(HP 07/09 a 10/10/2012)
“Sou forçado a concluir, diante do que está ocorrendo, que o que se está fazendo em nossa terra é iludir o chefe da nação, para provocar a nossa ruína, alcançar o esgotamento das nossas energias, a fim de que não tenhamos forças de controle sobre as riquezas que recuperamos. Nada mais do que isso. Os líderes da campanha contra a industrialização do Brasil não agem mais à sombra. Estão às claras. Caíram as máscaras!”
GETÚLIO VARGAS
O governo considera “queremistas” ou “comunistas” todos os que não acharem que devem ir à falência, todos os que reclamarem créditos ou financiamentos. Todos os que precisarem do organismo bancário brasileiro são especuladores. E, pelo que ouvi, acusados de especuladores, são escolhidos pela severa polícia bancária. A causa dos trabalhadores é demagogia.
Mas os fatos, dentro de pouco, valerão mais do que as minhas palavras, que não querem ouvir. Sei perfeitamente que a política monetária, esboçada sub-repticiamente e agora declarada, é insustentável. Posso apresentar uma prova: as declarações do diretor da Carteira de Câmbio do Banco do Brasil:
“Inspirados – disse S. Sª – no procedimento cambial da Instrução nº 20, estávamos vendendo mais câmbio do que comprávamos, trazendo, em consequência, um desequilíbrio em nossa balança comercial com o exterior e tínhamos que fazer face a esse déficit com as nossas reservas penosamente acumuladas durante a guerra“.
Isto quer dizer, bem claramente, que já estávamos com déficit na balança de pagamentos. A política de restringir as exportações e favorecer as importações deu resultado. E que resultado!… Quer dizer ainda mais: que só o comércio importador estava satisfeito. E agora nem esse setor da nossa economia foi deixado tranquilo. Diz ainda o diretor da Carteira Cambial: “As perspectivas atuais são as de que obteremos um equilíbrio em nossa balança comercial“. E tínhamos saldo!…
Lembro-me bem, a propósito, de um livro de Balzac intitulado La peau de chagrin. O protagonista tinha em seu poder um pedaço de pele mágica. Ia realizando seus desejos e a pele se encolhia. Cada vez menor se tornava seu talismã. Assim os recursos da nação brasileira e do Estado minguam dia a dia. Vamos deflacionando a receita e inflacionando a despesa. A receita e a despesa de uma nação se representam com a exportação e a importação. E o talismã, as reservas que deixei, vão minguando.
EQUILÍBRIO
Desde 1930 até 1944, os meios de pagamento passaram do índice 100 para o índice 720. É necessário e importante esclarecer que esse índice 720 corresponde à média de aumento da circulação fiduciária e da moeda escritural. O índice da moeda fiduciária, em relação a 1939, é 480, e o da moeda escritural é 1.004.
A emissão de papel-moeda não tem uma relação tão estreita com os preços, conforme se afirma. E é fácil verificar isso cotejando os índices de valores médios por tonelada produzida dos gêneros alimentícios e das matérias-primas e da produção industrial básica desde 1939. Tomando-se por base o índice 100, em 1939, verificamos que, em 1944, atingiu a 173 o índice de valores médios da produção de gêneros alimentícios; a 150 o da produção de matérias-primas e a 201 o da produção industrial básica.
Já se tem afirmado, muitas vezes, que a produção agrícola no Brasil tem decrescido. Não sei onde vão buscar esses dados. Mas no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e nos estudos apresentados pelo Sr. Rafael Xavier, o que verificamos é que a produção de gêneros alimentícios, que em 1939 tinha o índice 100, em 1944 tinha o índice 135 [N.HP: Índices referentes ao quantum, isto é, à quantidade da produção física].
E o que mais importa destacar é que, entre os gêneros alimentícios, o feijão passou para o índice 153; o açúcar para o índice 140; a batata para o índice 179 e o arroz para o índice 241. Não baixou, portanto, a produção de gêneros alimentícios. Aumentou, e sensivelmente.
Conforme expliquei num discurso, os cálculos da [suposta] baixa foram feitos levando-se em conta a produção de café anterior a 1930 e a produção atual, que é, indiscutivelmente, bem mais reduzida. E todos sabem por quê: não valia a pena produzir [café] quando não se encontrava mercado para consumo.
