O texto da “reforma” administrativa (PEC 32) foi aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, nesta quinta-feira (23).
A votação foi marcada por mudanças no relatório feitas de última hora, protesto de servidores e a pressão dos deputados contrários ao projeto. Para garantir a aprovação na Comissão, o governo teve que fazer uma manobra desesperada, substituindo 8 deputados governistas de ontem para hoje.
O relator da “reforma”, deputado Arthur Maia (DEM-BA), apresentou, nesta quinta-feira (23), a sétima versão do texto feita por meio de complementação de voto, em que fez novas alterações. O relatório foi apresentado às 10h46 desta manhã, promovendo novas alterações ao texto apresentado em 17 de setembro, modificando mesmo as versões apresentadas horas antes, às 16 horas e às 21h08 da quarta-feira (22).
“Causou espanto que hoje a ordem do dia no Plenário, na prática, não tenha existido. Assim foi, no fundo, para aprovar essa matéria que vai contra o Brasil, contra os servidores. Mais do que isso, depois da substituição de membros titulares desta comissão – prova de que a base do governo não tem segurança para defender essa matéria. É compreensível, um governo que alcançou na última pesquisa 68% de reprovação – na última pesquisa de opinião divulgada – é um governo que quem a ele se associar caminha para o abismo, para a forca. Então é compreensível que a base não queira a ele se aliar, pois é um governo que está no fim”, disse Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição.
Com a pressão dos deputados de oposição, que queriam mais tempo para apreciar as mudanças, de ontem para hoje, e a incerteza de maioria na Comissão, o governo Bolsonaro atuou para substituir deputados da Comissão Especial. De acordo com o site da Câmara, PSDB, DEM, PL, PSD e Cidadania cederam suas vagas na Comissão Especial para deputados do Novo, que votaram em bloco a favor da PEC 32, a favor da destruição dos serviços públicos.
“Governo de um presidente da República que vai para a ONU e não tem uma única agenda bilateral, cujo programa é comer pizza em pé na rua porque não se vacinou. Fazendo o país passar vergonha perante o mundo, contaminando integrantes da ONU, com um ministro da Saúde contaminado por Covid. Quem é que vai querer apoiar esse governo? Então é natural que muitos colegas tenham que ser substituídos”, completou Molon.
RETROCESSOS
O novo texto apresentado por Arthur Maia contém importantes retrocessos em relação à versão anterior. As medidas mais polêmicas foram: 1) a volta do art. 37-A, que permite terceirização ampla de atividades e contratação de pessoal para prestação de serviços públicos por entidades privadas; 2) O retorno do prazo máximo de 10 anos para contratação temporária de servidores, que no relatório anterior tinha caído para 6 anos e; 3) A ampliação da possibilidade de regulamentação das normas gerais sobre pessoal por medida provisória, exceto para dispor sobre a redução salarial e demissão por excesso de despesas, o que permite o governo extinguir cargos e funções (ou criá-las) a seu bel prazer.
O deputado André Figueiredo (PDT-CE) disse que “o que mais nos impressiona é a birra, por causa do enfrentamento de ontem, que fez voltar a um relatório que contradiz frontalmente as palavras do deputado Arthur Maia na defesa de seu relatório, onde ele defendia o serviço público com uma linguagem que parecia até mesmo da oposição, parecia a defesa intransigente de um Estado forte. Nesse novo relatório, como nos deparamos? Com a volta desse artigo 37-A, quando já estava compactuada a sua retirada. Esse artigo prevê a terceirização absoluta do Estado brasileiro”.
“A retirada de um dispositivo que tirava a possibilidade do presidente da República editar medida provisória para disciplinar extinção de cargos públicos, concursos públicos, critérios de seleção, requisitos para investidura e cargos, estruturação de carreiras foi motivo de elogios. O Deputado Arthur Maia tinha retirado isso do relatório e voltou, tinha reduzido o contrato de trabalho para 6 anos, o que já é muito, e voltou para dez. Isso é birra! É dizer que ‘já que não foi daquele jeito, agora vai ser muito pior’. Podemos até perder na Comissão, mas no plenário nós não perderemos!”, enfatizou Figueiredo.
