“Cenário no Brasil é de estagflação”, afirma o economista
O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), ao analisar a queda na produção industrial brasileira em agosto e a aceleração da inflação, a maior para o mês de setembro desde 1994, considerou que os resultados mostraram “de uma forma bem clara um cenário de estagflação para economia brasileira”. A produção industrial caiu 0,7% em agosto, foram seis quedas mensais no ano, e a inflação de setembro ultrapassou dois dígitos, atingindo 10,25%.
Segundo o professor, “no Brasil a inflação está bem mais alta que o mundo”, apesar da alta de preços não ser um fenômeno apenas local. Para o economista, “os preços administrados explicam boa parte dessa elevação da inflação do Brasil” e afirma que “a política de preços da Petrobrás é equivocada e está repassando para os consumidores toda a volatilidade no mercado internacional de petróleo”. Confira abaixo.
HORA DO POVO: Qual a sua avaliação sobre os resultados da produção industrial brasileira em agosto e da explosão da inflação no Brasil?
JOSÉ LUIS OREIRO: A semana passada mostrou de uma forma bem clara um cenário de estagflação para economia brasileira. Nós tivemos aí mais um mês de queda da produção industrial – o que demonstra de maneira muito clara a fraqueza da demanda – e a inflação chegando a casa de dois dígitos – o IPCA acumulado nos últimos 12 meses passando os 10%. Então, é um cenário claro de estagflação.
Parte desse resultado, é lógico, é importado. Ou seja, a inflação não é um fenômeno restrito ao Brasil, a primeira coisa que se chama atenção. A inflação aumentou bastante em vários países, nos EUA, por exemplo, ela chegou no acumulado em 12 meses a mais de 5% medido pelo índice de preços ao consumidor, um valor extraordinariamente alto comparado com a média dos últimos 10 anos nos EUA. A inflação nos últimos 10 anos tem ficado abaixo de 2%, isso significa que ela mais que dobrou. Então, a inflação é um fenômeno mundial.
HP – O que é que está gerando esse aumento mundial de Inflação?
JOSÉ LUIS OREIRO: Basicamente, o que está gerando esse aumento mundial de Inflação são os choques de oferta. Você tem o aumento do preço do petróleo, o barril tipo Brent passou no mês de setembro da cotação acima de 80 dólares o barril. Você tem uma desorganização da logística mundial, ou seja, você não tem contêineres e navios suficientes para escoar a produção que ficou acumulada nos portos, devido aos surtos de Covid-19 na China etc., e toda vez que ocorre um surto a China fecha os portos, fecha a área afetada pelo surto. Então, você tem aí um acúmulo de contêineres para ser transportados que não tem navios suficientes. Além disso, algumas destas empresas faliram durante o período da pandemia. Você tem uma desorganização completa do setor de logística mundial o que aumenta muito o custo do transporte, do frete marítimo e dos contêineres.
Temos também um problema de aumento do preço do gás. Na Europa, principalmente, está afetando as contas de energia. Aí são duas as razões: primeiro, porque com o aumento do preço do petróleo os europeus estão comprando mais gás para substituir as térmicas a óleo diesel pelas térmicas a gás, mas também já existe aí o efeito estrutural que se observa na Europa de redução da emissão de CO2. Então, há um aumento da demanda por gás ao invés, por exemplo, carvão, para geração de eletricidade, então isso está pressionando o preço do gás também.
Tem um fator geopolítico, o gasoduto que foi recentemente construído entre a Rússia e a Alemanha, pois a Rússia é grande exportadora de gás, mas isso está gerando um imbróglio diplomático com EUA e a Rússia está retaliando, diminuindo a oferta de gás e com isso aumentando preço.
Aumento generalizado do preço dos alimentos
Por fim, nós temos o aumento generalizado do preço dos alimentos. Houve um aumento da demanda por alimentos no ano passado, por conta dos estoques estratégicos. Vários países acumularam estoques estratégicos de alimentos. Mas também, agora, esse ano ainda com a Covid-19 chegando nos países do terceiro mundo com mais força, isso também desorganizou a oferta de alimentos. Então, isso é que está explicando a elevação da inflação do mundo.
No Brasil a inflação está bem mais alta que o mundo
Agora, no Brasil a inflação está bem mais alta que o mundo, e a pergunta é por quê? Eu acho que os preços administrados explicam boa parte dessa elevação da inflação no Brasil. Você tem a política de preços da Petrobrás, que no meu ponto de vista, equivocada. Ela está repassando para os consumidores toda essa volatilidade no mercado internacional de petróleo e, na verdade, o que há é uma grande transferência de renda dos consumidores, do público em geral para os acionistas da Petrobrás. O lucro da Petrobrás no primeiro semestre deste ano foi recorde. Então, esse é o ponto fundamental.
Tem o aumento do preço dos alimentos, que é um fenômeno, em parte, como já expliquei, mundial, mas também resulta do fato de que o ministro (da Economia) Paulo Guedes eliminou os estoques reguladores da Conab em 2019, então nós ficamos sem estoques de alimentos para poder fazer o abastecimento do mercado interno no período da Covid, então isso amplificou a alta dos alimentos.
Na medida que a inflação aumenta, principalmente de alimentos, você tira a renda dos consumidores, e é óbvio que isso vai rebater na indústria na forma de menos demanda, por isso que também a indústria está sentindo esse feito – o que deve se somar também a estagnação no nosso principal mercado de produtos manufaturados que é a Argentina. Ela teve um desempenho bem pior que o Brasil em termos econômicos durante a Covid. Ao contrário de nós eles não fizeram um programa de renda emergencial na escala e magnitude que nós fizemos, e com isso a economia Argentina está bem deteriorada, e, como Argentina é nosso principal mercado externo, se o nosso principal mercado externo para produtos manufaturados está em recessão, e lógico que isso também afeta na indústria.
ANTONIO ROSA