Coronavírus é a maior causa de mortes naturais entre os jovens de 10 a 19 anos no Brasil. Mas para o governo Bolsonaro, a Covid-19 demonstra evolução “benigna” em jovens
O ministro da Saúde do governo Bolsonaro, Marcelo Queiroga, suspendeu para todo o país a recomendação para vacinação de adolescentes, entre 12 e 17 anos sem comorbidades. O comunicado foi publicado na noite de quarta-feira (15), no mesmo dia que o ministro disse haver “excesso de vacina no Brasil”, ignorando a necessidade de ampliar a imunização contra a Covid-19.
O governo Bolsonaro enviou uma “nota técnica” às secretarias de Saúde em que afirma “revisou” a recomendação e justifica que a maioria dos adolescentes sem comorbidades acometidos pela Covid-19 demonstra evolução “benigna”, apresentando-se assintomáticos.
A nota foi publicada no sistema do Ministério da Saúde às 21h30 de quarta-feira (15), ou seja, menos de 24 horas após o início formal da campanha para esse público. Entretanto, 21 estados já haviam iniciado a imunização dos adolescentes com o imunizante da Pfizer, o único que foi autorizado pela Anvisa para as idades de 12 até 18 anos.
A suspensão da vacinação de adolescentes contra a Covid-19 não passou sequer pelas equipes de especialistas do Programa Nacional de Imunização e da Câmara Técnica do Ministério da Saúde. Os conselhos de secretários de saúde estaduais e municipais também não foram consultados.
“Não fomos informados, nem consultados dessa decisão. Não entendo e não vejo clareza em suspender a vacinação”, disse um dos membros da câmara técnica que pediu para não ser identificado, segundo colunista de ‘O Globo’, Malu Gaspar.
O motivo para suspender a imunização também não está claro. Em coletiva na tarde de hoje, Queiroga chegou a afirmar ter havido a morte de um adolescente em São Bernardo do Campo em decorrência da vacina. O governo paulista, no entanto, refuta a fala do ministério e diz não haver comprovação de ligação entre o óbito e a imunização. “É irresponsável a disseminação de qualquer informação que traga medo e insegurança aos adolescentes e familiares. Até o momento, não há comprovação de relação da vacina ao óbito de um jovem de São Bernardo do Campo”, afirmou a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo em nota.
No documento, o Ministério alega seguir uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), de que a vacinação desse grupo seja feita somente nos que apresentem deficiência permanente, comorbidades ou que estejam privados de liberdade, apesar da autorização pela Anvisa do uso da vacina da Pfizer.
A nota, entretanto, usa de forma equivocada uma orientação da OMS. Em julho, quando foi anunciada a recomendação do uso de Pfizer para menores de 16 anos, a organização apenas sugeriu que os países priorizassem a população de risco no atual momento da pandemia. A orientação é pautada em um possível compartilhamento de vacinas entre países, de forma a ampliar a imunização mundial.
Apesar de não representarem o maior volume de hospitalizações e de casos graves desde o início da pandemia, crianças e adolescentes respondem por 2,5% das internações e 0,34% das mortes até agora, segundo projeções do presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Renato Kfouri.
De acordo com a estimativa de Kfouri, foram mais de 520 mil internações e cerca de 2 mil mortes. O coronavírus é a maior causa de mortes naturais (onde se exclui casos de violência e acidentes) entre os jovens de 10 a 19 anos. Mas para o governo Bolsonaro, a Covid-19 demonstra evolução “benigna” em jovens.
Vacinação continuará sendo realizada
O Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) defende a imunização desse público. “A vacinação de todos os adolescentes é segura e será necessária, priorizando neste momento aqueles com comorbidade, deficiência permanente e vulneráveis, como os privados de liberdade e em situação de rua. Havendo quantitativo de doses suficientes para atender a estas prioridades, deve imediatamente ser iniciada a vacinação dos demais adolescentes”, informa, em nota.
