Marcelo Blanco e Roberto Dias prepararam encontro no Shopping onde foi pedida a propina de um dólar por dose da vacina
Áudios analisados pela CPI da Covid mostram que o ex-assessor do Departamento de Logística (DLOG) do Ministério da Saúde, Marcelo Blanco, o militar que participou, junto com Roberto Dias, do happy hour regado a chope, em um Shopping de Brasília, no dia 25 de fevereiro, onde, segundo o cabo da PM mineira, Luiz Paulo Dominghetti, foi pedida a propina de um dólar por dose de vacina, intermediou os contatos da Davati no Ministério da Saúde.
MENSAGENS COMPROMETEDORAS
No dia 3 de março, Blanco enviou mensagem de áudio a Cristiano Carvalho pela qual deu orientações sobre como falar com Roberto Dias. Blanco havia sido exonerado em 19 de janeiro, mas participou do encontro em fevereiro com Dias e Dominghetti, que se dizia representante da Davati.
“Então, me faz uma gentileza, faz em nome do Roberto e manda naquele e-mail dele, do Roberto, né, e do DLOG. São dois e-mails que eu passei para o Dominghetti. Dele, Roberto, institucional, e do próprio departamento institucional. Entendeu?”, orientou Blanco, numa referência ao policial militar Luiz Paulo Dominghetti, que também se apresentou como representante da Davati.
O segundo áudio também menciona Dominghetti. “Cristiano, só uma dúvida aqui. A representação não ia se dar por intermédio do Dominguetti? Ou eu entendi errado? É, porque aí no caso é você representando, né? Nessa carta, né?”
Dominguetti efetivamente tinha sido encarregado informalmente por Cristiano Carvalho para conduzir as tratativas em Brasília. Dominguetti era delegado de Cristiano e escondia sua condição de polical militar da ativa de Minas Gerais.
Foi Marcelo Blanco quem teria levado Dominghetti ao local do encontro e estava à mesa quando o pedido de pagamento de propina foi feito. Três dias antes do encontro, Blanco abriu a Valorem Consultoria em Gestão Empresarial, representante comercial de medicamentos e insumos, que também atuaria na área de consultoria empresarial.
ENCONTRO CASUAL NO SHOPPING
No depoimento à CPI, Roberto Dias, tentou caracterizar o encontro no shopping como casual, mas uma mensagem no telefone de Dominguetti o desmentiu ainda durante a sessão, o que acabou acarretando a sua prisão. A CPI da Covid quer aprofundar as investigações sobre a relação entre Roberto Dias e Blanco. Já há um requerimento aprovado do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) para ouvir Marcelo Blanco.
Roberto Dias afirmou à CPI que apenas conversava com o então colega de trabalho, Marcelo Blanco. “Foi meu assessor, foi meu diretor substituto. Era uma indicação do general (Eduardo) Pazuello e, eventualmente, eu conversava com o coronel Blanco.” Blanco, por outro lado, disse que tinha uma relação “muito amistosa” com Dias, “como tinha com todo mundo”.
Esta “relação amistosa” entre os dois explica o encontro num final de tarde para um chope. Só não explica porque o encontro agregou alguém que estava oferecendo vacinas ao ministério. Dias tentou caracterizar tudo como uma grande coincidência. Estava “tomando chope com um amigo” e, de repente, do nada, apareceu um vendedor de vacinas, explicou Roberto Dias.
Ao sentarem à mesa, prosseguiu o diretor de logística do Ministério da Saúde, “houve a apresentação e a pessoa que apareceu do nada se identificou como uma pessoa que trabalhava com empresas de, com empresa de vacina, com venda de vacina, com venda e fez menção a uma oferta de quatrocentas milhões de doses da vacina Astrazeneca”. A CPI considerou a versão de Dias como um escárnio e um desrespeito aos senadores e ao país.
A conversa sobre a propina não interrompeu as tratativas iniciadas no shopping. No dia seguinte, às 15 horas, Dominguetti foi chamado para uma reunião no Ministério da Saúde. Ali, segundo o militar, ele foi cobrado mais uma vez sobre a propina.
