
O partido Rede Sustentabilidade entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão de um decreto do presidente Jair Bolsonaro (PL) que flexibiliza a proteção de cavernas e facilita a exploração dessas formações por mineradoras e outros setores. A ação foi protocolada no sábado (15) e tem como relator o ministro Ricardo Lewandowski. A legenda defende a volta imediata dos efeitos de norma anterior que trata do tema.
A Rede sustenta que o decreto de Bolsonaro tem “evidente violação” a diversos preceitos fundamentais previstos na Constituição Federal, principalmente associados ao direito à proteção ao patrimônio histórico e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. “Vê-se, assim, com clareza solar, que a medida realmente representa um grave retrocesso ambiental e um acinte à necessária proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico, o que justifica a atuação dessa Eg. Corte Suprema como porto seguro para o retorno à constitucionalidade”, diz um trecho da ação.
MEDIDA INACEITÁVEL
A Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (4CCR/MPF), em documento assinado pela subprocuradora-geral da República, Julieta Albuquerque, também se manifestou contrária à decisão do governo. Em manifestação encaminhada ao procurador-geral da República, Augusto Aras, e à Procuradoria da República no Distrito Federal, o órgão solicita que seja avaliada a adoção de eventuais providências contra a norma pela Justiça.
“Nos deparamos com uma regulamentação que fragiliza ainda mais o sistema de proteção do patrimônio espeleológico, podendo ocasionar sua drástica redução com prejuízos graves à União e a todos os titulares do direito ao patrimônio natural”, diz o documento.
O decreto 10.935/2022publicado no Diário Oficial da União em 12 de janeiro, autoriza a construção de empreendimentos considerados de utilidade pública em cavidades naturais subterrâneas, mesmo com impactos negativos irreversíveis. Cavernas classificadas como de relevância máxima no Brasil estão ameaçadas de serem destruídas e, como consequência, tudo o que há nelas, como espécies animais, avalia Rodrigo Lopes Ferreira, professor e coordenador do centro de estudos em Biologia Subterrânea da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Rodrigo classifica a decisão inaceitável.
O estudioso vê a decisão como “inaceitável”. A partir do momento que esse novo decreto abriu a possibilidade de que uma caverna de máxima relevância possa ser destruída, isso acaba sendo um retrocesso sem precedentes dentro da legislação espelhológica brasileira”. Agora, cavernas únicas estão passíveis de serem destruídas em território nacional, o que é inaceitável, afirma. “Com isso, a gente vai estar aceitando potencialmente a extinção de espécies, por mais que o decreto tenha redigido que espécies não podem ser extintas”, prossegue. Para ele, o decreto do governo tem também prejuízos históricos. “Até nossa história vai sendo apagada, diversos sítios arqueológicos, paleontológicos, existem cavernas e que se elas forem destruídas, eles vão deixar de existir”, enfatizou Rodrigo.
Ele também avaliou os impactos da construção de empreendimentos ditos de utilidade pública no interior das cavernas, autorizada pelo decreto. “Esse é um outro ponto complicado do novo decreto, porque diversos empreendimentos podem ser categorizados como de utilidade pública. Uma atividade essencial, mas que mais impacta cavernas no país é a mineração, e ela é considerada uma atividade de interesse público”. Ainda de acordo com Roberto Lopes, a “atividade que mais impacta cavernas no país se enquadra nesse quesito pra que cavernas de máxima relevância sejam destruídas”, observa. “Esse é uma das grandes preocupações que pesquisadores têm em relação ao novo decreto”, pontuou.
TOTAL DESAPROVAÇÃO
A Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) também criticou o decreto. Em nota, a entidade manifestou “total desaprovação” à medida e afirmou que entidade não foi convidada para discutir a alteração da legislação espeleológica brasileira. Para a SBE, o texto trouxe “vários retrocessos” às normas sobre cavernas.
“O Decreto Federal nº 10.935/2022 foi produzido a portas fechadas, sem diálogo com a comunidade espeleológica e, claramente, mostra a interferência direta dos Ministérios de Estado de Minas e Energia e de Infraestrutura em uma matéria que é de interesse ambiental”, afirma a nota. “Esta interferência visa à facilitação de licenciamento de obras e atividades potencialmente lesivas ao patrimônio espeleológico nacional e que, geralmente, estão associadas a atividades de alto impacto social’, prossegue a entidade.
Dentre as mudanças, a SBE cita:
– Permite que o órgão ambiental licenciador autorize a destruição total ou parcial de cavernas de máxima relevância por atividades ou empreendimentos considerados “de utilidade pública”, que não possuam alternativas técnicas e locacionais viáveis, que tenha viabilidade do cumprimento da medida compensatória e que os impactos negativos irreversíveis não gerem a extinção de espécie que conste na cavidade impactada (Inciso I, II, III e IV do Art. 4º);
– Excluí dos atributos que classificam uma cavidade subterrânea como de máxima relevância as condicionantes morfologia única, isolamento geográfico, interações ecológicas únicas, cavidade testemunho e hábitat essencial para preservação de populações geneticamente viáveis de espécies de troglóbios endêmicos ou relictos (§ 4º do Art. 2º);
– Possibilita que o empreendedor solicite a revisão, a qualquer tempo, da classificação do grau de relevância de cavidade natural subterrânea, independentemente do seu grau de relevância, tanto para nível superior quanto para nível inferior (§ 9º do Art. 2º);
– Possibilita que o empreendedor compense o impacto sobre uma cavidade subterrânea com a preservação de uma cavidade testemunho qualquer, sem ter o conhecimento sobre a real relevância desta caverna que está sendo preservada, pois o decreto atribui automaticamente máxima relevância, sem a exigência de estudos específicos (Art. 7º);
– Deixa aberta a possibilidade do Ministro de Estado de Minas e Energia e do Ministro de Estado de Infraestrutura realizar modificações em atributos ambientais similares da classificação de relevância e definir outras formas de compensação através de atos normativos (Art. 8º).
A 4ªCCR destaca que as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos possuem proteção pela Constituição Federal e seus bens constituem propriedade da União. Assim, a Constituição assegura a integração dos sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico ao patrimônio cultural brasileiro, sendo dever do poder público e da comunidade a sua proteção, justifica.