Um amplo espectro de organizações políticas e sociais da oposição nicaraguense declararam seu “repúdio e desconhecimento” das eleições previstas para 7 de novembro, considerando-as “ilegítimas e nulas”.
Em documento divulgado na Costa Rica –país escolhido para o encontro frente às perseguições do regime de Ortega -, os opositores afirmaram que não existem condições para eleições livres na Nicarágua, já que o presidente Daniel Ortega e sua esposa, a vice-presidente Rosario Murillo, tentam “terminar com qualquer vestígio de verdadeira disputa eleitoral, levando à prisão sete pré-candidatos presidenciais, forçando ao exílio outros dois e cancelando a personalidade jurídica dos três últimos partidos políticos de oposição em condições de disputar”.
A declaração é assinada por organizações como a Unidade Nacional Azul e Branca (UNAB), Frente Democrática da Nicarágua (FDN), União Democrática Renovadora (UNAMOS), Movimento Camponês (MC), Articulação de Movimentos Sociais (AMS), Iniciativa pelo Câmbio (IPC) e grupos de exilados da Nicarágua.
Com a presença de entidades que representam o cerne do movimento político e social que derrubou a ditadura criminosa de Anastácio Somoza, de forças herdeiras do sandinismo, do qual o atual governo se pretende único representante.
A União Democrática Renovadora (UNAMOS), por exemplo, que tem origem no Movimento Renovador Sandinista (MRS), é um Partido fundado em 1995 por dissidentes da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) por profundas divergências com Ortega. Na sua direção estão a comandante guerrilheira Dora María Téllez, o ex-vice-presidente e escritor Sergio Ramírez, o ex-membro do diretório Nacional da FSLN, Luis Carrión Cruz, e o comandante guerrilheiro Hugo Torres. Aderiram depois o ex-prefeito de Manágua Herty Lewites e o ex-vice-chanceler Victor Hugo Tinoco.
A UNAMOS teve seu registro foi cassado por Ortega em 2016.
A estes setores ligados à origem do sandinismo têm se somado partidos e movimentos de centro, apoiados por empresários, camponeses e outros.
Em anexo, trazemos um resumo elaborado por Maria Mercedes Salgado, ex-diplomata do governo da Revolução Popular Sandinista no Brasil e doutoranda de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) sobre os setores que assinaram o documento*.
Após questionar a “repressão brutal” desencadeada em conseqüência das grandes manifestações sociais de abril de 2018, cujo estopim foi a regulamentação de uma “reforma” da previdência que aumentava as contribuições de trabalhadores e empresários, os opositores acusaram o governo de manter na cadeia “mais de 156 presos políticos, submetidos a torturas, tratamentos cruéis e degradantes” e de deslocar “à força mais de 140 mil nicaragüenses”, obrigados ao exílio nos últimos três anos.
Isolado internacionalmente e com o país sob a mais grave crise socioeconômica das últimas três décadas, o regime Ortega/Murillo radicaliza as medidas autoritárias e anti-democráticas. As prisões arbitrárias, voltadas a impedir que os atingidos possam se candidatar, se completam com mudanças nas regras eleitorais aprovadas recentemente pelo Conselho Superior Eleitoral, que favorecem abertamente a atual Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), transformada em um aparelho do presidente Ortega, e sua esposa, Rosario Murillo.
Na declaração, as organizações de oposição demandaram das Nações Unidas, da União Europeia “e de todos os países democráticos do mundo, que se somem a uma condenação coletiva da violação sistemática dos direitos humanos dos nicaraguenses, que declarem a ilegitimidade do processo eleitoral e desconheçam os resultados da farsa eleitoral montada pela ditadura Ortega/Murillo”.
Também solicitaram “exercer pressões efetivas” contra funcionários acusados de violar os direitos humanos, e condicionar o desembolso de recursos financeiros à “libertação de todos os presos políticos e à anulação de julgamentos ilegais, ao restabelecimento de liberdades constitucionais para todos os nicaraguenses ” e à aprovação de uma verdadeira reforma eleitoral e eleições legítimas”.
Ortega buscará sua terceira reeleição contínua e a segunda de Murillo como candidatos do partido governista Frente Sandinista. Ele foi presidente pela primeira vez entre 1985 e 1990 e voltou ao poder em 2007.