CHEQUE EM BRANCO
A deputada baiana Alice Portugal (PCdoB) afirmou que “os deputados que estão votando a favor dessa PEC, que é uma colcha de retalhos, estão dando um cheque em branco ao Poder Executivo para arrebentar com o Estado nacional, utilizar medidas provisórias para contratações temporárias – esse é um dos textos que entrou ontem, no ‘descuido’ das 21h08 – infelizmente estão votando contra os professores”.
“Há deputados que dizem: ‘Alice, peça para parar de encher minha caixa de whatsapp’. Pois eu quero clamar aos professores das redes públicas do Brasil a defenderem a educação pública, defenderem o dinheiro do Fundeb que aprovamos nesta casa, também ao arrepio da vontade do governo. Defenderem também seus precatórios que estão à beira de ser caloteados. Defendam aqueles que precisam do SUS e que estarão, também, neste momento arrestados por uma PEC malfadada”, conclamou a parlamentar.
O deputado Fábio Trad (PSD-MS) enfatizou que “agora sei por que o ministro Paulo Guedes sempre afirmou que gostaria de privatizar trilhões de reais. É esta ‘reforma’ aí, ‘reforma’ entre aspas, que ele quer, na verdade, através dos canais oficiais do parlamento quer transformar em usina de dinheiro às custas das carreiras do serviço público”.
Contra o argumento de que a “reforma” embutida na PEC 32 é a ‘modernização’ do Estado brasileiro, Trad afirmou que não vê como modernizar o Estado transformando os servidores públicos em espécie de apêndice da vontade político-partidária dos que têm poder na contingência e na conjuntura.
DESTRUIÇÃO DOS SEVIÇOS PÚBLICOS
“Modernizar o Estado brasileiro seria investir no serviço público para qualificar, capacitar, melhorar, funcionalizar o serviço público. Jamais priorizando seleções mendigadas para contratos de dez anos, ao invés do concurso público que vai dar, além de estabilidade, segurança jurídica para o servidor trabalhar com dignidade. Essa PEC amesquinha, essa PEC corrompe, essa PEC deforma, essa PEC avilta, constrange e vilipendia o serviço público brasileiro. Ela destrói os serviços públicos, ela prestigia os interesses privados e atinge de morte os dois braços assistenciais mais fortes do Estado brasileiro: saúde e educação”, disse o parlamentar.
“Eu fico a imaginar o tamanho da ingratidão do presidente Bolsonaro que viveu 28 anos no parlamento dependendo do serviço público, antes disso o exército. Seus filhos todos trabalhando no serviço público. Agora que ele alcança o poder, podendo e devendo trabalhar para o serviço público para valorizar o Estado brasileiro, escolhe um ministro da Economia ulltraprivatista, mais que radical, mais que ortodoxo – muito além dessa tal escola de Chicago – que procura na realidade com o peso opressivo do mercado fazer com que o Estado brasileiro um apêndice amesquinhado das vontades financeiras de alguns mandões da República, financiados pelo capital internacional”, completou Trad.
Declarando voto contrário à PEC 32, a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) afirmou que “a maior mazela da administração pública é o presidente Bolsonaro e quem o sustenta”.
“Como se não bastasse o drama que o povo está experimentando com a maior alta inflacionária do último período, ter que escolher entre o arroz e o feijão, gás a mais de R$100, milhares de mortes evitáveis, quase 15 milhões de desempregados, fora aqueles que não têm mais um real para pegar uma passagem e procurar emprego. Não bastasse isso, Bolsonaro – porque sim, é um projeto de Bolsonaro e sua base que mistura autoritarismo e austeridade – quer destruir o Estado brasileiro por meio da destruição dos serviços públicos. Que escândalo é essa PEC32! Ataca não só os servidores, mas também os serviços públicos, a creche, o postinho, a segurança”.
MOBILIZAÇÃO
Para o presidente do Sintergs (Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Sul), Antonio Augusto Medeiros, o placar desta quinta-feira mostra que o governo terá dificuldade para aprovar a reforma administrativa na Câmara. São necessários 308 votos. “É importante manter a mobilização aqui em Brasília, nos estados e nos municípios base dos deputados. Vamos manter a luta para derrubar a PEC 32 no plenário”, afirma Medeiros. A matéria passa agora por votações dos destaques feitos ao texto e, quando encerrada, seguirá para o plenário da Casa.