MAMEDE SAID*
A prisão de uma figura com a dimensão de Lula, como não poderia deixar de ser, mexe com todo o sistema político e com o quadro eleitoral que se descortina. Abala, em primeiro lugar, aos que o consideram o líder inconteste sobre o qual não podem pairar suspeitas nem desconfiança de qualquer espécie. Mas para os que acompanham sem paixão o desenrolar dos fatos, era inevitável concluir que esse momento haveria de chegar.
Há muita gente comprometida com os esquemas da corrupção sistêmica que não sofreu a corretiva devida. Mas, por conta da Lava Jato, já foram levados à prisão figurões como Eduardo Cunha, Sergio Cabral, Henrique Eduardo Alves e Geddel Vieira Lima, para citar alguns amigos do círculo íntimo de Michel Temer, além de agentes públicos e empresários de grande poder financeiro e influência. Mesmo não sendo a operação salvadora que vai acabar com os vícios arraigados nas engrenagens políticas e administrativas do país, a Lava Jato já fez muito em prol do saneamento da vida pública nacional. Sem ignorar a seletividade e as motivações políticas que caracterizaram algumas de suas ações, a Operação representa uma quebra de paradigmas na medida em que chegou a empreiteiros, diretores de estatais e políticos que nunca foram alcançados pela mão de um Judiciário que sempre foi pródigo em punir e encarcerar, muito antes das condenações em segunda instância, a população negra e pobre desprovida de defesa ou de orientação jurídica.
Outras investigações e operações ocorreram no passado sem que resultado algum tenha sido obtido. É o caso da Satiagraha, desencadeada em 2004, que resultou na prisão de políticos, doleiros, empresários e banqueiros (lembram de Daniel Dantas?), mas que foi anulada pelo STJ. Na mesma direção, a Operação Castelo de Areia investigou crimes financeiros e lavagem de dinheiro praticada por empreiteiros em conluio com políticos de diversos partidos, mas que, assim como a Satiagraha, foi também anulada pelo STJ em 2011. Uma operação que, como disse o jornalista Elio Gaspari, era “uma versão menor da Lava Jato”.
A corrupção não é o maior problema do Brasil, é verdade. Mas ela contribui enormemente para o sistema desigual e injusto que nos aprisiona, não importa se à frente do governo está o PSDB, o PT ou o PMDB. Com algumas doses de diferenciação, esses partidos governaram prestigiando os empreiteiros, banqueiros e ruralistas que sempre usaram o aparato estatal para se locupletar, bancando as campanhas milionárias para corromper, depois, todos aqueles que se mostraram domesticáveis. As mesmas alianças, os mesmos favores espúrios, os mesmos esquemas de corrupção e cooptação política que marcaram o “presidencialismo de coalizão” levado a cabo por gregos e troianos.
A condenação de Lula não vai acabar com a corrupção e a impunidade, como gostam de esbravejar os setores reacionários mais cínicos e insolentes. Mas para além de lamentar o viés seletivo do Judiciário, o PT e seus dirigentes deveriam fazer autocrítica (uma palavra tão cara à esquerda), reconhecendo que se deixaram enredar pelos esquemas dominantes que serviram a seus próprios interesses e aos dos aliados nada confiáveis dos quais se fizeram cercar. Afinal, tão lamentável quanto a prisão de um homem com a trajetória de Lula é o fato de ele e seus companheiros terem feito escolhas que respondem, em última instância, pelas agruras por que hoje passam.
*Mamed Said é professor adjunto de Direito na Universidade de Brasília (UnB)