Nestas eleições, Ortega vai disputar com seis partidos políticos minoritários, vários dos quais já seus aliados no Parlamento depois de ordenar a prisão de candidatos à presidência que se inscreveriam nos principais blocos de oposição desde junho passado.
Em 7 de novembro serão eleitos um presidente, um vice-presidente, 91 membros da Assembleia Nacional e 20 do Parlamento Centro-Americano (Parlacen).
*Resumo das organizações que assinaram o documento chamando a comunidade internacional a desconhecer o processo eleitoral e a população nicaraguense a não votar
A coalizão é heterogênea. O grupo principal é a Unidade Azul e Branco (UNAB) que agrupa setores médios, esquerda democrática, movimentos sociais diversos que há muito tempo se opõem ao ‘orteguismo’ e setores das novas gerações diversos e plurais com demandas democráticas, libertárias, feministas e ecológicas, que lideraram a rebelião de abril de 2018. Também há setores rurais como o Movimento Campesino anti-Canal, e setores da fragmentada Resistência (antiga “contra”):
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A UNIDADE NACIONAL AZUL E BRANCO (UNAB) anunciou (09/09/2021) sua decisão de trabalhar exclusivamente na clandestinidade, para evitar que integrantes que permanecem no país sejam detidos, como já aconteceu com 12 de seus dirigentes desde 28 de maio passado.
Articulação dos Movimentos Sociais (composta por membros da UNAB)
Os movimentos sociais dessa articulação são: mulheres, feministas; estudantes; Lgbti+; indígenas; ambientalistas; defensores de direitos humanos; camponeses; anti-mineração extrativista; médicos e médicas; jornalistas e comunicadores; arquitetos.
Do seu site:
É um espaço de confluência e articulação social de mais de 60 movimentos e organizações de todo o país, incluindo redes de organizações. Somos um instrumento de promoção da luta pacífica dos cidadãos, um espaço autônomo de os partidos políticos, denominações religiosas, sem a influência de grupos de poder.
Objetivos: Lutamos por uma nova sociedade onde prevaleçam a integração, a participação, a inclusão, a diversidade, a democracia, o estado laico, a economia do bem-estar, mais e melhor educação e saúde, justiça social, dignidade, verdade, memória. Justiça, reparação e não repetição.
Estamos construindo coletivamente e de forma participativa um Programa Político que inclui as principais demandas por uma nova Nicarágua, onde para todas as pessoas, todos os direitos.
Apoiamos os esforços da Unidade Nacional para consolidar e unificar com todas as forças democráticas uma opção eleitoral que reflita as demandas de abril.
SÓ O POVO SALVA O POVO!
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UNIÃO DEMOCRÁTICA RENOVADORA (UNAMOS), antigo Movimento Renovador Sandinista (MRS), membro da UNAB.
Partido político fundado em 1995 por dissidentes da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). Na direção estão a comandante guerrilheira Dora María Téllez, o ex-vice-presidente e escritor Sergio Ramírez, o ex-membro do Diretório Nacional da FSLN, Luis Carrión Cruz, o comandante guerrilheiro Hugo Torres. Aderiram depois o ex-prefeito de Manágua HertyLewites, e o ex-vice-chanceler Victor Hugo Tinoco.
Seu registro foi cassado por Ortega em 2016.
Recrutaram jovens que lideram o partido com o apoio da antiga geração. Seis de seus membros da direção foram presos na última onda de repressão do governo Ortega.
Programa e novo nome foram aprovados na IX Convenção, janeiro de 2021
Do seu site:
Unamos é um partido democrático e progressista, formado por mulheres e homens que promovemos a construção de uma Nicarágua com oportunidades, progresso, solidariedade, democracia e sobriedade.
Profundamente comprometidos em criar oportunidades para cada um, aprimorar e desenvolver seus conhecimentos ao máximo, habilidades e aptidões para melhorar a sua vida, a de sua família, a de sua comunidade, e do país.
Assumimos um compromisso inabalável com o respeito e defesa dos direitos humanos, liberdades civis e justiça, como elementos essenciais para criar bases sólidas para o progresso duradouro e a democracia.
Acreditamos no progresso integral, democrático, livre de corrupção, com inclusão, socialmente e ambientalmente sustentável, da qual todos possamos usufruir.
Acreditamos que a Nicarágua precisa de instituições democráticas sólidas que sejam governadas com respeito ao direito e à lei.
