CPI da Covid-19 no Senado quer apurar relação de Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, e mãe de Jair Renan, com lobista ouvido nesta quarta-feira (15) pela comissão. Ele enviava à ex-mulher do presidente currículos de pessoas para ocupar cargos no governo
A CPI aprovou, nesta quarta-feira (15), a convocação de Ana Cristina Valle, ex-mulher de Jair Bolsonaro e mãe de um dos filhos do presidente, Jair Renan Bolsonaro, o “Zero 4”.
A decisão foi tomada na reunião que ouviu o depoimento do lobista Marconny Albernaz de Faria, que atuou para a Precisa Medicamentos em tratativas para a venda de 12 milhões testes de Covid-19 ao Ministério de Saúde, que não chegou a ser formalizada.
Os senadores pretendem apurar qual é a relação entre Marconny e Ana Cristina. A comissão tem mensagens entre ambos mostrando que o lobista encaminhava à ex-mulher do presidente currículos de pessoas para serem indicadas a cargos no governo.
“ALINHADO COM OS NOSSOS VALORES”
Uma dessa pessoas sugeridas por Marconny a Ana Cristina foi Leonardo Cardoso de Magalhães, para o cargo de defensor público-geral da União.
A ex-mulher de Bolsonaro depois enviou e-mail ao então ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, recomendando Magalhães ao cargo e afirmando que ele era um “candidato alinhado com os nossos valores, técnico e apoiador do Jair”.
Durante o depoimento, Marconny admitiu que conhece Ana Cristina, mas se manteve calado quando questionado sobre o encaminhamento de currículos. Apenas o senador Marcos Rogério (DEM-RO), que defende o governo Bolsonaro, foi contra a convocação dela para depor à CPI.
AMIGO DE JAIR RENAN
Aos senadores, Marconny confirmou também ser amigo de Jair Renan, e que ajudou o filho do presidente a abrir a empresa dele. Ele disse ter conhecido Jair Renan há cerca de dois anos, por meio de amigos em comum, e que ao saber que ele queria abrir “uma empresa de influencer” o apresentou a uma advogado tributarista que poderia o ajudar.
Marconny reconheceu ainda que comemorou o aniversário dele em camarote no estádio Mané Garrincha, em Brasília, que pertence a Jair Renan.
Segundo troca de mensagens entre os dois revelada pelo jornal Folha de S.Paulo, Marconny escreveu para Jair Renan: “Bora resolver as questões dos seus contratos!! Se preocupe com isso. Como te falei, eu e o William estamos à sua disposição para te ajudar”. O filho do presidente, então, respondeu: “Show irmão. Eu vou organizar com Allan a gente se encontrar e organizar tudo.”
O lobista também disse ter relação de amizade com Karina Kufa, advogada de Bolsonaro.
RELAÇÃO COM A PRECISA
Um dos focos do depoimento de Marconny foi a atuação dele para a Precisa Medicamentos em tentativa de venda de testes para detecção de Covid-19 ao Ministério da Saúde.
Os senadores suspeitam que ele teria desenvolvido método para tentar formalizar a venda ao governo dos testes por meio de fraude, em conluio com ex-funcionários da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do Ministério da Saúde.
A empresa também está no alvo da CPI por ter fechado a venda de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin ao governo, no valor de R$ 1,6 bilhão, mas nenhuma dose chegou ao País, devido às dificuldades de aprovação e outros problemas. A compra foi cancelada posteriormente pelas denúncias de irregularidades.
TRATATIVAS COM A PRECISA
Marconny afirmou aos senadores que a atuação profissional dele envolve a elaboração de “pareceres e estudos de viabilidade política e análise de cenário técnico-político”, e que manteve tratativas com a Precisa por cerca de 30 dias, sem contrato formal, no caso da negociação dos testes de Covid-19, mas que não participou da preparação e apresentação das propostas da empresa ao governo. Ele disse ter se reunido duas vezes com Francisco Maximiano, dono da empresa.
“No início da pandemia, fui sondado para assessorar politicamente e tecnicamente a Precisa em concorrência pública que já estava em andamento perante o Ministério da Saúde e que tinha como objetivo a aquisição de testes rápidos para detecção do Covid-19. Como a concorrência já estava em andamento, não participei da análise do edital, habilitação ou apresentação de proposta da Precisa”, afirmou.
“O Ministério da Saúde cancelou essa concorrência em andamento e decidiu pela utilização de outros meios de testagem da população. Tendo aí terminado toda e qualquer participação no assunto, ou seja, tudo isso não passou de uma conversa de WhatsApp que durou aproximadamente 30 dias”, disse. Ele afirmou que não atuou com a Precisa na venda da vacina indiana Covaxin.
O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou ter informações de que Marconny teria atuado para fraudar a licitação da compra dos testes em associação com Maximiano e Roberto Dias, ex-diretor de logística do Ministério da Saúde, ambos investigados pela CPI.
RECUSA EM IDENTIFICAR SENADOR
Em um dos momentos críticos do depoimento desta quarta-feira, Marconny foi confrontado a respeito de mensagem que ele havia enviado a Ricardo Santana, ex-funcionário da Anvisa, obtida por meio da quebra de sigilo dele em outra investigação e compartilhada com a CPI pelo Ministério Público Federal.
Na mensagem, Marconny escreveu a Santana que estava em contato com um senador que poderia “desatar o nó” da venda de testes para detectar Covid-19 ao Ministério da Saúde.
Indagado pelos integrantes da CPI, o lobista “desmemoriado” disse “não se lembrar” quem seria o senador mencionado na mensagem e que não conhecia nenhum senador. O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da comissão, reagiu dizendo que Marconny estava “faltando com a verdade”.
Em outra mensagem, Marconny escrevera a Santana que existiria “arquitetura ideal para o processo dos kits prosseguir” e fazia referência a “Bob ou sucessor”, no que alguns senadores interpretaram como referência a Dias.
A CPI aprovou requerimento para que a Polícia Legislativa do Senado forneça dados sobre eventuais visitas de Marconny ao Senado, indicando para qual gabinete ele se deslocou.
Para os senadores, o depoimento de Marconny foi considerado o mais “cínico” já dado à CPI. Isso levou o relator Renan Calheiros (MDB-AL) a mudar a condição de Marconny de testemunha para investigado.
EX-ATIVISTA DO VEM PRA RUA
Antes de atuar como lobista, Marconny foi ativista do grupo Vem Pra Rua durante as movimentações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016.
Questionado durante a CPI, ele disse que à época defendia, além da queda da petista, a moralidade, o combate à corrupção e pautas sobre a “família”.
Ele disse também que foi filiado por seis meses ao Patriota, mesmo partido do senador Flávio Bolsonaro (RJ), filho “Zero 1”, do presidente da República.
M. V.