O revolucionário portorriquenho, Oscar López Rivera, que conquistou sua liberdade após 35 anos em prisões norte-americanas, concedeu entrevista ao jornal turco Evrensel Daily. A matéria foi traduzida ao espanhol por Felipe Lagos-Rojas para o portal Rebelion.
Sob as leis dos Estados Unidos, Porto Rico é definido como “um ‘território não incorporado dos Estados Unidos’”. A ilha do Caribe se declarou em bancarrota em maio de 2017 devido à dívida pública. A seguir, em setembro de 2017, sofreu a enorme devastação causada pelo furacão Maria.
Oscar López Rivera, líder popular da luta pela independência de Porto Rico, foi encarcerado em 1981 sob acusações de “conspiração contra a autoridade dos Estados Unidos” e, sentenciado, foi levado às prisões de Marion (Illinois) e ADX Florence (Colorado): 35 anos, com mais de 12 transcorridos em confinamento isolado. Rivera, que já militou nas Forças Armadas de Libertação Nacional (FALN), independentistas, está sendo chamado de “Nelson Mandela das Américas”. Oscar López Rivera denuncia que os Estados Unidos violam as leis internacionais e cometem colonialismo.
Segue a entrevista:
Everen Daily – Privatizaram tudo. Quais são as demais consequências econômicas e sociais de que Porto Rico seja um país dependente, sob a colonização dos EUA?
López Rivera – Bem, a economia de Porto Rico é terrível. Tem sido assim desde o momento em que os Estados Unidos invadiram e ocuparam Porto Rico em 1898. Nós nunca fomos capazes de desenvolver nosso próprio mercado interno. Temos sido totalmente explorados. Cada centavo, cada dólar que se faz em Porto Rico entra em algum banco dos EUA. Anualmente, bilhões de dólares saem de Porto Rico. E ao mesmo tempo está havendo este processo de privatizar tudo o que é propiedade do povo de Porto Rico, querem privatizar tudo o que é público.
Nós perdemos nossa companhia telefônica, a Compañía Telefónica de Puerto Rico, em 1998.
Foi privatizada. O ediíicio onde havia gente as 24 horas do dia, é hoje um prédio vazio. É o escombro de um edifício. Temos todos aqueles trabalhadores que foram obrigados a deixar Porto Rico e vir aos Estados Unidos, o único lugar no qual podem encontrar trabalho. A mesma coisa sucedeu com o aeroporto. O mesmo com as estadas. Com os hospitais. Podemos dizer hoje que o sistema de saúde de Porto Rico é uma vergonha total. Não existe. Porque despois do furacão os portorriquenhos perceberam quão ruim é a situação hospitalar no país. É a vida dos portorriquenhos que é ameaçada, pois as condições de saúde são terríveis. Assim é que rapidamente seguem se deteriorando as condições de vida do povo.
O portorriquenho de hoje vive em uma colônia dos Estados Unidos. Agora, quero deixar claro este ponto: o colonialismo é um crime contra a humanidade. Desde 1898, os Estados Unidos veem cometendo esse crime contra os portorriquenhos. E necessitamos que Porto Rico seja uma nação independente e soberana. É por isso que queremos que Porto Rico seja descolonizado. EUA reprimiu todo o movimento pela liberdade. Por que Puerto Rico ainda não logrou sua independência? Quais são os fatores por trás disto? Porque os EUA foi capaz de reprimir todo o movimento. Eu sou uma pessoa que passou 35 anos no cárcere. Porque lutei pela independência de Porto Rico. Mas, historicamente, desde 1898 – por 120 anos – os portorriquenhos que querem ou queriam que Porto Rico seja uma nação independente e soberana foram parar na prisão.
ED – Sr. Rivera, na semana passada o senhor visitou municípios em Porto Rico. O que viu? Como poderia caracterizar a situação recente, posterior ao furacão, em Porto Rico?
LR -A situação em Porto Rico é, provavelmente a pior situação que já senti, provavelmente nos últimos 70 anos. Porque o único momento em que tivemos tal experiência foi quando Estados Unidos estava na Grande Depressão logo após 1929, e Porto Rico sofreu com essa depressão seis vezes mais do que os estadunidenses sofreram. E hoje, durante os últimos 20 anos, temos enfrentado a mesma situação econômica: exploração, privatização. E, desde o furacão não temos sido capazes de colocar Porto Rico em uma situação que se poderia chamar de habitável. Há povoados com 72% de sua população sem electricidade, gente sem água, gente que não tem casa. Essas são as condições que Porto Rico enfrenta. Agora mesmo as escolas públicas foram fechadas.
