Aumento da taxa Selic não derruba inflação e penaliza ainda mais a indústria, o comércio e as famílias
Após Bolsonaro elevar o imposto sobre operações financeiras (IOF) encarecendo o crédito para empresas e famílias, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu nesta quarta-feira (22) elevar em mais um ponto percentual a taxa básica de juros (Selic), que passou de 5,25% a.a para 6,25% a.a, a pretexto de frear a inflação – situação que tem sido criticada por diversos economistas, que apontam que a medida é ineficaz, já que o atual quadro é de inflação de custos e não de demanda.
Em nota, o Copom afirmou que “antevê outro ajuste da mesma magnitude” – isto é, de um ponto percentual – na taxa Selic a ser definido na próxima reunião, no final de outubro.
Ou seja, em meio a desvalorização do real frente ao dólar, a elevação dos preços dos combustíveis, da conta de luz e dos preços dos alimentos (devido ao aumento do preço das commodities no exterior e da crise hídrica), e o clima de instabilidade que Bolsonaro impõe ao Brasil ao atacar a democracia, a inflação explodiu e o Copom está jogando mais gasolina no fogo ao elevar a Selic pela quinta vez consecutiva neste ano, o maior patamar desde julho de 2019.
Segundo o Instituto Superior de Administração e Economia da Fundação Getúlio Vargas (ISAE/FGV), mais da metade da inflação, neste ano, é resultado da disparada dos preços dos combustíveis, energia e carne. Esses estão entre os itens que mais têm pesado no bolso do brasileiro e na inflação.
ESTAGFLAÇÃO
Para o economista Nilson Araújo de Souza, “a inflação não é de demanda. Como a taxa de juros vai influenciar o preço dos alimentos enquanto for cotado em nível internacional? O preço dos combustíveis, que é estabelecido pelo governo com base no preço internacional? A tarifa de energia, que também é cotada pelo governo com base numa indexação ao dólar? Poderia atuar indiretamente ao atrair capital externo especulativo e provocar a valorização do real. Mas a taxa de juro não pode muito, em termos de atração de capitais externos, diante da instabilidade política em que vive o país. Nesse quadro, combinam-se juros altos com câmbio elevado”. Segundo o economista, “a economia brasileira entra em rota de estagflação, um fenômeno que combina per versamente o pior dos mundos: estagnação econômica, ou seja, paralisação do crescimento econômico (e pior: com desemprego elevado), com inflação, isto é, a subida generalizada dos preços”.
“Além disso, esse é um caminho perverso: ao baratear as importações, destrói a produção interna, aprofundando a desindustrialização e o desemprego, já bastante avançados, e, ao elevar os juros, sacrifica tanto o investimento público quanto o privado. O caminho é outro: resolver o choque de oferta garantindo o abastecimento alimentar interno (bloqueando exportações e realizando estoque regulador na próxima safra), o refino interno de todos os derivados de que se necessita, desdolarização da política de reajuste das tarifas dos serviços públicos, ao mesmo tempo em que se eliminam os bloqueios à retomada do desenvolvimento, tais como a drenagem de recursos para o exterior, a esterilização de enormes massas de recursos na ciranda financeira, o enorme volume de isenções fiscais injustificadas, a apropriação privada de grande parte das rendas da terra (agrícola, petróleo, mineração), tripé macroeconômico, emenda constitucional que congela o investimento público”, destacou Nilson Araújo de Souza, em recente entrevista ao HP.
O economista José Luis Oreiro que também avalia que a elevação dos juros não tem nenhum impacto sobre a inflação de alimentos, da energia elétrica ou dos combustíveis, e destaca que “a inflação dos próximos meses vai acelerar, principalmente, agora, por conta de dois eventos: a gente já sabe, que é a crise hídrica que está muito ruim. Quer dizer, isso vai impactar negativamente no preço da energia e com isso você tem aumento de inflação. O segundo ponto que as pessoas não estão percebendo é que essa crise lá na China que está derrubando o preço do minério de ferro no mercado internacional.
“Como o Brasil é um país exportador de commodities, toda vez que o preço das commodities cai, isso tende a produzir uma desvalorização do câmbio. Então, você vai ter mais desvalorização do câmbio que vai ser repassado para os preços e, portanto, vai elevar a inflação. Esse é o cenário. Junto com o aumento da taxa de juros que vai desestimular ainda mais a economia, a aceleração da inflação que reduz o poder de compra dos salários e, portanto, reduz o consumo. Eu não tenho nenhuma dúvida, o Brasil já está no quadro de estagflação e vai ficar pior em 2022”, afirmou ao HP.
Entidades da indústria e do comércio também criticaram a decisão do Banco Central. “O impacto será um pouco mais sentido desta vez no bolso do consumidor”, disse a Associação Comercial de SP. Para a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), a decisão, juntamente com o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), “penaliza as pessoas e as empresas num momento de frágil recuperação dos impactos econômicos da pandemia”.
Após as cinco altas seguidas da taxa básica de juros, o Brasil voltou a encabeçar uma das maiores taxas de juros reais (descontada a inflação) do mundo. Segundo o site o site MoneYou, o Brasil está em segundo lugar no ranking de 40 maiores economias do mundo, com juro real de 3,34% ao ano, atrás apenas da Turquia (+4,96%). A média desses 40 países está negativa em -1,36%.