De outro lado, os que falam em baixa de produção em relação ao aumento de meios de pagamento, é preciso que reflitam sobre o índice de aumento de volume não só dos gêneros alimentícios como das matérias-primas, que, de 100 em 1929, passou para 358 em 1944, e o índice de produção industrial básica, que, de 100 em 1929, passou para 1.217 em 1944. Relativamente à produção industrial brasileira, não existe uma estatística completa determinando seu aumento de volume. As estatísticas de produção industrial são elaboradas na base do valor do Imposto de Consumo. Temos, porém, possibilidades de chegar a uma estimativa bem superior ao índice de 700 considerando-se produção industrial a atividade de construção civil.
Não há um desequilíbrio tão violento entre os meios de pagamento e os bens de consumo. E este ponto é, precisamente, o “calcanhar de Aquiles” da orientação monetária do governo. E é precisamente devido a esse erro que a produção nacional se reduzirá na proporção da redução dos meios de pagamento, porque inegavelmente tivemos um forte aumento não só no meio circulante como na moeda escritural. Mas isto representa apenas a média geral das necessidades de desenvolvimento de um país. Numa nação de economia já saturada, esse aumento de meios de pagamento pode determinar grandes crises. Numa nação como o Brasil, de economia em evolução, o aumento de meios de pagamento, acompanhado pelo aumento de bens de consumo, como se está verificando – e ainda por uma elevação proporcional de tributação, que retira os excessos da circulação pelo meio fiscal – não representa o menor perigo. Perigo, sim, é a redução dos meios de pagamento. E tanto mais grave quanto vai alcançar toda a estrutura do Estado e não somente a vida econômica do país.
Quem está defendendo o governo? Eu, que chamo a atenção para a gravidade da redução de meios de pagamento afetando as possibilidades de recursos financeiros da administração pública, ou quem efetua essa redução de meios de pagamento, destrói todas as possibilidades dos orçamentos federal, estaduais e municipais e coloca o governo na impossibilidade de dispor de meios?
RECEITA
Tomando-se em conta o índice 100 para o conjunto de orçamentos federal, estaduais e municipais em 1929, tivemos, em 1944, o índice 439. Há uma quase rigorosa coincidência entre o nível do papel-moeda emitido e o nível dos orçamentos públicos. Não existe a menor coincidência entre os níveis da emissão de papel-moeda e os dos preços ou valores de produção.
A receita [do governo] federal passou de 100, em 39, para 374 em 1944. A soma das receitas estaduais passou de 100 para 557 e a das receitas municipais para 464. Todos sabemos que a tendência da despesa é subir, e a prova se encontra nos orçamentos posteriores a 1944.
Já temos, neste ano de 1947, previsões pouco animadoras. O café baixou de preço sensivelmente, devendo produzir na balança de exportação menos 1 bilhão de cruzeiros. Pouco algodão teremos para exportar. A estimativa da Bolsa de Mercadorias de São Paulo para a safra do algodão deste ano é de 173.349 toneladas, em relação às 463.193 toneladas de 1944. As nossas disponibilidades de exportação serão, portanto, bem reduzidas. O óleo de caroço de algodão, cuja falta já se vem fazendo sentir este ano, nos dará uma produção ainda mais reduzida.
De quase 90 mil toneladas em 1945, teremos apenas 32 mil toneladas para o consumo do ano vindouro. Este é um ponto de capital importância, conhecida como é a crise de gorduras no mundo inteiro e sabendo-se, como sabemos, que a redução da produção do óleo fatalmente repercutirá nos valores das demais gorduras, elevando-os sensivelmente.
É fácil verificar, por essas cifras, que teremos uma profunda redução na mais importante de todas as nossas forragens, que é a torta de algodão, com uma consequente elevação do custo do leite e de todos os seus derivados.
A Bolsa de Mercadorias de São Paulo estima em menos de oito milhões de sacas a produção de milho daquele estado este ano. Não preciso acentuar o que isso significa.
DITADURA
Estamos apenas no princípio da execução do plano de redução de meios de pagamento. A retração de crédito golpeou de forma dolorosa a espinha dorsal da economia brasileira. Tudo o que venho expondo é grave, muito grave, e não é com ataques pessoais, com campanhas de caráter político, que se conseguirá solucionar o problema econômico do Brasil.
Não é possível abandonar e destruir valores de produção vinculados à nossa economia, como se está fazendo. O abandono em que se encontram os nossos principais produtos, desde o café à cera carnaúba, o cacau, o algodão, os óleos vegetais, a dolorosa posição dos nossos pecuaristas, o cerceamento ao crédito para os produtores de carne e os invernistas, e, ainda mais, a limitação de recursos aos rizicultores, tudo isso, não faz prever o desenvolvimento da nossa produção.