Aspiramos a um crescimento econômico que tire da pobreza a centenas de milhares de nicaraguenses.
Queremos uma Nicarágua solidária, sem discriminação ou marginalização de qualquer pessoa por qualquer motivo; com maior equidade entre mulheres e homens; que valorize o esforço e o potencial dos jovens; que cumpra com o respeito e promoção dos direitos humanos de cada nicaraguense; uma sociedade sem violência e em paz.
Nossa soberania é nosso bem comum. É o direito que temos sobre nosso território e recursos, sobre nosso destino como nação independente, no desenvolvimento da nossa sociedade. A Nicarágua deve ser soberana e é nosso compromisso defender nossa integridade territorial e os direitos de nicaraguenses para desfrutar de nossas riquezas.
Construindo a esperança.
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MOVIMENTO CAMPONÊS DA NICARÁGUA
O Movimento Camponês foi fundado originalmente em 2013, com o objetivo de barrar o projeto do Grande Canal Interoceânico da Nicarágua, que, segundo o Governo, estaria concluído em 2018, mas que ainda não começou.
O movimento camponês era o único que protestava contra o governo desde 2013, quando a Assembleia aprovou a lei do canal, e juntou-se aos protestos iniciados pelos estudantes e que colocaram o governo nas cordas em 2018.
De acordo com o Movimento Camponês da Nicarágua, mais de cem opositores de áreas rurais morreram em ataques armados do governo desde o levante popular contra Ortega em abril de 2018.
Três líderes do movimento estão presos, entre eles o pré-candidato à presidência, Medardo Mairena. Centenas estão no exílio na Costa Rica, incluindo Dona Chica Ramírez que liderou as mais de 100 marchas contra a construção do Canal entre 2013 e 2018. Ela e 80 famílias camponesas exiladas alugaram terras e produzem feijão, milho, mandioca na Costa Rica.
Os atuais líderes do movimento camponês eram crianças durante a revolução, mas são lembrados pelas gerações mais velhas dos conflitos no campo e não tem nenhuma simpatia pelo governo, menos ainda com o episódio do Canal.
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FRENTE DEMOCRÁTICA NICARAGUENSE (FDN) conhecida como a “Contra”
É bom lembrar que os camponeses (pequenos proprietários) tiveram uma participação pequena no último trecho da luta contra Somoza. A FSLN teve certo apoio camponês durante o final dos 1960 e início dos 1970, porém, a guerrilha sandinista ficou isolada depois que os camponeses foram duramente reprimidos pela Guarda Nacional de Somoza.
Na época de sua desmobilização e reintegração na vida civil, 72% dos Contra eram camponeses, de acordo com a Comissão Internacional de Apoio e Verificação da OEA de 1998. A mesma fonte revela que 60% tinham menos de 25 anos.
Como explicar que os camponeses tenham dado seu apoio à Contra?
A base social da Contra era composta, primeiramente, pelos antigos participantes do regime somozista (pessoal e militares da Guarda Nacional e suas famílias, funcionários do governo deposto, etc.) e por “sócios” da família Somoza (empresários e detentores de propriedades que se beneficiavam de acordos econômicos estabelecidos com a ditatura então vigente). Gradativamente, se incorporaram a hierarquia da Igreja Católica (resposta quase natural do traço conservador nicaraguense, oposto a grandes transformações sociais e políticas), demais profissionais e empresários reunidos no Conselho Superior da Empresa Privada (COSEP – insatisfeitos com a estatização dos setores de produção e pelo rígido controle econômico imposto pela FSLN) e, por fim, camponeses e populações indígenas da Costa Atlântica (dois grupos que foram afetados em seu modus vivendi e, ao mesmo tempo, receberam pouca atenção do regime sandinista).
A atuação sandinista no cenário rural do país levou em consideração especialmente a questão de acesso à terra. Assim, um plano de reforma agrária foi elaborado e implementado ainda nos primeiros meses de governo da Frente Sandinista. A proposta de reforma agrária indicava a pretensão da unidade nacional e hegemonia popular, gerando auto-abastecimento alimentício, geração de divisas através do setor agroexportador e a organização social (e política) da produção (Cf. Lei de Reforma Agrária, Decreto n.782 de 19 de julho de 1981).
