A Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados realizou uma diligência na nova sede da Fundação Cultural Palmares, em Brasília, para verificar como está sendo cuidado o acervo histórico da instituição.
A iniciativa se dá após a publicação de um relatório, no mês passado, produzido pela atual direção da instituição presidida por Sérgio Camargo, que alega que mais da metade do acervo “abriga, protege e louva um conjunto de obras pautadas pela revolução sexual, pela sexualização de crianças, pela bandidolatria e por um amplo material de estudo das revoluções marxistas e das técnicas de guerrilha” e que, portanto, seriam retiradas da fundação e doadas para outras instituições.
Entre alguns dos autores alvos da exclusão estariam Karl Marx, Lênin, Celso Furtado, Simone de Beauvoir, e até uma obra de Machado de Assis, que, por ser uma edição de 1938, seria, segundo Sérgio Camargo, “ultrapassada”.
Durante a visita, a comitiva de parlamentares e representantes do poder público e de entidades da sociedade civil identificou um total descaso com o acervo histórico da fundação.
Segundo a coordenadora da diligência, a presidente da Comissão de Cultura da Câmara, deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), a fundação apenas separou os materiais que considera “ideológicos”. “Isso é caso de polícia. É gravíssimo. A pergunta que eles precisam ainda nos responder é: onde está o patrimônio histórico e cultural da Fundação Palmares do Brasil?”
Ela aponta ainda que materiais históricos valiosos “estão armazenados em caixas de papelão”, além de o “acervo está incompleto e em condições incompatíveis com a preservação de qualquer livro, sem temperatura, umidade e luminosidade adequadas”.
Entre outros problemas identificados, Gilcy Rodrigues Azevedo, membro da equipe técnica da Câmara dos Deputados, alertou que o órgão misturou materiais que em 2019 foram classificados com contaminação de fungos com outros documentos. “Isso é complexo, porque esses documentos com fungos podem contaminar todo o acervo”, disse.
“Querem acabar com o acervo da fundação para apagar a história e as lutas da população negra, mas estamos em luta contra essa destruição da nossa história”, afirmou a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), autora do requerimento da visita juntamente com Erika Kokay (PT-DF).
Presente à visita, Iêda Leal, do Movimento Negro Unificado, afirmou que “está errado quando se considera excluir as publicações de Karl Marx, por exemplo, alegando que se trata de material ideológico. Todo livro tem sua história e contribuição com a identidade do nosso povo”.
No término da diligência, a deputada Alice Portugal entregou aos coordenadores da FCP um ofício da Comissão de Cultura da Câmara com diversos questionamentos sobre a preservação do acervo histórico da instituição.
Entre os esclarecimentos solicitados, que durante a visita os coordenadores da fundação não souberam responder, estão dados, livros e documentos sobre assentamentos dos quilombos no Brasil, se existe um acervo da participação brasileira no Festival Mundial de Arte Negra de 2010, ocorrido no Senegal, e se a documentação referente ao Parque Memorial Quilombo dos Palmares, implantado em 2007, no alto da Serra da Barriga, está protegida.
Também participaram da visita o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), as deputadas Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Fernanda Melchionna (Psol-RS), além de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da União de Negros pela Igualdade (Unegro) e Conselho Federal de Biblioteconomia, além de servidoras especialistas do Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados.