A aprovação do generoso programa de refinanciamento de dívidas (Refis) pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal beneficiou especialmente os parlamentares que o aprovaram. A adesão às regras – criadas por eles próprios – beneficiou 73 deputados e senadores e chegou a abater 95% das dívidas de alguns dos políticos-empresários, conforme compilação de dados da Procuradoria-Geral da Fazenda feita pelo jornal Valor Econômico.
Enquanto o povo é onerado com uma carga tributária altíssima e ameaçado pelo governo com uma brutal reforma da previdência, milionários e sonegadores são beneficiados com perdões de dívidas, anistias de multas e condições bondosas de parcelamentos de débitos com a Receita. Os 73 parlamentares em questão deviam juntos mais de R$ 217 milhões à União. Após a adesão ao Refis, suas dívidas passaram para apenas a metade: R$ 108 milhões parcelados em condições extraordinárias.
Presidente da Companhia Siderúrgica Pitangui, diretor da Rio Rancho Agropecuária e, não por acaso, relator do Refis na Câmara, o deputado Newton Cardoso Júnior (MDB-MG) pagará no fim das contas apenas 8% dos R$ 12,4 milhões devidos. Ele usou créditos tributários para reduzir sua dívida para apenas R$ 972 mil – que ainda serão parcelados em 34 vezes.
A Limeira Agropecuária, empresa da família do senador mineiro Zezé Perrella (MDB), conhecida pelo carregamento de 445 kg de cocaína em 2013, teve sua dívida e de um grupo de frigoríficos afiliados reduzida em 83% (mais de R$ 38 milhões) após a adesão ao Refis. O grupo familiar de Perrella é acusado por sonegação fiscal pela Receita. O ex-assessor de Perrella Mendherson Souza Lima foi filmado conduzindo os R$ 500 mil dos dois milhões acertados pelo senador Aécio Neves com Joelsey Batista, dono do frigorífico JBS.
Percentualmente, a maior anistia foi concedida à Galileo Indústria e Comércio, da qual o deputado baiano João Gualberto (PSDB) é dono. Neste caso, a procuradoria da Fazenda cobrava R$ 5,2 milhões, reduzidos a R$ 259 mil (95% de abatimento). Gualberto também fez parte da comissão que discutiu a Medida Provisória que aprovou as novas regras do Refis e defendeu vigorosamente a sua aprovação. Mas jura que não o fez por interesses particulares.
Com a adesão ao Refis e ao Funrural (programa de refinanciamento de débitos com a previdência de trabalhadores rurais), a JBS-Friboi – companhia da qual o ministro da Fazenda Henrique Meirelles foi presidente do Conselho de 2012 a 2016 – será uma das grandes beneficiadas. A empresa símbolo de corrupção, pega em conluio com Temer, negociou cerca de R$ 4,2 bilhões devidos em INSS, PIS, Cofins, Imposto de Renda e CSLL e obteve anistia total dos encargos legais, de 80% dos juros e de 50% das multas que incidem sobre as dívidas.
Michel Temer, que apresentou ao Congresso uma versão menos generosa do Refis acabou apoiando as mudanças feitas pelos parlamentares durante a discussão da proposta e usou a aprovação como moeda de troca para se livrar das denúncias por corrupção e formação de quadrilha. A versão final, que a tantos parlamentares sonegadores beneficiou, permite o abatimento de 90% dos juros e 70% das multas, isenção de encargos, entrada reduzida e parcelamento estendido.