Iremos reduzir os meios de pagamento e a produção, sendo que esta em proporção muito maior do que a dos meios de pagamento, porque o governo, à proporção que for desenvolvendo o seu programa, será obrigado a emitir cada vez mais, e emitir sem lastro, visto como não terá nem ao menos o recurso dos saldos da balança comercial para assegurar um lastro de ouro e divisas à sua emissão de papel-moeda.
Indiscutivelmente o anseio geral da nação brasileira em 1945 era a democracia. E democracia, ao que me parece, é o governo do povo. Nesse regime – que é aquele em que nos encontramos – existem três poderes: o Executivo, que executa, o Legislativo, consubstanciado nas duas Casas do Parlamento, que traça as diretrizes e faz as leis, e o Judiciário, que as interpreta e julga. O Parlamento delibera e o Executivo executa. Não me consta que tenhamos deliberado destruir a economia nacional.
No momento, o governo ainda está funcionando como uma ditadura, baseando muitas regulamentações e portarias em decretos-leis da ditadura que não foram revistos pelo Congresso. Em matéria econômica, tudo está decorrendo rigorosamente das autorizações legais expedidas por mim, pessoalmente, em benefício da economia ou na base de necessidades prementes do Estado e agora utilizadas contra a economia nacional.
Ninguém deu poderes ao Executivo para instalar uma ditadura econômica e financeira, que está funcionando como garrote sobre todas as forças da produção. Continuamos com uma ditadura mais rígida, mais severa, mais inabalável e irredutível do que a que se derrubou. O povo estava convencido de que tinha elegido o general Dutra presidente da República. Mas quem dirige a nação é o presidente do Banco do Brasil, impondo um programa que só tem como objetivo aumentar o valor do dinheiro, reduzindo os valores do trabalho e da iniciativa e aumentando, através da impossibilidade de receita, as forças políticas dos estados, obrigados, pela redução dos meios de pagamento, a recorrer a empréstimos ao governo federal, ficando inteiramente à sua mercê.
O presidente do Banco do Brasil tem desenvolvido as suas teorias largamente, chamando-as até de “palavras oraculares”, publicadas nos jornais e mencionadas no rádio, onde essa orientação econômica e financeira é amplamente explanada.
Já sabemos hoje o que não sabíamos há dois meses. E é muito porque todas as ilusões devem desaparecer. Os que sonharam uma democracia verificarão, dentro de pouco tempo, quando precisarem de recursos para suas administrações, quem é que governa, quem manda. O Brasil já fez várias experiências. Está fazendo mais uma.
DESGRAÇA
Por trás de toda essa cortina de fumaça o que se está fazendo é a construção do privilégio de todos os que possuem dinheiro. Num país onde tínhamos conseguido reduzir o valor do juro a cerca de 8%, voltamos ao índice elevado de 12%, representando mais 50% sobre o custo geral do dinheiro para as atividades nacionais.
Os homens que fizeram do Brasil um dos maiores produtores de seda do mundo, e que conseguiram lançar no mercado 7 milhões de quilos de casulos, este ano produziram apenas 2 milhões de quilos. Setenta por cento das fábricas de fiação de seda foram fechadas.
Estamos com o desemprego de cerca de 40 mil operários somente nessa indústria. Em Vila Americana já fecharam 200 pequenas tecelagens, paralisando-se 2.300 teares, com o desemprego de mais de 3 mil operários. Numa área de 65 mil hectares de terra, onde foram plantados 250 milhões de pés de amoreiras, já se derrubaram mais árvores, porque a desgraça é total.
A indústria de seda é essencialmente doméstica. Do plantio da amoreira e da criação do bicho-da-seda vivem, em São Paulo, 20 mil famílias de trabalhadores, homens, mulheres e crianças. Cerca de 130 milhões de cruzeiros foram aplicados nas fiações de seda e 500 milhões no plantio de amoreiras e na produção de casulos. O Brasil, que tem as condições técnicas mais perfeitas do mundo para ser o maior produtor de seda, foi destruído nesse setor de sua atividade, enquanto o Japão retoma os seus mercados. Isto tudo é ruína, e isto tudo é derrocada.
E então, eu me pergunto: por que lutamos nós? Por que foi que o Brasil mandou seus heróis aos campos de batalha da Europa?
