“Em 2017, quando Julian Assange começou seu quinto ano abrigado na embaixada do Equador em Londres, a CIA planejou sequestrar o fundador do WikiLeaks, gerando um acalorado debate entre funcionários do governo Trump sobre a legalidade e praticidade de tal operação”, narram os jornalistas Zach Dorfman, Sean D. Naylor e Michael Isikoff em reportagem publicada no portal Yahoo News.
A informação tem por base conversas com mais de 30 ex-funcionários da administração do ex-presidente Trump – oito dos quais descreveram detalhes -, revelando que a Agência Central de Inteligência (CIA), sob ordens do então ex-secretário de Estado dos EUA e braço direito de Trump, Mike Pompeo, teria discutido o assassinato ou sequestro de Julian Assange, fundador do site WikiLeaks, enquanto este era refugiado na embaixada do Equador em Londres.
O relatório também apontou que a Casa Branca, em parceria com o governo do Reino Unido, estaria se preparando para se envolver até em um conflito nas ruas britânicas com qualquer agente russo, caso tentassem ajudar Assange a fugir do país.
Após a divulgação desse relatório, a Fundação Liberdade de Imprensa (Freedom of the Press Foundation) publicou uma declaração chamando a CIA de “uma vergonha”, e acrescentando que “o fato de ter considerado e se envolvido em tantos atos ilegais contra o site WikiLeaks, seus associados e até mesmo outros jornalistas premiados, é um escândalo flagrante que deveria ser investigado pelo Congresso e pelo Departamento de Justiça [dos EUA]”.
“A prisão do fundador do WikiLeaks manchou a reputação do Reino Unido como defensor da liberdade de imprensa”, declarou o diretor do site, Kristinn Hrafnsson.
Em 2019, Assange foi retirado à força da embaixada equatoriana, onde se encontrava exilado, pela Polícia Metropolitana de Londres e enviado para prisão de segurança máxima de Belmarsh, onde permanece até hoje enquanto o governo norte-americano insiste na sua extradição aos EUA.
“As discussões sobre o sequestro ou assassinato de Assange ocorreram nos escalões mais altos” do governo Trump, disse um ex-oficial da espionagem.
As conversas faziam parte de uma campanha sem precedentes dirigida contra o WikiLeaks e seu fundador por parte da CIA, cujos planos incluíam espionagem extensiva sobre os associados do WikiLeaks e o roubo dos seus dispositivos eletrônicos.
“Como cidadão americano, acho absolutamente ultrajante que nosso governo esteja pensando em sequestrar ou assassinar alguém sem qualquer processo judicial simplesmente porque ele publicou informações verdadeiras”, disse Barry Pollack, advogado de Assange nos Estados Unidos, ao Yahoo News.
Mike Pompeo, que foi diretor da CIA de 23 de janeiro de 2017 a 12 de março de 2018, e depois secretário de Estado do governo Trump, liderou as tentativas de vingança em relação a Assange. “A fúria da CIA com o WikiLeaks levou Pompeo a descrever publicamente o grupo em 2017 como um ‘serviço de inteligência hostil não estatal’ “, narra a reportagem. Essa designação abriu as portas para os agentes da CIA se tornarem ainda mais agressivos, disseram ao Yahoo News ex-funcionários da espionagem.
Entre os jornalistas que algumas autoridades americanas qualificavam como “corretores de informações” estavam Glenn Greenwald, então colunista do Guardian, e Laura Poitras, uma cineasta de documentários, que haviam contribuído para a publicação de documentos fornecidos por Assange.
Em um comunicado ao Yahoo News, Poitras disse que as tentativas relatadas de se classificar Greenwald e Assange como “corretores de informações” em vez de jornalistas são “de arrepiar os ossos e uma ameaça aos jornalistas em todo o mundo”.
“Que a CIA também conspirasse para buscar a rendição e o assassinato extrajudicial de Julian Assange é um crime patrocinado pelo Estado contra a imprensa”, acrescentou.
“Não estou nem um pouco surpreso que a CIA, uma instituição autoritária e antidemocrática de longa data, planejou encontrar uma maneira de criminalizar o jornalismo e espionar e cometer outros atos de agressão contra jornalistas”, disse Greenwald ao Yahoo News.
Desde 2015, o WikiLeaks era assunto de um intenso debate sobre se a organização deveria ser alvo de policiais ou agências de espionagem. Alguns argumentaram que o FBI deveria ser o único responsável pela investigação do WikiLeaks, sem nenhum papel para a CIA ou a NSA.
Os EUA, alias, tentam desde a época do governo de Trump extraditar Assange por supostos “espionagem” e “hackeamento”. A perseguição é, na verdade, por ter trazido a público os arquivos do Pentágono sobre a ocupação do Iraque e Afeganistão, inclusive mostrando crimes de guerra, como o massacre de civis em Bagdá. Divulgação, aliás, feita pelo WikiLeaks conjuntamente com os maiores jornais do mundo.
Washington manteve por dez anos um júri secreto para fabricar acusações contra o jornalista em um tribunal da Virgínia que é virtualmente uma dependência da CIA; em conluio com autoridades suecas e britânicas perseguiu judicialmente a Assange; espionou ele e seus advogados dentro da própria embaixada do Equador em Londres; negociou com o ex-presidente Lenin Moreno a entrega de Assange à polícia inglesa, depois de um ano em que o jornalista virou praticamente um prisioneiro na embaixada; anunciou, através do secretário de Estado, Mike Pompeo, que as “proteções da Primeira Emenda” não se aplicavam a Assange nem ao WikiLealks.
O establishment norte-americano também odeia Assange por ter ajudado Edward Snowden a escapar das garras da CIA, após revelar que os EUA grampeavam o planeta inteiro; ainda mais, pelo jornalista australiano ter revelado ao mundo que a CIA tinha uma ferramenta cibernética que a permitia cometer crimes e atribuir a outros países.