O pedido de Lula para que fique solto, apesar de condenado duas vezes – pela 13ª Vara Criminal de Curitiba e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) – por corrupção passiva e lavagem, foi recusado por seis votos a cinco, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A jurisprudência do STF é a de que o cumprimento da pena, inclusive a prisão, é iniciada após o último julgamento sobre a culpa ou inocência do acusado – isto é, o julgamento pela segunda instância (no caso de Lula, o TRF-4).
OS VOTOS
Na quarta-feira, votaram contra a concessão da impunidade os ministros Luís Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Carmen Lúcia.
Votaram a favor da impunidade os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowsky, Marco Aurélio de Mello e Celso de Mello.
“Não é este o país que eu gostaria de deixar para os meus filhos: um paraíso para homicidas, estupradores e corruptos. Eu me recuso a participar, sem reagir, de um sistema de justiça que não funciona, salvo para prender menino pobre”, disse, no julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso.
Barroso lembrou que, entre 2009 e 2016, quando o STF considerou que o cumprimento da pena “inclusive a prisão” só poderia ser iniciada depois de esgotados todos os recursos, o país transformou-se numa terra assolada por esquemas corruptos:
“[Se aprovado o retorno à decisão de 2009] voltaremos ao modelo antigo, cheio de incentivos à corrupção. Havia esquemas profissionais de arrecadação e distribuição de dinheiro desviado mediante superfaturamento e outros esquemas. Tornou-se o modo natural de se fazerem negócios e de se fazer política no país, fruto de um pacto oligárquico celebrado entre parte da classe política, parte do empresariado e parte da burocracia para saquear o Estado brasileiro. Não havia uma sensação de impunidade. Era impunidade mesmo.
“A nova ordem que se está pretendendo criar atingiu pessoas que sempre se imaginaram imunes e impunes. Para combatê-la, uma enorme Operação Abafa foi deflagrada em várias frentes. Entre os representantes da Velha Ordem, há duas categorias bem visíveis: (1) a dos que não querem ser punidos pelos malfeitos cometidos ao longo de muitos anos; e (2) um lote pior, que é o dos que não querem ficar honestos nem daqui para frente.”
A volta ao procedimento de 2009 era, precisamente, o objetivo do pedido de Lula – como, aliás, deixou claro, logo no primeiro momento do julgamento de quarta-feira, Gilmar Mendes, apoiado pelos ministros Marco Aurélio de Mello e Ricardo Lewandowsky. Os três contestavam o voto do relator, ministro Fachin, para quem o julgamento do habeas corpus de Lula não poderia causar uma mudança na jurisprudência do STF sobre a execução da pena após a condenação em segunda instância.
Estava estabelecida, portanto, qual era a polêmica – se os ladrões do dinheiro público (e, por consequência, outros criminosos) deveriam ficar impunes ou deveriam ir para a cadeia.
Não por acaso, o principal defensor de Lula no STF foi Gilmar Mendes, o mesmo que, quando seu círculo (Temer, Aécio, Moreira Franco, etc.) não estava a caminho da cadeia, defendia que a prisão deveria ser após a segunda instância. Rapidamente, Mendes mudou de opinião.
O que estava em jogo na quarta-feira era, precisamente, se a Operação Lava Jato, e demais atividades contra as quadrilhas que instalaram no país o reino da propina e do superfaturamento, vão continuar – ou se vão acabar, com a impunidade dos saqueadores do dinheiro público.
Outras batalhas virão, mas a de quarta-feira foi ganha pelo povo, pelo país.
O voto do ministro Barroso foi uma síntese bastante precisa do que significava essa tentativa “materializada no pedido de Lula” da oligarquia política corrupta e suas organizações criminosas, especialmente o PT e o PMDB, de derrubar a jurisprudência do STF.
O maior sintoma foi o entusiasmo lulista com Gilmar Mendes, que veio de Portugal apenas para votar a favor da impunidade do réu – e, logo em seguida, voltou para Lisboa.
O pedido de Lula era um habeas corpus contra uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que recusara, por cinco votos a zero, outro pedido de habeas corpus para ele não ir para a cadeia.
Para se conceder um habeas corpus, é necessário que haja ilegalidade ou abuso de autoridade.
No entanto, o que o STJ fez foi apenas seguir a decisão do STF de que a execução da pena – no caso, a prisão – começa depois da condenação em segunda instância (no caso, o TRF-4). Como disse o relator do processo, Luís Edson Fachin: “Seria possível dizer que haveria ilegalidade ou abuso de poder num ato no qual é seguida a jurisprudência majoritariamente dominante no STF?”.
Gilmar Mendes eludiu essa questão – aliás, nem mesmo examinou o caso que estava sendo discutido. Além da ridícula canastrice habitual, em que propalou seu amor aos pobres (disse ele que libertou 22 mil pobres), defendeu a revisão da jurisprudência do STF sobre a prisão após a condenação em segunda instância, em suma, que o julgamento do habeas corpus de Lula servisse para conceder impunidade aos corruptos em geral – além de outros criminosos.
Segundo disse Mendes, votou antes a favor da posição atual do STF porque a prisão após a segunda instância era uma “possibilidade”, mas os tribunais a trataram como uma “obrigatoriedade”. Em suma, ele teria votado a favor da execução da pena após a segunda condenação porque não era para valer. Quando viu que era para valer, mudou de posição…
“Não estamos discutindo os pobres”, disse o ministro Luís Roberto Barroso. “Pelo contrário, criamos um país de ricos delinquentes, com um sistema penal que só pune quem ganha menos de cinco salários mínimos. Tem gente que muda de calçada quando vê um pobre, mas depois fica: “Ó, os pobres…’”.
O ministro Alexandre de Moraes, que falou após Gilmar Mendes, reafirmou a constatação do ministro Fachin:
“Não se trata da questão de, eventualmente, se essa Corte alterar seu posicionamento, se o novo posicionamento será conflitante com o posicionamento anterior do STJ. Se trata da questão de que, no momento em que o STJ negou o habeas corpus, não há nenhuma ilegalidade ou abuso de poder”.
RECURSO
A ministra Rosa Weber, o voto mais esperado do dia – já era conhecida a posição dos demais ministros – foi, também, contra a concessão do habeas corpus para Lula: “Não tenho como reputar ilegal, abusivo ou teratológico um acórdão [do STJ] que, forte nessa compreensão do STF, rejeita a ordem de habeas corpus, independentemente da minha posição pessoal quanto ao tema de fundo”.
O ministro Luís Fux destacou que, a rigor, nunca existe, em matéria criminal, uma situação em que não possa existir algum recurso. Por isso, “levadas às últimas consequências, essa regra [da execução da pena somente se iniciar depois de esgotados todos os recursos] só tem uma consequência: levar o judiciário a níveis absurdos de descrédito”.
Além disso, disse Fux, “o respeito à sua própria jurisprudência é dever do Judiciário, porquanto uma instituição que não se respeita não pode usufruir do respeito dos destinatários de suas decisões, que é a sociedade e o povo brasileiro”.
CARLOS LOPES