Foi para ver, depois das vitórias, os vencidos tripudiarem sobre uma derrota que eles nos estão infligindo dia a dia, destruindo o bem-estar dos nossos lares e aniquilando os valores do nosso trabalho? Não!… Não caem bênçãos sobre as cabeças daqueles que semeiam a desgraça e a miséria nos lares dos trabalhadores.
PROGRAMA
Durante anos e anos enfrentei lutas terríveis contra os que, inabalavelmente, se colocavam no campo oposto ao progresso do Brasil. Durante anos e anos lutei contra monopólios, especuladores da nossa riqueza. Os advogados do carvão estrangeiro faziam conferências e escreviam livros contra o carvão nacional. Os advogados das siderurgias estrangeiras faziam contratos de cessão do nosso ferro, que não podia ser transformado em riqueza no Brasil. Nos conselhos e nas comissões davam-se pareceres contra a siderurgia nacional – inviável, fantasia, quimera –, carvão e ferro no Brasil não deviam existir, não deviam ser aproveitados.
E são precisamente dois ou três desses líderes que completam, com o presidente do Banco do Brasil, o doloroso quadro dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse.
A revolução brasileira me outorgou um mandato com a responsabilidade de um programa. Esse programa foi:
1º) nacionalização das jazidas minerais;
2º) nacionalização das quedas d’água e outras fontes de energia;
3º) nacionalização dos bancos de depósito;
4º) nacionalização das companhias de seguros;
5º) custo histórico para o capital estrangeiro, garantida a sua remuneração nessa base;
6º) criação da indústria básica.
Ainda relembro o programa traçado na entrevista de São Lourenço [N.HP: em 1938, entrevista em que Getúlio estabeleceu a meta de construir a primeira grande siderúrgica do Brasil: a CSN], programa esse ao qual tive o orgulho de dar o meu nome, mas que representou o objetivo das maiores expressões intelectuais do Brasil, consagradas à defesa nacional.
Tenho a satisfação de afirmar e provar que me desobriguei integralmente da delegação que me foi dada. Volta Redonda aí está, produzindo trilhos para o Brasil. O Vale do Rio Doce, caminho do nosso ferro, voltou a ser nosso, pois o recuperamos a uma concessão internacional. Os bancos estrangeiros não mais controlam a economia nacional. O Instituto de Resseguros aí está, para evitar o escoamento de nossas economias através de companhias estrangeiras. O petróleo surgiu na Bahia e já atende às necessidades de vários estados do Norte. Hoje, quando essas pesquisas deveriam ser intensificadas para se alcançar a evolução dessa fonte de riqueza e de vida, surgem vaticínios sombrios de que se pretende entregar nosso petróleo à exploração internacional.
LIBERTAÇÃO
Não tenho dados para fazer afirmações temerárias. Praza aos céus que não seja afetada a nossa soberania e tranquilidade. É bem possível que a fabricação da nossa crise, a restrição de meios de pagamento, a provocação de uma inquietação nos meios econômicos e financeiros do Brasil e a redução das nossas reservas cambiais tenham como objetivo demonstrar a impossibilidade financeira de o governo instalar refinarias e efetuar pesquisas de petróleo. Não desejo ser temerário nos meus julgamentos, mas conheço, por experiência, as lutas que tive de enfrentar e sei perfeitamente que, em matéria de petróleo, tudo que a nossa imaginação sugerir é pouco em face do que pode acontecer.
Sou forçado a concluir, diante do que está ocorrendo, que o que se está fazendo em nossa terra é iludir o chefe da nação, para provocar a nossa ruína, alcançar o esgotamento das nossas energias, a fim de que não tenhamos forças de controle sobre as riquezas que recuperamos. Nada mais do que isso. Os líderes da campanha contra a industrialização do Brasil não agem mais à sombra. Estão às claras. Caíram as máscaras!…
Não é a mim que se pretende destruir, e sim ao espírito de libertação do povo brasileiro, que me animou durante 15 anos de governo. É o espírito de libertação das energias nacionais, mantido vigilante e nobre pelo entusiasmo da nação.
Posso dizer, como Horácio, que ergui um monumento mais duradouro do que o bronze: é Volta Redonda, a única organização do mundo que se acha fora do truste internacional do aço.
O governo deve ser compelido, pela crise, pelas dificuldades financeiras, pela perturbação geral do país, a abrir mão de Volta Redonda e do Vale do Rio Doce. É bem possível que seja esta a origem da fabricação desta crise. E aqui ficam minhas palavras, como documento em defesa da vida nacional.
(continua)