No depoimento à CPI, em 15 de julho, Cristiano Carvalho disse que, logo após o jantar que Dominghetti teve com Blanco e com Dias, “me foi reportado que tinha um pedido de ‘comissionamento extra’ (propina) para a o grupo do Blanco”. De acordo com ele, Blanco o procurou pela primeira vez em 1.º de março e disse que gostaria de fazer uma call com ele e Dias. “Aparentemente, o Roberto Dias havia indicado Marcelo Blanco para negociar comigo, porque ele falava em nome do Roberto Dias o tempo todo”, afirmou Carvalho.
DIAS PRESSIONOU LUIS RICARDO MIRANDA
Em outra frente da roubalheira, Roberto Ferreira Dias também participou das pressões sobre o servidor Luís Ricardo Miranda, diretor de importações do ministério, para a compra ilegal da Covaxin. Ele foi denunciado pelo servidor e por seu irmão, que é deputado, à CPI. Segundo Dias, a acusação da pressão sobre ele se deu em uma mensagem que enviou a Luís Ricardo – que, segundo o servidor, seria uma exigência para a aquisição das doses de Covaxin. Dias inventou que tal mensagem pressionando a compra ilegal da Covaxin referia-se a outras vacinas. A história não colou.
Em seu depoimento à Polícia Federal, na quinta-feira (29), o ex-ministro Eduardo Pazuello tentou blindar Jair Bolsonaro e acabou confirmando que houve prevaricação do presidente no caso da Covaxin. Ele havia recebido a denúncia do servidor do ministério, Luis Ricardo, e de seu irmão, deputado Luis Miranda (DEM-DF), e, apesar de prometer levar os documentos à PF, não tomou nenhuma providência legal.
Depois das suspeitas serem divulgadas na CPI, a Polícia Federal abriu um inquérito para apurar se o presidente prevaricou. Pazuello inventou uma narrativa pela qual teria havido uma determinação informal, tentando descaracterizar a prevaricação presidencial, mas, ao confirmar que houve a denúncia, acabou confirmando o crime..
“QUE o Presidente da República, pessoalmente, no Palácio do Planalto, solicitou ao declarante que averiguasse se estava ocorrendo alguma irregularidade com o contrato de aquisição da vacina Covaxin; QUE recebeu esse pedido pessoalmente, e de maneira verbal; QUE não se recorda se este pedido do Presidente da República foi feito no dia 22 ou no dia 23/03/2021; QUE não sabe se solicitou no dia 22 ou 23/03/2021, solicitou ao ex-Secretário Executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, que verificasse o contrato;”, diz um trecho do depoimento de Pazuello.
BHARAT DENUNCIOU QUE PRECISA FRAUDOU DOCUMENTOS
No caso da Covaxin, a CPI já suspeitava das negociações entre o Ministério da Saúde e a Precisa, apontando que as tratativas com a empresa intermediária eram muito mais céleres do que com laboratórios, como a Pfizer. Documentos obtidos pela comissão mostraram que houve um esforço significativo do governo em relação ao imunizante em comparação a outros que estavam mais avançados do ponto de vista do aval regulatório. Bolsonaro chegou a se comunicar pessoalmente com o primeiro-ministro indiano para interceder pelo negócio com a Precisa.
O servidor Luis Ricardo Miranda, diretor de importações do ministério, denunciou que estava recebendo pressões atípicas para aprovar a importação de vacinas da Índia. Através da contrato com a empresa Precisa, a pressão visava o pagamento antecipado de US$ 45 milhões que seriam depositados em nome de uma outra empresa sediada em um paraíso fiscal. Ele não assinou o documento. Após informar a irregularidade ao presidente e constatar que nenhuma providência foi tomada, o servidor encaminhou a denúncia ao Ministério Público e à CPI.
A empresa indiana Bharat Biotech denunciou que a Precisa, a empresa intermediária que já tinha dado um golpe de R$ 20 milhões no Ministério da Saúde, fraudou documentos e anunciou o rompimento do contrato de representação. A Precisa, era, na verdade, do mesmo grupo da Global, uma arapuca que vendeu medicações de alto custo ao ministério no valor de R$ 20 milhões, recebeu adiantado e não entregou o produto. Agora, ela tinha o mesmo modus operandi. Só não conseguiu dar o golpe do pagamento adiantado porque o servidor denunciou e impediu o roubo.