“O que devemos considerar, é se o Brasil deve ou não ser uma nação no mesmo nível das demais, ou se deve ser uma nação onde os estrangeiros possam comprar o fruto do trabalho brasileiro por menor preço do que o seu valor real“
GETÚLIO VARGAS
O cotejo da vida do Banco do Brasil em 1945 em relação a 1944, e em 1946 em relação a 1945, nos mostra o seguinte:
1) os depósitos do público à vista, que em 1945 tinham aumentado de 34% em relação a 1944, em 1946 só aumentaram de 19%;
2) os depósitos do público a prazo, que em 1945 tinham aumentado de 31% sobre os de 1944, em 1946 baixaram 12%;
3) os empréstimos à produção e ao comércio, que em 1945 aumentaram de 67% sobre 1944, em 1946 só aumentaram 13%;
4) e os empréstimos a entidades públicas, que tinham baixado de 42% em 1945, aumentaram de 13% em 1946.
Em resumo: a média de depósitos no Banco do Brasil, que aumentou em 1945 de 23%, em 1946 subiu apenas de 7%, tendo baixado os depósitos a prazo.
Como índice da crise, podemos verificar a conta de prejuízos do Banco do Brasil, que acusa 20 milhões no primeiro semestre e sobe para mais de 50 milhões no segundo semestre de 1946. E suas ações, que tinham aumentado, em 1945, 2% em sua cotação, baixaram, em 1946, de 14%.
O aumento do custo de vida, o aumento de preços da produção agropecuária, não é devido nem à inflação nem à falta de produção. A demanda internacional determinou pedidos para a exportação por preços mais elevados do que os do nosso mercado. O Brasil, que antes era uma nação colonial, passou a viver no ritmo dos preços internacionais.
Nosso trabalho passou a ser pago na base do valor real de seus produtos. Os mercados estrangeiros passaram a adquirir, pelo valor real, os produtos brasileiros básicos, e, por isso, desde 39 a 43 nossos preços deixaram de ser os do mercado interno para ser os do mercado externo.
E posso apresentar os seguintes índices de valores unitários de alguns gêneros alimentícios no comércio internacional. Tomando por base o ano de 1938 como índice 100, temos:
Confirmando essa realidade, o atual presidente do Banco do Brasil diz, em seu último relatório:”Em 1945, o preço médio da tonelada de mercadoria exportada se elevou de Cr$ 4.015,00 para Cr$ 4.083,00, acusando o aumento moderado de 1,7% em relação ao exercício precedente. Entretanto, em 1946 esse preço de Cr$ 4.083,00 passou a Cr$ 4.985,00, registrando-se, assim, a alta ponderável de 22%.
“O preço médio da tonelada importada teve um aumento de 28,18%, maior ainda do que da tonelada exportada.
“A observação desses movimentos leva a crer que a acentuada elevação de preços em 1946 foi um fenômeno de ordem mundial”.
O que devemos considerar, é se o Brasil deve ou não ser uma nação no mesmo nível das demais, ou se deve ser uma nação onde os estrangeiros possam comprar o fruto do trabalho brasileiro por menor preço do que o seu valor real.
Devemos refletir e decidir se o trabalhador brasileiro vale menos e tem a obrigação de viver em condições inferiores às dos demais países.
Porque o valor da produção nada mais é do que o valor do trabalho. E se deixarmos que reduzam, pela pressão externa, valores do trabalho brasileiro, estaremos condenando nosso povo à escravidão econômica.
Não se alcança a melhoria do custo de vida mediante a baixa de valores da produção, apenas. Nem tampouco com restrições sobre a circulação da moeda. Colocar toda a economia dum país na dependência de um sistema monetário rígido significa subordinar o todo a uma parte.
Uma das mais incisivas críticas feitas a meu governo foi de que beneficiei os ricos. Em 1930 o imposto sobre a renda produziu 75 milhões de cruzeiros, ou seja, 2,5% do total do orçamento. Em 1946, sem modificação em sua estrutura de 1945, o imposto sobre a renda representava 27% do orçamento, na base de 2.705 milhões. A incidência sobre lucros passou de praticamente zero para um mínimo de 7% mais 7% de bônus de guerra e um máximo de 36% de bônus de guerra, alcançando 72%.
