Quem usou o material, como se oficial do TCU fosse, foi o presidente da República, Jair Bolsonaro. Depois do erro, corrigiu, mas continuou divulgando os dados que escondiam o real número de mortes por Covid como se verdadeiros fossem
Questionado pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), sobre o uso indevido dos dados compilados, Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques repetiu o que havia dito em interrogatório do próprio TCU (Tribunal de Contas da União), de que houve uso indevido do arquivo.
“Sim, no sentido de se atribuir ao TCU um arquivo de duas páginas, não conclusivo, e que não era um documento oficial do tribunal”, disse à CPI Alexandre Marques.
A CPI da Covid-19 ouviu, nesta terça-feira (17), o auditor do TCU, Alexandre Marques. Ele foi acusado de ter elaborado “estudo paralelo”, no qual afirmara que metades das mortes por Covid-19 registradas oficialmente não teriam ocorrido, mas contestou a informação e disse que os dados compilados por ele foram apresentados de maneira adulterada.
Ele também voltou a afirmar que as falsificações no arquivo foram feitas depois que o pai dele enviou o arquivo, em formato Word, para o presidente Jair Bolsonaro, mas disse não ter como presumir quem seria o responsável pelas modificações.
“Não tenho como responder isso porque a partir do momento que o arquivo cai na mão de outras pessoas, tudo viraliza, é compartilhado rapidamente. Não tem como eu presumir a autoria de ninguém”, respondeu.
Ele também voltou a dizer que ficou indignado com o fato de Bolsonaro ter usado os dados em interação com apoiadores. “Minha indignação foi pelo fato disso ter sido atribuído ao TCU um documento que não era oficial. Vincular o nome do tribunal a isso achei irresponsável. Não houve determinação para elaborar esse documento. Nós temos nossa competência de prospecção.”
ENTENDA O CASO
Em 7 de junho, o presidente Jair Bolsonaro disse, para apoiadores, que um suposto estudo do TCU mostrava que metade das mortes por Covid-19 no ano passado não foram causadas pela doença: “Primeira mão para vocês. Não é meu, é do tal do Tribunal de Contas da União, questionando o número de óbitos no ano passado por Covid. O relatório final não é conclusivo, mas em torno de 50% dos óbitos por Covid no ano passado não foram por Covid, segundo o Tribunal de Contas da União.”
Bolsonaristas chegaram a divulgar nas redes sociais documento com timbre do tribunal com os dados.
No mesmo dia, o TCU esclareceu que não havia informações em relatórios do tribunal que apontassem a afirmação do presidente Bolsonaro e reforçou que não era o autor do documento.
O TCU acrescentou, ainda, que o documento citado por Bolsonaro era análise pessoal feita pelo servidor Alexandre Marques, afastado das funções para responder a processo administrativo e disciplinar.
Poucas horas depois, Bolsonaro admitiu que errou ao atribuir o relatório ao TCU. Mas insistiu, sem apresentar provas, que há supernotificação das mortes. Acusou Estados de aumentarem os dados de óbitos em busca de mais dinheiro.
O servidor Alexandre Marques foi ouvido no processo aberto pelo tribunal. Ele disse que em 6 de junho conversava com o pai sobre as mortes por Covid-19, quando enviou a ele, por mensagem, breve levantamento sobre o caso. O próprio Alexandre disse que se tratava de simples arrazoado, rascunho.
O pai dele, o coronel da reserva Ricardo Silva Marques, foi colega de turma de Bolsonaro na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras). Por indicação do presidente, o coronel assumiu uma gerência na Petrobrás.
Antes de enviar o arquivo para o pai, Alexandre Marques postou para colegas do TCU em 31 de maio o rascunho sobre os óbitos da Covid. As considerações dele foram descartadas pelos outros auditores por falta de consistência. Durante o depoimento de Alexandre Marques à comissão de sindicância do TCU, o presidente da investigação, Márcio André Santos de Albuquerque, pediu que ele comentasse as diferenças entre o rascunho e o documento que o governo Bolsonaro tornou público.
“No meu arquivo, o que eu preparei, não tinha qualquer menção ao Tribunal de Contas da União. Não tinha cabeçalho, não tinha identidade visual, data, assinatura, não tinha destaques grifados com marca texto, não tinha nada disso. Ou seja, depois que saiu da esfera privada, particular, dei para o meu pai, e ele acabou repassando. Como era um arquivo em Word, ele [este] poderia ser editado por qualquer pessoa”, disse.
M. V.