“O Brasil atravessa a mais prolongada e mais profunda crise de sua história contemporânea. Ela tem várias dimensões e a fundamental é a econômica. Nós vivemos, nos últimos quatro anos, uma recessão prolongada. Todo mudo fala que houve recessão em 2015 e 2106. A minha interpretação, baseada nos dados do IBGE, é que a recessão teve início em abril de 2014 e se mantém até hoje”, afirmou o economista Nilson Araújo de Souza, em entrevista à Rádio Independência.
De acordo com o economista, “os temeristas dizem que a economia voltou a crescer, mas não é verdade. O setor fundamental da economia, que é a indústria, não cresceu nada. O setor de serviços também não. Na média, houve um crescimento de 1% em 2017 puxado pela agropecuária, que teve um ano bom de produção agrícola, mas a economia como um todo não cresceu. Nos dois primeiros meses deste ano, a economia também não está crescendo”.
Para Nilson, a dimensão social da crise econômica se expressa no desemprego em massa: “Quando iniciou essa crise, a quantidade de desempregados no país era de seis milhões de trabalhadores. Nós chegamos no início deste ano a 13 milhões de desempregados. Ou seja, mais que dobrou”.
Sobre a crise política, ele destacou primeiramente “a convergência do PT à visão e à prática do PSDB”. Entre os aspectos dessa convergência, segundo Nilson, foi a resposta que o governo Dilma deu às grandes manifestações de 2013, interpretadas pelo PT como manifestações da direita contra o governo. “Não foi nada disso. Eram manifestações populares, com bastante jovens da periferia, que estavam revelando uma indignação com a situação do país”.
“A primeira resposta do governo foi demagógica. Os cinco pontos que a Dilma anunciou em reunião com governadores não saíram do papel e não tinham nada a ver com as demandas que estavam colocadas naquele momento. A segunda, foi o agravamento da política que vinha engendrando essa insatisfação popular. Aumentou a taxa de juros e a economia foi degringolando até entrar em recessão”, observou.
Para o economista, o pico da ação do governo foi o estelionato eleitoral, quando Dilma anunciou na campanha presidencial em 2014 que iria enfrentar os juros altos, a crise econômica e os problemas sociais: “Nem bem acabou a eleição, baixou um pacote ao contrário do que havia falado na campanha, o que aumentou a identificação do PT com que o PSDB havia feito antes. O próprio Lula reconheceu isso”.
Nilson frisou que a crise política tem outra dimensão, a crise ético-moral. “Tornou-se público, pelas investigações do Ministério Público e da Polícia Federal, na Operação Lava Jato, um esquema liderado pelo PT – que envolvia os partidos da base aliada, principalmente o PMDB, e da oposição, como o PSDB, haja vista o episódio do Aécio Neves – em conúbio com um cartel das empreiteiras, com o objetivo de assaltar o patrimônio público. Já está bem evidente o caso da Petrobrás, mas tudo indica que não foi só a Petrobrás que foi vítima desse assalto”, frisou.
Para ele, a corrupção agrava a crise política porque “gera uma situação em que o povo já não se sente representado naqueles que elegeram para o Congresso e ao Executivo. Isso dá margem a mudanças profundas na sociedade brasileira”.
O economista sublinhou que a crise iniciada em 2014 “é o desdobramento e o aprofundamento de uma crise mais geral de longa duração, uma crise estrutural, que teve seus primeiros sintomas na segunda metade dos anos 1970 e se manifestou de maneira mais evidente a partir de 1981. De lá para cá, a evolução do PIB se deu a uma taxa média anual de 2%. A população cresceu 1,7% ao ano. Isso significa que a produção per capta (por habitante) estagnou”.
A causa básica da crise brasileira, conforme Nilson, é o esgotamento do capitalismo dependente, que se manifesta de várias formas: “Em primeiro lugar, com a transferência para o exterior das decisões fundamentais para a economia. Manifesta-se na drenagem de recursos para o exterior, na remuneração do capital estrangeiro que aqui se instalou e dos empréstimos que foram tomados durante esse período. Também tem a ver com a inserção do Brasil no mundo como exportador de produtos primários, de baixo valor agregado, e importador de produtos de alto valor agregado”.
“A crise tem origem lá atrás e só não foi resolvida porque a cada governo que passava, após o Figueiredo [1979-1985], foram adotadas medidas que agravavam a dependência, a desnacionalização do mercado interno, a situação de vida do povo. E o PT, que havia se formado na oposição, continuou com esse modelo”, acrescentou Nilson.
Ele lembrou que o Brasil já teve um longo período de crescimento a partir do governo Getúlio Vargas, que criou o Estado nacional, promoveu a industrialização sob controle nacional, alavancada pelo Estado e voltada para o mercado interno, e patrocinou a criação da legislação trabalhista, uma das mais avançadas do mundo na época.
“O momento culminante desse processo foi na década de 1960 quando o herdeiro político de Getúlio, João Goulart, lançou as chamadas Reformas de Base, que eram um total de oito reformas, no famoso comício de 13 de março de 1964, na Central do Brasil. Vamos destacar duas. A limitação de remessa de lucro pelo capital estrangeiro e a reforma agrária. A proposta de reforma agrária arranjava condições de vida para 10 milhões de trabalhadores, atingindo cerca de 40 milhões de pessoas. Além disso, iria gerar mercado interno para a indústria.
Concluindo, Nilson apresentou propostas para a retomada do desenvolvimento econômico: “Levando-se em consideração a situação atual, a primeira coisa a fazer é romper com a dominação econômica que é realizada a partir das metrópoles imperialistas. O que significa adotar medidas que limitem a drenagem de recursos para o exterior. Medidas que acabem com o rentismo parasitário. Em período recente, o governo tem pago cerca de R$ 400 bilhões anuais em juros da dívida pública. Esse recurso tem de ser direcionado para a produção. É preciso combater o monopólio que vive de sobrepreço e se locupleta com superlucros. Usar a renda do petróleo, a renda da mineração e da agricultura para o investimento produtivo. Fortalecer o mercado interno com a melhoria do poder de compra do trabalhador”.