O Espírito Santo e São Paulo decidiram manter a vacinação de adolescentes sem comorbidades, mesmo após a decisão do Ministério da Saúde. Natal (RN) e Salvador (BA) suspenderam a aplicação nesse público.
O governador paulista, João Doria, considera que a “decisão do Ministro da Saúde causa apreensão e insegurança em milhões de adolescentes e suas famílias. SP está ao lado de pais e mães que querem ver seus filhos imunizados.”
Ele destaca ainda que 72% desse público já tomou a primeira dose da vacina.
Segundo o secretário municipal da Saúde de São Paulo, Edson Aparecido, até esta quarta-feira (15), o município já tinha vacinado 85% desse grupo.
Ainda de acordo com o secretário, há vacina em estoque para completar a proteção com primeira dose pelo menos dos adolescentes.
O governo do Estado de São Paulo lamentou a postura do Ministério da Saúde e disse que a mudança só gera confusão na população.
“A vacinação nessa faixa etária já é realizada nos EUA, Chile, Canadá, Israel, França, Itália, dentre outras nações. A medida cria insegurança e causa apreensão em milhões de adolescentes e famílias que esperam ver os seus filhos imunizados, além de professores que convivem com eles.”
O texto afirma ainda que não irá alterar o cronograma do Programa Estadual de Imunização. A secretaria estadual da Saúde orientou os municípios a seguirem vacinando os adolescentes sem comorbidades.
“Coibir a vacinação integral dos jovens de 12 a 17 anos é menosprezar o impacto da pandemia na vida deste público. Três a cada dez adolescentes que morreram com COVID-19 não tinham comorbidades em São Paulo. Este grupo responde ainda por 6,5% dos casos e, assim como os adultos, está em fase de retomada do cotidiano, com retorno às aulas e atividades socioculturais”
“Infelizmente, e mais uma vez, as diretrizes do Programa Nacional de Imunização do Ministério da Saúde chegaram com atraso e descompassadas com a realidade dos estados, que em sua maioria já estão com a vacinação em curso.”
O secretário de Estado da Saúde do Espírito Santo, Nésio Fernandes, declarou que as vacinas continuarão a ser aplicadas nos jovens entre 12 e 17 anos. Algumas cidades capixabas já começaram a vacinar os adolescentes.
Fernandes diz que a nota do Ministério da Saúde “é vaga e não é explícita: não suspende, nem contraindica a vacinação de adolescentes”. Também acrescenta que a Anvisa é a única com competência para definir a autorização ou não do uso de vacinas. “Até nova posição da Anvisa, a vacinação dos adolescentes está mantida no Espírito Santo”.
Nésio Fernandes relembrou que as vacinas da Pfizer estão autorizadas para uso em adolescentes de 12 a 17 anos, por isso, em algumas localidades, elas já estavam sendo aplicadas. “Estados e municípios receberam quantitativos assimétricos de vacinas ao longo do ano, o que permitiu que alguns pudessem avançar nos grupos já definidos no PNI/MS, entre eles os adolescentes”, destacou.
Excesso de vacina
Enquanto exclui brasileiros da vacinação contra covid-19, Queiroga diz que há excesso de vacina no país, mesmo com estados reclamando falta de doses, inclusive para adultos.
Queiroga alega que “há excesso de vacina na realidade, o Brasil já distribuiu 260 milhões de doses, 210 milhões já aplicadas”, disse o ministro, no Aeroporto Internacional de Guarulhos quando comemorou a logística de distribuição de imunizantes contra a Covid-19 feita pelo governo federal.
Queiroga defendeu que a campanha de vacinação no Brasil é um “sucesso” e que a reclamação por falta de doses é “narrativa”.
Porém, estados e municípios vêm relatando a falta de doses da AstraZeneca para a segunda dose e assim completar o esquema vacinal da população. Por causa da falta de doses, cidades começaram a aplicar a vacina da Pfizer em quem tem a 2ª dose da AstraZeneca atrasada. Como é o caso de São Paulo e Rio de Janeiro.