ED – Como foi afetada a luta pela independência por eventos como a crise econômica, na qual o país foi declarado em bancarrota, o com o referendo no qual foi articulada uma demanda para que fosse declarado um Estado dos EUA?
LR – Primeiramente, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma lei durante a administração de Obama: que eles possuem o que se denomina Equipe de Controle Fiscal [Fiscal Control Board]. Sete pessoas, nenhuma delas eleita pelo povo de Porto Rico nem escolhida pelo nosso povo, mas indicadas por Washington. Essas sete pessoas determinam o que vai acontecer em Porto Rico.
No ano passado, 157 escolas públicas foram fechadas em Porto Rico. A ameaça é, agora, porque eles querem fechar mais 300 escolas. Falam em despedir ao redor de 7.000 professores. Se isso se converte em lei, provavelmente perderemos 7.000 professores ou mais, isso pode atingir 10.000 professores. Esses são professores que necessitamos para ter um sistema educacional em Porto Rico. E esse não é um problema que lhes concerna. O que eles querem é obter pagamentos sobre uma dívida descarada e criminosa de 74 bilhões de dólares, da qual o governo dos Estados Unidos tem cumplice em produzir e criar. Temos solicitado uma auditoria para que nós o povo de Porto Rico, conheçamos exatamente como foi gasto o dinheiro.
Nos têm negado qualquer oportunidade, e cada vez que fomos à Justiça, a cada solicitação, nos têm dito que não haverá uma auditoria da dívida. Agora, quem são os que têm tal dinheiro? Para quem foram os 74 bilhões de dólares? Não o sabemos. Gostaríamos de saber.
Everen Daily – Há alguma rede de solidariedade no Caribe entre forças locais anti-imperialistas, anti-colonialistas e anti-capitalistas?No Caribe temos Cuba como modelo. Na América do Sul, temos a Bolívia. Países que estão funcionando. São países nos quais não importa o quanto os Estados Unidos estejam querendo rever suas economias e ocupar seus governos, têm sido capazes de sobreviver. Assim, não faltam os exemplos de países com povos capazes de se unirem, de se auto-governarem apesar dos Estados Unidos não pararem de interferir. Os povos são os que têm impedido a América de controlar seus países.
Querem controlá-los. Querem de volta as oligarquias, querem de volta a dominação nestes países que anseiam por um sistema diferente, que represente os interesses das pessoas do povo, não os interesses de uns poucos privilegiados. São países que realmente se movem e que, espero, sigam se mobilizando e que mais e mais países alcancem uma transformação, sistemas políticos e econômicos que correspondam às necessidades das pessoas, seja na Argentina, no Brasil ou no Uruguai, Chile e Colômbia.
Seja como for, qualquer país, seja na América do Sul, na América Central ou no Caribe, tem seu poder, seu governo e há aqueles onde o governo representa o interesse do povo. Não é este o caso de Porto Rico onde o governo dos Estados Unidos representa os interesses dos Estados Unidos, não os interesses do povo porto-riquenho.
ED – Há um ano você conquistou a liberdade. Foi um lutador pela liberdade e segue sendo. Quais os seus planos e sugestões para a independência de Porto Rico?
LR – Bem, nossa meta agora é descolonizar Porto Rico. Estamos dizendo algo muito simples, uma mensagem muito simples. Se amamos Porto Rico, se amamos nossa cultura, se amamos nossa identidade, se amamos nosso modo de viver, então temos que lutar por Porto Rico e descolonizar Porto Rico. Uma nação porto-riquenha é viável. Uma nação porto-riquenha pode ser criada e ser uma nação muito forte. Temos que trabalhar com afinco para fazer o que deve ser feito. Temos recursos humanos. Temos recursos naturais. Temos também o potencial para transformar Porto Rico na nação que pode ser. Creio que somos capazes de fazê-lo. Definitivamente lutaremos até nosso último alento para fazer de Porto Rico a nação que pode ser. Temos que lutar, temos que combater. E baseados no amor, vamos descolonizar Porto Rico.
Os Estados Unidos tem sido capazes de escapar do que estão fazendo ao nosso país. Porque o resto do mundo às vezes ignora as atitudes dos Estados Unidos, ou às vezes passam à condição de seu aliado. Assim que, neste momento particular, deveria estar nas mãos de Assembleia Geral da ONU tomar posição e deter a colonização de Porto Rico, fazendo com o governo dos Estados Unidos respeite as leis internacionais. Porque as leis internacionais consideram o colonialismo um crime contra a humanidade. E o mundo inteiro deveria respaldar Porto Rico quanto a este problema da colonização.