Galpão da Cinemateca Brasileira é atingido por incêndio

Local possui diferentes tipos de produtos inflamáveis e teve a manutenção cancelada pelo governo Bolsonaro - Foto: Reprodução

Abandonada pelo governo Bolsonaro, Cinemateca possui maior acervo audiovisual da América Latina

O galpão da Cinemateca Brasileira, em São Paulo, sofreu um incêndio, no início da noite desta quinta-feira (29), que foi controlado pelos bombeiros por volta das 19h45, mas, até a última atualização desta reportagem, não tinha sido extinto.

O prédio que sofreu com o incêndio não é a sede principal da Cinemateca, onde fica o maior acervo audiovisual da América Latina. No endereço há um conjunto de galpões, de cerca de 6.356 m² de área construída, onde parte do acervo da Cinemateca Brasileira é armazenado. 

O galpão atingido, que fica na Vila Leopoldina, na zona oeste de São Paulo, abriga filmes de 35 mm e 16 mm, altamente inflamáveis. Lá ficavam as cópias para exibição, e não os filmes originais.

Um membro do corpo de bombeiros disse que o local tem “materiais combustíveis diferentes. Arquivos de filmes, que têm acetato altamente inflamável e todos os materiais que compõem a edificação”, disse Major Palumbo.

“O fogo controlado significa que o fogo está confinado. A erradicação está mais próxima. O incêndio só será apagando completamente quando parar de subir fumaça branca. Não temos nenhum ferido”, afirmou à GloboNews Robson da Silva Bertolotto, diretor da Defesa Civil de São Paulo.

A administração do órgão é de responsabilidade do governo federal, por meio da Secretaria Especial de Cultura, em Brasília. A Cinemateca tem sido sucateada e abandonada desde o primeiro dia do governo Bolsonaro.

A entidade está fechada desde agosto de 2020, quando os funcionários foram demitidos após o governo federal afastar a entidade gestora para indicar seus administradores.

Crime contra a Cultura

O Ministério Público Federal fez diversos alertas sobre o risco de incêndio na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, desde julho de 2020.

Em 15 de julho do ano passado, o MPF ajuizou ação civil contra a União devido aos impasses em torno da gestão da instituição. “Tal urgência é por demais agravada diante da comprovada aceleração da degradação do acervo e do perigo real de incêndio (seria o quinto incêndio na história da Cinemateca, ou seja, um evento bastante previsível)”, afirmava o documento.

“O MPF tem alertado a União e ao poder Judiciário federal desde 15 de julho do ano passado sobre o perigo incessante de incêndio. E ele hoje infelizmente se consumou”, afirma o procurador da República Gustavo Torres Soares, autor da ação civil pública sobre a Cinemateca.

Em audiência de conciliação realizada neste mês entre o MPF e representantes da Secretaria Especial da Cultura, o alerta foi novamente reforçado. “Pelo MPF, houve comentários sobre a visita realizada e sobre o fato de terem sido bem recebidos. Destacou, entretanto, o fato de risco de incêndio, principalmente em relação aos filmes de nitrato”, diz o termo da audiência.

“O processo judicial permanece até mesmo pela necessidade de preservação de material que ainda resta”, segue o procurador. Soares diz ainda que o MPF irá estudar melhor o incidente para avaliar os próximos passos a serem tomados.

Em abril deste ano, os funcionários lançaram um, lançaram um manifesto denunciando o abandono e alertando para o risco de um novo incêndio.

O manifesto alertava que “o risco de um novo incêndio é real. O acompanhamento técnico contínuo é a principal forma de prevenção”.

“O cumprimento da missão social da instituição é impossível na atual situação de abandono em que se encontra”, continua.

O governador de São Paulo, João Doria, qualificou como um “crime contra a cultura” o incêndio ocorrido na Cinemateca: “O incêndio na Cinemateca de São Paulo é um crime com a cultura do país. Desprezo pela arte e pela memória do Brasil dá nisso: a morte gradual da cultura nacional”, disse.

Os secretários de Cultura do Estado de São Paulo e da Cidade de São Paulo denunciaram o abandono do acervo pelo governo federal. Alê Youssef, lamentou o incêndio que atinge um depósito da Cinemateca Brasileira, na zona oeste de São Paulo, na noite desta quinta-feira (29). O município tenta, desde as primeiras denúncias de abandono do governo federal, assumir a gestão da Cinemateca, a fim de garantir a preservação do órgão.

“Precisamos aguardar a perícia do Corpo de Bombeiros, mas tudo leva a crer que trata-se da crônica de uma tragédia anunciada diante do desgoverno federal”, afirmou Alê Youssef, secretário municipal, ao jornal Folha de S. Paulo.

O secretário estadual da Cultura de SP, Sérgio Sá Leitão, diz que está acompanhando o caso com o comandante-geral do Corpo de Bombeiros de SP e o secretário de Segurança do estado. “Trata-se de uma importante instituição cultural que pertence ao governo federal e vem sendo negligenciada pelo governo Bolsonaro desde 2019. Lamentável”, disse Sá Leitão.

História em cinzas

A história da cinematografia brasileira vira cinzas com o incêndio no galpão que abriga parte do acervo da entidade.

A cinemateca é o mais importante órgão para a manutenção da memória do audiovisual brasileiro, responsável pela preservação de cerca de 245 mil rolos de filmes e 30 mil títulos, entre obras de ficção, documentários, cinejornais, filmes publicitários e registros familiares. Ela é conhecida por abrigar o maior acervo de imagens em movimento da América Latina. 

A entidade também dispõe de um patrimônio de cerca de 1 milhão de documentos relacionados à área do audiovisual, como livros, roteiros, periódicos, recortes de imprensa, documentos pessoais doados, cartazes, fotografias e desenhos, importantes para a contextualização histórica e preservação da memória da produção nacional.

A diretora-executiva da Sociedade Amigos da Cinemateca, Maria Dora Mourão, disse em entrevista à TV Globo que no galpão que pegou fogo hoje são armazenados documentos e filmes de longa e curta-metragem, um “acervo relevante”.

No incêndio de 2016 já haviam sido perdidos mais de 1000 rolos de gravação, o equivalente a 500 obras audiovisuais.

A instituição, que abriga produções dos estúdios de cinema Vera Cruz e Atlântida, já restaurou em laboratório filmes como o clássico “Macunaíma”, estrelado por Grande Otelo e baseado na obra de Mário de Andrade, “Os Fuzis”, de Ruy Guerra, e “Manhã Cinzenta”, de Olney.

Nas redes sociais, o clima é de tristeza e revolta pelo abandono da Cultura brasileira:

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