
Após a constatação do recebimento de R$ 420 milhões na conta do pai do governador do Acre, Gladson Cameli (PP), os dois foram considerados centrais em um possível esquema de desvios em contratações na Saúde e Infraestrutura.
Relatório produzido pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) aponta que, entre janeiro e agosto de 2019, período que coincide com os primeiros meses de mandato de Gladson, o patriarca movimentou R$ 420,4 milhões em uma conta na Caixa Econômica.
O volume de dinheiro chamou atenção das autoridades por causa do crescimento vertiginoso em relação ao mês anterior. Entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019, a conta recebeu R$ 107 mil. O maior salto, no entanto, acontece de fevereiro para março de 2019, quando o saldo bancário passa de R$ 525 mil para R$ 50 milhões.
O irmão do governador, Gledson Cameli, também está sendo investigado. Isso porque o governador tentou usar uma empresa registrada no nome dele para comprar um apartamento de R$ 5 milhões em São Paulo. A construtora responsável pelo empreendimento rejeitou a proposta e comunicou o episódio ao Coaf.
A transação imobiliária está sob suspeita porque, segundo a linha de investigação da PF, pode ter sido uma estratégia para lavar dinheiro de propina e ocultar que o governador seria o real dono do apartamento.
Pai e filho foram alvo de buscas da Polícia Federal na Operação Ptolomeu. Eles são investigados no inquérito sobre indícios de um suposto esquema de propinas em troca do direcionamento de licitações, contratações superfaturadas e a confirmação de recebimento de mercadorias não entregues e de serviços não prestados na área da Saúde e em obras públicas.
APURAÇÃO
As investigações sobre o caso começaram com uma interceptação telefônica sugerindo que o governador teria recebido R$ 70.000 em propinas. A partir daí, a Polícia Federal encontrou um comprovante de transferência de um sócio de uma empresa de venda de medicamentos no valor de R$ 6.000 para o ex-chefe de gabinete de Cameli.
Depois, PF recebeu um relatório do Coaf apontando 20 comunicações financeiras suspeitas envolvendo o governador. De acordo com o órgão, transações fracionadas ultrapassaram os R$ 828 milhões. O caso foi revelado pelo jornal O Estado de São Paulo.
“Consideramos a movimentação acima da capacidade financeira presumida do cliente, bem como, aparentemente, sem relação com a atividade declarada, inexiste indicação de parte da origem dos recursos, realização de depósitos em espécie e realização de operações que, por sua habitualidade, valor e forma, configurem artifício para burla da identificação da origem, do destino, dos responsáveis ou dos beneficiários finais”, diz o relatório do Coaf.
Segundo a PF, as movimentações “indicam, fortemente” que houve “branqueamento de capital”. A prática consiste em encobrir bens e rendimentos obtidos ilicitamente. O órgão afirma que foram identificados depósitos fracionados em espécie, uso de pessoas interpostas para pagamentos de contas pessoais, uso de laranjas em contratações imobiliárias e compras superfaturadas.
O crescimento do patrimônio levantou suspeitas. Em 2018, quando concorreu ao cargo de governador, Cameli declarou R$ 202 mil em automóveis ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). De lá para cá, foi para R$ 1,6 milhão, de acordo com a PF.
A suspeita é de que as transações em veículos, imóveis, dinheiro e cartões tenham servido para lavar dinheiro. O esquema, de acordo com a investigação, envolveria também o direcionamento de licitações e a confirmação de recebimento de mercadorias não entregues. Os contratos envolveriam medicamentos e obras de infraestrutura.
Em 16 de dezembro de 2021, a PF realizou uma operação de busca e apreensão contra a cúpula do governo do Acre. Os investigadores recolheram dinheiro, jóias e relógios no apartamento do governador. Também houve buscas no escritório de Cameli. A operação, que foi autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça, prendeu Rudilei Estrela, empresário e amigo do governador. O pai e o irmão do político também foram alvo. Rosângela Gama, chefe de gabinete, foi presa preventivamente.