Áudios da ex-cunhada de Jair Bolsonaro, Andrea Siqueira Valle, mostram que ele pegava para si cerca de 90% do salário de seus funcionários na Câmara dos Deputados. O esquema criminoso é conhecido como rachadinha, roubo dos cofres públicos que consiste em ficar com o salário ou parte do salário de assessores e funcionários de gabinete. O parlamentar indica pessoas para seus gabinetes, mas o dinheiro ou parte dele não vai para elas, fica com o parlamentar.
Geralmente, as pessoas indicadas como funcionárias do gabinete são fantasmas, ou seja, não frequentam o local de trabalho e nem prestam serviços, só recebem o salário e benefícios em dinheiro no fim do mês para dar ao parlamentar.
Uma série de reportagens do UOL, publicadas na segunda-feira (5), mostram como era organizada a rachadinha no gabinete de Jair Bolsonaro.
Na gravação, Andrea Siqueira Valle, que é irmã da ex-esposa de Jair Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle, relata que seu outro irmão, André, que foi assessor de Bolsonaro, era pressionado e foi demitido porque devolvia um valor inferior ao “combinado”.
“O André deu muito problema porque ele nunca devolveu o dinheiro certo que tinha que ser devolvido, entendeu? Tinha que devolver R$ 6 mil, ele devolvia R$ 2 mil, R$ 3 mil. Foi um tempão assim até que o Jair pegou e falou: ‘Chega. Pode tirar ele porque ele nunca me devolve o dinheiro certo’”, diz Andrea no áudio.
André Siqueira Valle foi assessor de Bolsonaro na Câmara entre 2006 e 2007. O áudio revela que ele foi demitido porque não entregava parte de seu salário para o esquema corrupto.
Antes de estar cotado no gabinete de Jair Bolsonaro, André já tinha passado pelo gabinete de Carlos Bolsonaro, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
Andrea também conta que ela própria fez parte da “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro, quando este era deputado estadual no Rio de Janeiro, e que chegava a devolver mais de 80% de seu salário de assessora.
“Eu ficava com mil e pouco e ele ficava com sete mil reais”, disse Andrea.
“Não é pouca coisa que eu sei, não. É muita coisa, eu posso ferrar a vida do Flávio, ferrar a vida do Jair, posso ferrar a vida da Cristina [ex-esposa de Bolsonaro]. Entendeu? É por isso que eles têm medo e mandam eu ficar quietinha”.
“O tio Hudson já até tirou o corpo fora porque quem pegava a bolada era ele, quem me levava e buscava no banco era ele”, disse Andrea, se referindo a Guilherme Hudson, coronel da reserva do Exército, que é seu tio.
Hudson foi contemporâneo de Jair Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) na década de 1970. Em 2018, ele foi assessor de Flávio Bolsonaro por três meses.
Andrea falou da rachadinha nos gabinetes de Jair Bolsonaro e de Flávio Bolsonaro para duas pessoas que foram ouvidas pelo UOL, e uma delas repassou o áudio na condição de anonimato.
A outra relata ter sido informada por Andrea durante o casamento de André, em outubro de 2018. A ex-cunhada de Jair Bolsonaro disse que estava preocupada porque recebia uma “mesada” como assessora fantasma de Flávio Bolsonaro, mas tinha sido exonerada em agosto de 2018.
Andrea é investigada por ter sido assessora fantasma de Flávio Bolsonaro. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), entre 2008 e 2018 ela sacou 98% do que recebeu como salário, o equivalente a R$ 663 mil.
FABRÍCIO QUEIROZ
O UOL obteve áudios trocados entre Márcia Aguiar, esposa de Fabrício Queiroz, amigo da família Bolsonaro e organizador do esquema criminoso de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro, e Nathália Queiroz, filha de Fabrício. As mensagens são de outubro de 2019.
Nathália havia dito que Fabrício Queiroz era “burro” por continuar fazendo articulações criminosas depois de seu esquema junto a Flávio Bolsonaro ter vindo a público. Márcia diz que Queiroz não vai poder voltar a fazer o que fazia tão cedo porque Jair Bolsonaro não quer.
“É que ainda não caiu a ficha dele que agora não vai voltar para a política, voltar para o que ele fazia, tão cedo… esquece. Bota anos para ele voltar”.
“Até porque o 01, o Jair não vai deixar, tá entendendo? Não pelo Flávio, mas enfim… Ainda não caiu essa ficha dele, fazer o que”.
Nathália Queiroz reclamou para a madrasta que Fabrício segue falando “negócio de vaga”.
“Não consigo ter pena mais. Antes eu tinha. Agora não consigo, porque isso daí é toda hora que eu vejo, é ele falando de política, é ele falando negócio de vaga, é não sei mais o quê. No aniversário dele foi isso. Quando eu encontro com ele, toda vez é isso. Então, ele não sossega. Parece que não aprendeu”, disse.
Fabrício Queiroz, em outro áudio obtido, cita o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, a quem se refere como “Anjo”, e diz que foi traído.
“E todas as pessoas que eu falo, eu sempre falo: meu irmão, apaga! Escreveu, apaga! Eu sei com quem eu conversei esse assunto aí. Chateadão também por causa disso. Tu lembra do que eu falo: apaga, apaga, apaga. Aí deu nisso aí”.
“O ‘Anjo’, também, a primeira coisa que o ‘Anjo’ chegou pra mim e falou na minha cara foi: você foi traído, você foi traído ontem a noite”.
Fabrício Queiroz ficou foragido da PF depois das denúncias de corrupção no gabinete de Flávio Bolsonaro. Ele foi encontrado na casa de Wassef, em Atibaia, e foi preso.