos mercados e gerando mais crescimento”, complementa a nota da CNI.
O economista-chefe da CNI, Renato da Fonseca, aponta que a intensificação do movimento em direção a setores produtores de bens do consumo semiduráveis e não duráveis são “típicos do início do processo de industrialização”.
A participação dos setores de baixa complexidade passou de 25,6% para 35% entre os biênios de 2007/2008 e 2017/2018. Enquanto isso, a presença de setores que produzem bens intermediários caiu de 49,3% para 44,4%. “O resultado disso é que o Brasil tem uma das mais baixas participações de setores intensivos em tecnologia e inovação na comparação com países da OCDE”, afirma a entidade. Ocupa a 23ª posição entre 28 países.
“Essa perda de participação da indústria manufatureira na economia tem consequências de longo prazo para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. A indústria paga salários mais altos do que os demais setores e tem forte poder de gerar crescimento”, diz o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade. Para ele, fazer a indústria crescer significa “ter política industrial”.
“A cada R$ 1 produzido na indústria de transformação no Brasil, são gerados R$ 2,67 na economia brasileira. O valor gerado pelos outros setores é menor. Na agricultura, esse mesmo R$ 1, resulta em R$ 1,75 e nos serviços R$ 1,49”, justifica o estudo da CNI.
Setores como o de alimentos e coque – intensivos em matéria prima, mas de baixa intensidade tecnológica – respondem por 30% de toda a produção manufatureira nacional. Em dez anos, por exemplo, a indústria de alimentos se tornou o principal setor do país, com participação de 17,97% contra pouco mais de 10% em 2008.
“Por outro lado, todos os setores produtores de bens de consumo duráveis e de bens de capital perderam espaço na indústria de transformação brasileira. São eles: equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos; Máquinas, aparelhos e materiais elétricos; Máquinas e equipamentos; Veículos automotores e Outros equipamentos de transporte”.
De acordo com a CNI, a indústria brasileira tem a vantagem de ser bastante diversificada; no entanto “o fato de a diversificação ter uma participação menor dos setores de alta complexidade, é um problema”. A participação de setores de bens de capital e bens de consumo duráveis no Brasil é uma das mais baixas entre 28 países analisados.
Para Fonseca, o Brasil está perdendo a indústria que tem maior capacidade de puxar outros setores, por ter longa cadeia produtiva. “Não podemos abrir mão da indústria que contribui com maior crescimento do PIB (Produto Interno Bruto); precisamos dela para acelerar o crescimento e reduzir os níveis de pobreza e de desigualdade nas regiões brasileiras”, diz.
PRIMARIZAÇÃO
Na opinião de Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), ao Estadão, quando forem contabilizados os dados de 2019 e 2020 a situação deverá ser ainda pior. Ele lembra que o Brasil passa, há alguns anos, por uma desindustrialização ou “primarização da indústria”, acentuada a partir da crise de 2014.
Além de perder indústrias, setores que estão no início da cadeia produtiva, geralmente associados a atividades de extração mineral ou agrícola, sem muito valor agregado, são os que ganham espaço, em parte por causa do aumento de preços das commodities.
“Aqui não há nenhum preconceito entre uma ou outra atividade, pois todas podem ter ganhos de produtividade, mas, do ponto de vista tecnológico, a vantagem para um dinamismo maior está nos ramos de maior intensidade tecnológica e de maior sofisticação, ligados aos bens de capital e de consumo duráveis”, declarou Cagnin à reportagem.
Na última década, enquanto o setor agropecuário cresceu, em média, 3,5% ao ano, a indústria de transformação caiu 1,6%. A economia patinou em torno de 0,1% a 0,3%, confirmando que sem a indústria não há crescimento que aguente.