O governo sandinista e sua estratégia de implementação de cooperativas no setor rural nicaraguense progressivamente foram gerando descontentamentos nos camponeses historicamente organizados numa estrutura sociopolítica em que patrões, pequenos camponeses e redes comerciais (mercado) se relacionavam e que para os atores não eram necessariamente antagonistas. Como pontuou Martí i Puig (2001, p. 20), no campo, a identidade de ocupação era muito mais forte do que uma possível identidade de classe; ou seja, baseada em lealdade, respeito pelo mais forte (social, política e economicamente falando) e assistência paternalista deste último com o mais fraco, as relações interpessoais camponesas envolviam o reconhecimento da condição e a busca por suprir as necessidades econômicas e sociais da comunidade, mais do que simples possíveis vínculos ideológicos.
O governo sandinista lançou programas e projetos de desenvolvimento para o campo que romperam a identidade cultural, social e econômica dos camponeses, historicamente construída e estabelecida; identidade essa em que os laços pessoais eram mais importantes que os institucionais. No meio do fogo cruzado entre o governo e a contrarrevolução, os camponeses tomaram partido a favor do movimento contrarrevolucionário como uma questão de sobrevivência e não de inclinação política. Sob o fogo cruzado de dois setores que promoviam pressões visando apoio, e consequentemente se utilizavam da força para tal (violência, tortura, assassinatos), os camponeses foram obrigados a definir uma posição e não foi a favor da revolução.
Ao longo de todos os anos de guerra, foram os camponeses que mais sofreram, dos dois lados. Desde a derrota eleitoral, a política do FSLN tem sido acelerar os esforços para buscar uma aliança com todos os camponeses. Entre esses esforços está o firme apoio às demandas dos desmobilizados da Contra – principalmente camponeses – que demandam terras, crédito, insumos e outros apoios governamentais. A União Nacional UNAG tem trabalhado intensamente com algumas lideranças da Contra para conseguir a convivência entre os deslocados da Contra e as cooperativas sandinistas, com o objetivo de garantir benefícios materiais para todos.
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UNIDAD JUVENIL Y ESTUDIANTIL membro da UNAB
Plataforma Nacional Juvenil
@PNJ_Nica
-Direitos humanos
-Participação política
-Emprego para os jovens
-Educação de qualidade
Somos a Plataforma Nacional da Juventude!
Em 7 de novembro não dê seu voto!
O regime ditatorial de Ortega e Murillo privou os eleitores do direito de eleger democraticamente seus candidatos, encarcerando-os.
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INICIATIVA PELO CÂMBIO
Do seu site:
Formado em 2019 após as manifestações de 2018, é uma iniciativa de um grupo de nicaraguenses da sociedade civil com o objetivo de apresentar uma proposta concreta para a mudança da ditadura à democracia incitando a população a participar por meio da luta cívica e pacífica.
Para superar a grave crise na Nicarágua é imprescindível o fim da ditadura de Ortega e a formação de um governo de Transição Nacional como garantia da governabilidade do país.
Alcançar uma Nicarágua com liberdade plena, justiça absoluta, verdadeira democracia e direitos iguais para todos os cidadãos que cumpram nossas leis e constituição.
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FUNADEC – Organização da diáspora nicaraguense nos Estados Unidos
A FUNADEC foi criada em 2006 com o objetivo de promover os valores culturais dos nicaraguenses nos Estados Unidos e participar de atividades beneficentes e educacionais em Houston e arredores.
Devido à atual crise sócio-política na Nicarágua, que eclodiu em abril de 2018, a FUNADEC tem prestado ajuda humanitária aos nicaraguenses exilados na Costa Rica e aos nicaraguenses que chegam à fronteira EUA-México em busca de asilo político.
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ASOCIACIÓN DE MÉDICOS NICARAGÜENSES EN EL EXILIO – AMNE
Jovens expulsos da UNAN-Manágua combinam seu trabalho na Costa Rica com atendimento médico gratuito para nacionais daquele país ou da Nicarágua.
Em abril de 2018, estudantes de enfermagem, medicina, odontologia e psicologia deixaram suas salas de aula para distribuir suprimentos médicos, extrair balas e costurar feridas em trincheiras universitárias. Meses depois, fanáticos do governo os perseguiram e ameaçaram de morte, forçando 28 estudantes e 24 médicos ao exílio na Costa Rica, onde formaram a Associação Unidade Médica da Nicarágua- Seção Costa Rica (ASUMN-CR).