“Calculo que meu custo financeiro para o plano de saúde passou da casa de centenas de milhares de reais. Eu era um paciente que valia mais morto do que vivo. O cálculo é simples e apenas financeiro, e nada tem a ver com saúde ou salvar vidas”, disse Tadeu Frederico de Andrade em denúncia encaminhada ao MP-SP. Senador Otto Alencar revelou que a comissão tem provas de que a Prevent Senior realizava “eutanásia disfarçada”
A família de paciente da Prevent Senior, operadora de saúde investigada na CPI da Covid-19 no Senado, acusa a empresa de recomendar tratamento inadequado para o advogado Tadeu Frederico de Andrade, de 65 anos.
Durante a internação do paciente, foi-lhe oferecido tratamento paliativo, direcionado a pacientes incuráveis, enquanto ele não estava em estado terminal.
Tadeu foi curado da Covid-19 e encaminhou denúncia na última sexta-feira (24) ao MP- SP (Ministério Público de São Paulo). Um dos documentos indica, ainda, que a médica da Prevent Senior teria sugerido, em prontuário, a suspensão de cuidados, como medicações e proibição de reanimação cardiorrespiratória, sem discutir com a família antes.
A denúncia foi encaminhada à CPI. Nesta segunda-feira (27), o senador Otto Alencar revelou que a comissão tem provas de que a Prevent Senior realizava “eutanásia disfarçada”.
DENÚNCIAS
No começo do ano, médicos denunciaram à GloboNews que a diretoria do plano de saúde Prevent Senior os obrigou a trabalhar infectados com Covid-19 e a receitar medicamentos sem eficácia para pacientes.
Depois disso, um dos médicos inclusive registrou boletim de ocorrência em que relata ter sofrido ameaças do diretor-executivo da operadora de saúde para idosos, Pedro Benedito Batista Júnior.
Agora, a CPI da Covid-19 investiga dossiê que aponta que a Prevent ocultou mortes em estudo com hidroxicloroquina, remédio que não funciona contra Covid.
Os indícios da fraude aparecem em documentos e áudios e, segundo os documentos, houve pelo menos o dobro de mortes entre os pacientes tratados com cloroquina analisados pelo estudo.
OMS DESCARTOU TRATAMENTO PREVENTIVO
A suposta pesquisa seria desdobramento de acordo da operadora de planos de saúde com o governo federal, e teria resultado na disseminação do uso da cloroquina e de outros medicamentos. A OMS (Organização Mundial de Saúde) já descartou o medicamento para esse tipo de tratamento.
Além da CPI, a operadora é investigada pelo MPF (Ministério Público Federal), pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) e pela agência reguladora dos planos de saúde, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Em São Paulo, o MP iniciou investigação ainda em março sobre a distribuição do “Kit Covid” pela Prevent Senior. Neste mês, após novas denúncias, o MP criou força-tarefa, com quatro promotores: Everton Zanella, Fernando Pereira, Nelson dos Santos Pereira Júnior e Neudival Mascarenhas Filho.
O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Sarrubbo disse, na última sexta-feira (24), que os diretores da Prevent Senior poderão responder por crime contra a vida, caso fique comprovado o uso de tratamentos ineficazes contra a Covid-19 em pacientes da operadora.
INVESTIGAÇÃO DA SECRETARIA DA SAÚDE
O governador João Doria (PSDB) disse, na última sexta-feira, que pediu à Secretaria da Saúde investigação sobre a atuação da Prevent Senior durante a pandemia do coronavírus no estado de São Paulo.
“Já determinamos à Secretaria da Saúde que avance com uma fiscalização rigorosa em todos os procedimentos da Prevent Senior”, disse o governador em entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista.
Meses atrás, a Secretaria Estadual da Saúde chegou a apurar os procedimentos de informação da causa da morte dos pacientes internados nos hospitais da Prevent Senior.
Doria foi questionado sobre o convite feito ao secretário Jean Gorinchteyn para depor na CPI, e disse que acha “até bom porque ele vai ajudar a esclarecer pontos importantes que têm sido debatidos e questionados”.
CRONOLOGIA DO CASO
O paciente que denunciou o tratamento paliativo ao MP-SP, Tadeu Frederico de Andrade, teve os primeiros sintomas da Covid-19 em 24 de dezembro de 2020. No dia 25, ele procurou a Prevent Senior e fez teleconsulta, na qual foi orientado a tomar os medicamentos do “Kit Covid”.
Os remédios chegaram à casa dele em 26 de dezembro, um dia antes do resultado positivo do exame RT-PCR que confirmou a suspeita de coronavírus.
Em 30 de dezembro, o paciente teve piora dos sintomas e procurou pronto-socorro da Prevent Senior, onde foi diagnosticado também com pneumonia bacteriana. No dia 31, ele foi intubado e transferido para a UTI.
INICIAR OS “CUIDADOS PALIATIVOS”
Após um mês de internação, em 30 de janeiro de 2021, a família de Tadeu Frederico de Andrade foi procurada por médica da operadora. Por telefone, a médica disse que iria iniciar os “cuidados paliativos” para proporcionar mais “conforto e dignidade” ao paciente, e declarou ainda que “o óbito aconteceria em alguns dias”.
A filha do paciente disse à médica que não concordava com o diagnóstico nem com a adoção do tratamento paliativo. Apesar disso, as orientações de suspensão de medicações e de cuidados paliativos foram inseridas no prontuário de Tadeu na tarde do mesmo dia 30 de janeiro.
No final da tarde do dia 30, em reunião presencial com médicos da operadora, a filha do paciente e outros familiares disseram que procurariam a imprensa e também ações judiciais para impedir a adoção dos cuidados paliativos. Após o encontro, os médicos recuaram e suspenderam a adoção do tratamento para doentes terminais.
NADA JUSTIFICAVA “TRATAMENTO PALIATIVO”
Os familiares procuraram ainda médico particular, de outro hospital, para supervisionar os procedimentos da Prevent Senior. Segundo a família, este profissional disse não haver qualquer motivo médico que justificasse o “tratamento paliativo”.
Por telefone, outro médico da Prevent Senior admitiu a familiares do paciente que não havia necessidade de tratamento paliativo no caso de Tadeu Frederico de Andrade. A ligação foi gravada pela família.
Em 30 de abril, após 120 dias de internação, Tadeu recebeu alta e foi para casa, onde continuou o tratamento com fisioterapia e curativos diários, custeados pela operadora. O tratamento domiciliar foi finalizado em 30 de julho.
TRATAMENTO DE ALTO CUSTO
Ao longo de todo o período do tratamento, mais de 1.300 exames e procedimentos foram realizados no paciente.
Segundo ele, esta grande quantidade de gastos pode ter ocasionado prejuízo à operadora e motivado a orientação de tratamento paliativo para redução de custos.
“Calculo que meu custo financeiro para o plano de saúde passou da casa de centenas de milhares de reais. Eu era um paciente que valia mais morto do que vivo”, disse Tadeu Frederico de Andrade em denúncia encaminhada ao MP-SP.
“O cálculo é simples e apenas financeiro, e nada tem a ver com saúde ou salvar vidas”, acrescentou.
M. V.