“As arrecadações costumam ser irrisórias para o setor se comparadas ao grande risco que essas explorações representam. Na contramão do mundo, estão querendo leiloar blocos em cima de áreas recifais. Com todas as alternativas de matriz enérgica que temos, não faz o menor sentido colocar em risco algo tão importante para o Brasil e o planeta”, afirma Mauro Maida, professor do departamento de Oceonografia da UFPE
O escandaloso leilão de blocos de petróleo em áreas sensíveis e de preservação ambiental em torno de Fernando de Noronha e Atol das Rocas provocou uma série de reações, como protestos e ações civis públicas movidas por representantes do Ministério Público e entidades ambientais para tentar impedir o leilão de petróleo marcado para a próxima semana.
Uma ação civil pública que tenta barrar a 17ª rodada de licitação de blocos de petróleo e gás, marcada para o próximo dia 7 de outubro, foi encaminhada na sexta-feira (1º) pela Justiça Federal do Distrito Federal para a Justiça Federal de Pernambuco, onde será analisada.
Parte dos blocos de petróleo que vão a leilão ficam na região conhecida como Bacia Potiguar, que envolve o arquipélago de Fernando de Noronha, a Reserva Biológica Atol das Rocas – reconhecidos em 2001 como Patrimônio Natural Mundial pela Unesco. A região abriga uma das biodiversidades mais ricas do país e diversos montes submarinos.
Na ação movida pela Associação Nacional de Advogados Animalistas (Ana) e outras organizações, as entidades alegam que a licitação de atividade de exploração petrolífera sem a realização de avaliação ambiental de área sedimentar dos blocos “traz impactos negativos para a vida marinha”. A ação cita, principalmente, as baleias azuis e outras 89 espécies que podem ser impactadas.
Os danos da exploração de petróleo na região não se restringem à ameaça de espécies em extinção. Laudos técnicos do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade de São Paulo afirmam que, do ponto de vista geológico, a entrega dessas áreas não faz sentido e pode ser, inclusive, prenúncio para um desastre sem precedentes.
“As arrecadações costumam ser irrisórias para o setor se comparadas ao grande risco que essas explorações representam. Na contramão do mundo, estão querendo leiloar blocos em cima de áreas recifais. Com todas as alternativas de matriz enérgica que temos, não faz o menor sentido colocar em risco algo tão importante para o Brasil e o planeta”, opina Mauro Maida, professor do departamento de Oceonografia da UFPE.
“É um complicador a mais, até do ponto de vista da própria exploração. Você ter que perfurar rochas vulcânicas antes de chegar a qualquer outro reservatório de óleo, de gás, etc. Do ponto de vista até operacional é uma coisa que foge um pouco à compreensão”, diz o professor Moacyr Araújo, um dos responsáveis pelo estudo.
O impacto social também é considerado pelos pesquisadores, já que a atividade não predatória de pesca na região vai prejudicar diversos produtores locais.
“O impacto social desse tipo de intervenção pode ser também muito grande, justamente porque não existem grandes áreas naquela região, onde existe uma produção pesqueira importante”, completa Araújo.
A Agência Nacional de Petróleo oferece às multinacionais nesta rodada 92 áreas para exploração de petróleo e gás. Quatorze delas, chamadas de blocos, estariam na região descrita pelos estudiosos como um “oásis de vida no Oceano Atlântico”.
Tem participação inscrita no leilão diversas empresas estrangeiras – algumas conhecidas, inclusive, por desastres ambientais irreversíveis como a Shell, Chevron e Total.
O ambientalista Juliano Bueno de Araújo, do Observatório de Petróleo e Gás, diz que não se pode arriscar ao tomar uma decisão que envolva uma área tão preciosa para o meio ambiente.
“Com certeza, eu diria que é uma das grandes aventuras do setor petroleiro no Brasil. A escolha de blocos em cima dos montes marinhos, dos montes oceânicos, aonde toda riqueza e biodiversidade está lá inclusa”, diz Juliano Bueno.
Irregularidades
Além do risco ambiental envolvido em autorizar a exploração de petróleo e gás na região, as entidades afirmam que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) foi negligente na análise dos laudos que a demonstram. Pelo menos desde março deste ano, quando a intenção de incluir a área da Bacia Potiguar na rodada de leilão veio à público, documentos do Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio), bem como o parecer da Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Marinhos e Costeiros do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), indicavam contrariedade à exploração na região.
Além disso, afirmam os ambientalistas, houve a substituição da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) por parecer do Ministério do Meio Ambiente, “ignorando riscos ambientais, sociais e econômicos à população e à biodiversidade brasileira”.
Em abril, o deputado Túlio Gadelha (PDT) chegou a entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender o leilão.
O Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu parecer nesta segunda-feira (4) apontando fragilidades da análise ambiental do leilão. No entanto, o Tribunal apenas recomendou “aperfeiçoamento” nas análises de futuros leilões e não considerou que havia impeditivo para a oferta.