Jair Bolsonaro afirmou, na quarta-feira (3), que a líder indígena Txai Suruí foi à COP26 para “atacar o Brasil”.
De volta ao cercadinho do Alvorada, depois de vadiar pela Itália, de onde voltou com as mãos vazias, o capitão, no seu velho estilo, disparou:
“Estão reclamando que eu não fui para Glasgow. Levaram uma índia para lá – para substituir o [cacique] Raoni- para atacar o Brasil. Alguém viu algum alemão atacando a energia fóssil da Alemanha? Alguém já viu atacando a França porque lá a legislação ambiental não é nada perto da nossa? Ninguém critica o próprio país. Alguém viu o americano criticando as queimadas lá no estado da Califórnia. É só aqui”.
É preciso reprisar algumas questões para que o leitor não seja levado pela enrolação de sua excelência.
Bolsonaro não foi a Glasgow para evitar um vexame ainda maior. Seu vice, general Hamilton Mourão, ao dizer que Bolsonaro seria alvo de muitos ataques, confirmou que sua ausência à cidade escocesa buscava poupá-lo de outra humilhação.
A política desse desgoverno em matéria ambiental conseguiu promover o isolamento do país a um degrau absolutamente inédito.
Basta reavivar os incontáveis episódios de desmanche das medidas protetivas que, bem ou mal, o Brasil havia conquistado, acompanhado do criminoso desmonte dos instrumentos públicos responsáveis pelo setor, como denunciou, ainda ontem (3), outra mulher, nascida nos seringais amazonenses, ex-ministra do Meio Ambiente e presidenciável, Marina Silva (https://horadopovo.com.br/marina-promessa-do-governo-na-cop26-e-falsa-porque-mantem-desmonte-do-ibama-inpe-e-icmbio/)
Apenas os latifundiários desmatadores que agem ao arrepio da lei aplaudem essa insanidade.
Bolsonaro ficou incomodado por não ter visto na tribuna da COP26 nenhum alemão ou francês criticando as políticas de seus respectivos países.
Certamente, não questionou o motivo desse fato, já que eles, franceses e alemães, estavam muito mais próximos do evento do que qualquer brasileiro. Seria muito para o capitão.
França, Alemanha e outros países europeus, diferentemente de Bolsonaro, reconhecem que ainda não superaram seus dilemas no terreno ambiental, não os negam, e, invariavelmente, diante da gravidade da situação que afeta todo planeta, adotam uma política oposta à do governo brasileiro.
Mas o que incomodou, mesmo, Bolsonaro foi o fato de uma liderança indígena, jovem e mulher, herdeira dos povos nativos do país, ter conquistado uma audiência muito maior que a dele – essa, restrita às hordas de extrema-direita que ainda subsistem na política italiana, herdeiros do ditador Benito Mussolini, cujas motociatas parecem ter inspirado bastante o brasileiro.
Bolsonaro, é verdade, esforçou-se para sair do discurso terraplanista a que está habituado, mas nem mesmo isso foi capaz de conferir alguma credibilidade às suas palavras, muito menos aos tratados que assinou, sobre os quais seu compromisso é zero.
O gesto cínico não passou de uma farsa e ficou flagrante para todos.
São três anos de governo e três anos de desastre ambiental – sem falar na sanitária, na econômica e na social, sobejamente conhecidas pelos líderes que se encontravam na Itália e que evitaram se encontrar com o presidente brasileiro.
O atual ocupante do Planalto virou, literalmente, um pária e forte motivo de vergonha nacional.
O relatório mais recente da ONG Global Witness aponta que o Brasil é o 4º país com mais assassinatos de defensores ambientais. Os dados apontam para mais de 70% dos casos na Amazônia e metade deles tendo como alvo povos tradicionais indígenas e ribeirinhos.
O governo cortou em 93% os gastos para estudos e projetos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas nos três primeiros anos da sua gestão quando comparado com os três anos anteriores.
Os dados foram levantados recentemente pela BBC News Brasil por meio do Sistema Integrado de Orçamento do Governo Federal (Siop). Entre janeiro de 2016 e dezembro de 2018, os investimentos nessa área foram de R$ 31,1 milhões. Na atual gestão, porém, ficaram reduzidos a apenas R$ 2,1 milhões.
Nenhum outro chefe de Estado brasileiro, em nenhum outro tempo, nem mesmo na velha república, conseguiu tal feito.
Nesse ponto, é único e ficará para a história, ou melhor, para sua lixeira.
Quanto à jovem indígena de apenas 24 anos, com um discurso de menos de uma dezena de parágrafos na reunião global do clima da ONU, fez história, pois falou, não apenas pelo seu povo, mas por toda nação, o que não se viu em Bolsonaro.
Não por outro motivo chamou a atenção de vários líderes de importantes países presentes.
O que disse ela:
“Hoje o clima está esquentando, os animais estão desaparecendo, os rios estão morrendo, nossas plantações não florescem como antes. A Terra está falando. Ela nos diz que não temos mais tempo”.
“Enquanto vocês estão fechando os olhos para a realidade, o guardião da floresta Ari Uru-Eu-Wau-Wau, meu amigo de infância, foi assassinado por proteger a natureza”.
“Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática, por isso devemos estar no centro das decisões que acontecem aqui.”
Como vemos, nenhum ataque ao Brasil, mas, sim, às políticas praticadas pelo atual governo e seus poucos congêneres internacionais.
É natural e muito compreensível que o discurso da líder indígena tenha mexido com os brios do capitão.
Darcy Ribeiro, um dos maiores estudiosos da cultura indígena e, por que não dizer, da alma nacional, denunciava a herança do “torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista”.
Bolsonaro é o próprio. As adversidades são intoleráveis para ele, um neofascista de carteirinha, incapaz de se defrontar com a realidade exibida por uma mulher índia, que ele tentou, sem sucesso, jogar para debaixo do tapete.
Txai Suruí falou com a mente e o coração. Falou pelo Brasil que o capitão tenta capturar desesperadamente, razão pela qual qualquer crítica a ele e ao seu governo constitui uma crítica ao país.
Não!
Bolsonaro sequer é uma caricatura do Brasil e, sim, a sua desonra.
É um acidente político cujos dias estão contados – e isso, seguramente, o tornará cada dia mais intragável e disposto ao tudo ou nada para buscar salvar ou dar continuidade ao seu trágico mandato.
Txai Suruí, sem citar o nome do presidente e em poucas palavras, revelou ao mundo que o Brasil não é Bolsonaro, muito pelo contrário, demonstrando que quem ataca (para usar o verbo do capitão) nosso país é ele e seu infame governo, e não os povos indígenas.
Valeu Txai Suruí!
MAC