O grande elemento de correção para as desigualdades sociais é o imposto sobre a renda. Praticamente esse imposto se criou e se desenvolveu durante minha gestão. E seu aperfeiçoamento servirá para conter as especulações e limitar os lucros no nível normal de desenvolvimento das atividades do progresso do país.
Estou convencido de que, mais cedo ou mais tarde, S.Exa. o Sr. Presidente da República compreenderá a razão do carinho especial e da apaixonada dedicação de alguns de seus conselheiros.
Faz-se combate à inflação de boca e à custa dos outros. Vejamos, por exemplo, o que aconteceu no setor de tecidos. Houve uma lei proibindo a elevação de preços. À testa do órgão governamental incumbido de executá-la encontrava-se um industrial. À frente da campanha pela baixa de preços, pela deflação, outro industrial, em posição-chave da economia nacional. A matéria-prima subiu de 30 a 40%, em 1946. A mão de obra subiu de 30%. O resultado do balanço dessa fábrica foi, em lucro bruto:
Não é necessário uma investigação para se verificar que os preços foram aumentados. E como! Não só aumentos do custo da matéria-prima e mão de obra foram cobertos, como também o lucro atingiu um nível recorde no mundo. Em 1944 essa mesma fábrica teve, num ano, o lucro do segundo semestre de 1946.É claro que ao honrado Sr. Presidente da República não falta autoridade moral para agir contra a elevação do custo de vida, mas com os conselheiros que cooperam tão valentemente em seu proveito para a elevação dos preços, como evidencia o famoso balanço de lucros que acabei de citar, nem o povo nem a economia nacional podem confiar.
Precisamos fortalecer o Poder Executivo com confiança no presidente da República e dando-lhe os meios para que possa realizar seu programa.
O café não pode ficar abandonado a um triste destino e sujeito a golpes da especulação internacional. Os trabalhadores nos campos e nas cidades não podem ser sacrificados pelos métodos simplistas de solucionar problemas forçando-se crises. A lavoura de algodão está próxima da colheita e não tem financiamento. Nossa pecuária apresenta profundas reclamações contra a falta de créditos. Dezenas de milhares de trabalhadores já se acham com dificuldades para obter emprego.
Foram pedidas providências por parte da indústria e do comércio. Foram prometidas essas providências. Não me consta que as ordens emanadas do Executivo estejam sendo cumpridas com lealdade. A situação, decorridas várias semanas, continua a mesma. Devo também pedir providências em nome dos trabalhadores. Durante a guerra apelei para os trabalhadores do Brasil como chefe da nação. Mobilizei-os para a defesa nacional, e ao homem brasileiro as Nações Unidas devem uma cooperação preciosa. Tenho o dever de reclamar do governo o que eu faria se no governo estivesse. Os trabalhadores hoje precisam de um mínimo de 200 horas de trabalho. Eles têm o direito ao trabalho. Querem trabalhar e precisam trabalhar. Sem defesa dos valores de produção ficaremos sem defesa dos valores de trabalho.
A participação nos lucros e o imposto de renda eliminarão progressivamente as diferenças de nível social. Negar recursos ao ritmo natural de nossa evolução, perder tempo com lutas estéreis e disputas pelo poder é esquecer seus deveres para com o povo. Dispersar as nossas energias em preocupações personalistas é retardar providências urgentes. Espero as sugestões do Executivo para discuti-las e apoiá-las. Espero com o povo.
Eu devo a São Paulo a minha solidariedade. E aqui estou em defesa do seu povo e da sua economia, que é honra e orgulho para nossa pátria. São Paulo é o centro da riqueza nacional. Sua indústria, sua lavoura, seu comércio, suas instituições de crédito estão atingidos pela crise. Se suas reclamações não forem atendidas a tempo, o que está ocorrendo em São Paulo atingirá, em breve, a todo o Brasil.
(Senado Federal, 9 de maio de 1947)
(continua)