
“O que puxa os preços cada vez mais para cima? Poder corporativo sem controle”, é o título da matéria do ex-secretário (nos EUA, cargo equivalente a ministro) do Trabalho, Robert Reich, publicada no dia 21 de dezembro no portal Common Dreams.
Com essa concentração de poder na mão das grandes corporações, “4 milhões a mais de trabalhadores desempregados, em relação à situação de antes da pandemia, e milhões de trabalhadores sem receber o reajuste que merecem”. Isso, avalia Reich, torna a economia mais lenta e a mantém em crise.
Reich, que também é professor de Políticas Públicas da Universidade de Berkeley, ainda projetou e dirigiu o documentário “Salvando o capitalismo”, no qual atua e pode ser visto na Netflix. No filme, Reich mostra a atuação dos lobistas a favor dos bancos e corporações e as concessões a esse lobby por Bill Clintou, o que resultou no fracasso de seu governo em cumprir seus compromissos de campanha, transformou seu mandato na continuação das concessões de ex-presdentes republicanos, a exemplo de Ronald Reagan, tal submissão tem como resultado uma enorme insatisfação entre os trabalhadores e seus familiares nos Estados Unidos, como mostra o documentário que também explicita as razões da renúncia do próprio Reich. O link para o trailer do filme – legendado em espanhol – está ao final do artigo .
Segue o artigo do ex-secretário:
ROBERT REICH
A verdadeira razão para a inflação é clara: a crescente concentração da economia norte-americana nas mãos de um pequeno número de gigantes corporativos com o poder de elevar os preços.
Na semana passada, o comitê de políticas do Federal Reserve Bank (FED) anunciou que suspenderia seu programa de compra de títulos, assim como elevaria os juros básicos mais cedo que se esperava. “A inflação é mais persistente e maior, e o risco de que permaneça mais elevada aumentou”, declarou o presidente do FED, Jerome Powell.
Traduzido: Powell e o FED estão a ponto de desacelerar a economia – ainda que estejamos ainda com 4 milhões de empregos a menos do que estávamos antes de pandemia e, assim, milhões de trabalhadores norte-americanos não recebem os reajustes que mercem.
Isso é um grande erro. O remédio de Powell não tem qualquer realação com a real razão para a inflação: a crescente concentração da economia norte-americana nas mãos de relativamente poucos gigantes com o poder de elevar preços.
Em resumo, não é uma inflação abstrata que leva ao atual crescimento dos preços. É o poder corporativo que provoca iisto.
Se o mercado fosse competitivo, as empresas manteriam seus preços mais baixos para prevenir que os competidoes levassem seus clientes. Mas eles elevam os preços mesmo quando desfrutam de lucros recordes. Como isso é possível? A resposta é que eles têm tanto poder de mercado que podem elevar os preços impunemente.
O problema de fundo não é a inflação em si. É a falta de competição. As corporações usam a desculpa da inflação para elevar preços e usufruir mais lucros.
No mês de abril , a corporação Procter & Gamble (P&G) anunciou que iria cobrar mais do consumidor para produtos que vão desde grampos a papel higiênico, citando “elevação dos custos de matéria prima, a exemplo de resina, polpa e mais gastos para transporte dos produtos”.
Isso é bobagem. A P&G continua a acumular gigantescos ganhos. No trimestre que termina em 30 de setembro (depois dos seus preços mais altos entrarem em efeito) ela informou uma enorme margem de lucro de 24,7%. E até gastou US$ 3 bilhões comprando de volta suas próprias ações.
A razão pela qual ela pode aumenta os preços e drenar mais dinheiro é que a P&G não enfrenta quase nenhuma competição. O filé do mercado de grampos (para dar um exemplo) é controlado por apenas duas empresas – P&G e Kimberley Clark – que coordenam seus preços e sua produção. Não pode ter sido coincidência que a Kimberley Clark tenha anunciado subida nos preços similar ao anúncio da P&G e ao mesmo tempo.
Ou podemos considerar outro duopólio de produtos ao consumidor – Pepsi Cola (empresa que tem como subsidiárias a Frito-Lay, Gatorade, Quaker, Tropicana e outras linhas) e a Coca-Cola. Em abril, a PepsiCo anunciou que estava elevando preços, culpando “custos mais altos de alguns ingredients, frete e salários”. Pura conversa. A empresa não estava obrigada a elevar os preços de seus produtos. Ela informou de US$ 3 bilhões de lucros operacionais só no mês de setembro.
Se a PepsiCo tivesse que enfrentar uma dura competição, ela não daria conta dessa elevação nos seus preços. Os seus consumidores desertariam para competidores com produtos mais baratos. Mas a PepsiCo claramente conspirou com a Coca-Cola, sua única importante competidora. Esta última anunciou elevação similar de preços e um crescimento na margem de lucro para 28,9%.
Metade do recente aumento de preços no varejo tem sido cobrado pelos derivados de carne – bovina, de porco e de frango. Apenas quatro grandes conglomerados controlam a maioria do processamento de carne. Elas estão elevando os preços – e coordenando a elevação de seus preços – mesmo em meio de uma obtenção de lucros recordes. Aqui também usam a “inflação” como pretexto.
Esta mesma tendência pode ser observada ao longo de toda a economia norte-americana.
Desde os anos 1980 até os dias de hoje, dois teços de toda a indústria dos EUA se tornou mais concentrada. A Monsanto agora estabelece o preço da maior parte das sementes vendidas na nação. Wall Street está consolidada em conjunto com os grandes bancos. As companhias aéreas fundiram de 12 em 1980 para quatro nos dias de hoje e controlam 80% dos assentos na capacidade doméstica.
A fusão da Boeing com a McDonnell Douglas deixou os Estados Unidos com apenas um único grande produtor de aeronaves para uso civil, a Boeing. Três companhias de TV a cabo dominam as bandas largas predominantes, Comcast, AT&T e Verizon. Quanto ao número de grandes corporações da indústria farmacêutica, o controle da maior parte da produção está nas mãos das corporações Pfizer, Eli Lilly, Johnson & Johnson, Bristol-Myers Squibb e Merck.
Toda essa concentração dá às corporações o poder de aumentar os preços, porque se torna fácil para elas coordenar esta elevação com o limitado número de demais corporações no mesmo setor sem se arriscarem à possível perda de clientes que ficam sem alternativas.
Em resumo, não é a inflação que provoca a elevação dos preços. É o poder das corporações que o faz.
Powell, o director do FED, se diz preocupado com o espectro da inflação nos salários – de acordo com ele aumentos nos salários forçam as corporações a elevar seus preços, o que come os aumentos de salários e o que, por sua vez, leva os trabalhadores a exigirem salários mis altos.
Porém as corporações não estão sendo forçadas a elevar os preços. Elas estão desfrutando de lucros recordes. Elas podem, com facilidade, absorver os reajustes salariais. A única razão pela qual elevam preços – corroendo todos os reajustes salariais que concederam a seus próprios trabalhadores – é que enfrentam pouca ou nenhuma competição.
Portanto, qual é a resposta apropriada por parte do govenro? Não é desacelerando a economia. Isto vai ferir milhões de trabalhadores, que apenas começam a receber os reajustes que merecem. O problema no coração da economia é tratável através de uma única forma: o uso agressivo de leis antitruste para conter os monopólios.
Isso vai levar tempo – talvez anos. Por enquanto, Biden e os democratas poderiam fazer algo com efeito imediato: produzir uma taxa sobre os lucros inflados aplicável a qualquer corporação que eleve seus preços durante o mesmo trimestre no qual seus lucros tenham se elevado.
Veja o trailer do documentário de Reich: