“O problema é que o STF autorizou os estados e municípios a agirem de outro jeito”, disse Bolsonaro, fazendo também insinuações contra a origem do vírus
O mundo está se convencendo rapidamente de que a população brasileira tem toda razão ao querer se livrar o mais rapidamente possível de Jair Bolsonaro. Quanto mais ele viaja ao exterior, mais os chefes de Estado e amplos setores da opinião pública percebem que o atual ocupante do Planalto, além de negacionista e bajulador de Trump, é também um sociopata incorrigível.
A conversa com o diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom, uma das poucas bilaterais que o ‘capitão cloroquina’ conseguiu em sua viagem à reunião do G20, na Itália, é bem ilustrativa disso.
Diante da tragédia que paralisou a economia mundial e já matou mais de 5 milhões de pessoas em todo o planeta – mais de 607 mil só no Brasil -, Bolsonaro dava gargalhadas, ao perguntar a Adhanom qual era a origem do vírus.
A provocação tinha endereço certo: a China. Foi uma pergunta bem ao estilo dos serviçais da Cia e da Casa Branca. A intenção não passou desapercebida ao diretor da OMS, que respondeu rapidamente e mudou logo de assunto. “Ainda estamos estudando. Nós precisamos saber. É muito importante”, disse Adhanom.
Vendo que não tinha conseguido arrastar o diretor da OMS para o seu pântano da bajulação, Bolsonaro retrucou dando mais gargalhadas: “boa resposta”, disse ele.
O diretor da OMS, então, tentou mais uma vez mudar de assunto. Falou sobre um prêmio que recebeu de Michel Temer, quando este esteve na Presidência.
No entanto, Bolsonaro insistia nas provocações. Dessa vez, atacando as autoridades sanitárias, o Supremo Tribunal Federal e os governadores e prefeitos brasileiros como se eles fossem culpados pela tragédia brasileira. Disse que eles agiram sem base científica.
Ele que sabotou – e segue sabotando até hoje – a vacinação dos brasileiros, acusou os prefeitos o governadores de “agirem sem base científica”. Talvez essa “piada” é que tenha sido o motivo real das gargalhadas. Seria o caso do diretor ter perguntado a Bolsonaro o motivo de tanto riso.
Não foi o que aconteceu. Adhanom talvez não tivesse ainda a consciência completa do grau de cinismo de seu interlocutor. Ele estava diante de uma pessoa que não se vacinou até agora, que foi banido das redes sociais por dizer que as vacinas da Covid podiam causar Aids, que promoveu aglomerações e que combateu as máscaras. Ou seja, estava diante uma pessoa que combateu todas as orientações dadas pela OMS e que, ao mesmo tempo, estava dizendo que agia com a ciência.
BRASIL É O SEGUNDO DO MUNDO EM NÚMERO DE MORTOS
Este mesmo negacionista estava acusando os governadores e prefeitos, que fizeram de tudo contra a expansão do vírus, de “não seguirem a ciência”.
A “ciência” a que se referia Bolsonaro, nesse caso, é o charlatanismo do uso da cloroquina, da ivermectina e a aplicação da tese genocida da imunidade de rebanho. Essa “ciência” realmente foi rechaçada por boa parte dos brasileiros. Se tivesse prevalecido o que queria Bolsonaro, a tragédia do país certamente seria ainda maior. Não fosse o governo de SP e a vacina do Butantan, duramente combatidos por Bolsonaro, o Brasil estaria um inferno até hoje
Depois ele reclama de que está sendo chamado de genocida nas ruas por toda a parte onde ele vai. Agrediu a imprensa porque, segundo ele, ela não diz a verdade. Mandou até seus seguranças darem socos e pontapés em repórteres nas ruas de Roma.
A verdade é que o Brasil tornou-se o campeão mundial de mortos por milhão de habitantes e o segundo do mundo em número absoluto de mortes pela Covid-19, perdendo apenas para os EUA.
Sua pregação criminosa pela imunidade de rebanho, sua sabotagem às vacinas e o estímulo permanente à desobediência às normas sanitárias, resultaram na morte evitável de centenas de milhares de pessoas. O imunologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, calculou esse número em cerca de 400 mil pessoas. São pessoas que poderiam ter escapado da morte não fosse a sabotagem de Bolsonaro às vacinas e às medidas sanitárias.
A situação só não foi pior porque houve uma resistência enorme por parte dos governadores, prefeitos, STF, médicos, imprensa, etc. Ele reclamou do STF para Adhanom. Disse que o tribunal “criou um problema” ao permitir que os estados e municípios lutassem contra o vírus. Para Bolsonaro, esse realmente foi um problema, porque defendia a infecção generalizada das pessoas como método mais eficiente de imunização. Chegou a defender isso em discurso na Assembleia Geral da ONU.
A CPI da Pandemia, que concluiu recentemente os seus trabalhos, avaliou que há provas contundentes de que Bolsonaro cometeu nove crimes, entre eles o crime de epidemia agravado com mortes. Foram mortes que poderiam ter sido evitadas se as medidas sanitárias recomendadas pela OMS fossem tomadas. Os senadores concluíram que Bolsonaro trabalhou incansavelmente pelo vírus e pela charlatanice da cloroquina.
A intenção de Adhanom era ter uma conversa séria com Bolsonaro, mas logo percebeu que isso era impossível. Em sua página no Twitter, o diretor da OMS disse que queria discutir a ampliação do uso de vacinas na América Latina. “Discutimos o potencial do Brasil para a produção local de vacinas e tratamentos, o que também poderia atender às necessidades da América Latina e do mundo”, escreveu Tedros. Ele até gostaria que a discussão fosse essa, mas Bolsonaro só estava interessado em usar a conversa para seguir atacando as vacinas.