O treinador de jovens ginastas e ex-treinador da seleção brasileira, Fernando de Carvalho Lopes, está sendo acusado por dezenas de atletas de cometer abusos sexuais contra menores de idade. Fernando foi afastado da seleção brasileira um mês antes das Olimpíadas após a acusação.
Segundo reportagem do programa “Fantástico”, que ouviu 80 pessoas sobre o caso, ao menos 40 afirmam ter sofrido assédio do treinador. As investigações para a reportagem duraram quatro meses e foram ouvidos ginastas, parentes e dirigentes de esportes.
Fernando de Carvalho foi treinador do clube MESC, em São Bernardo do Campo, por mais de 20 anos, e, após o surgimento das acusações, passou a exercer funções administrativas. Era conhecido por reconhecer o talento dos jovens que treinava, tendo alguns deles chegado até mesmo à seleção brasileira. É o caso de Petrix Barbosa, que foi medalhista de ouro nos jogos Pan-americanos de 2011.
Petrix afirma ser uma das vítimas de Fernando. De acordo com ele, os abusos eram frequentes e aconteceram com muitos jovens. “Banho junto, espiar. Já acordei com ele não sei quantas vezes, com a mão dentro da minha calça”, disse em entrevista.
Após a reportagem, outras pessoas que foram treinadas por Fernando tomaram coragem para falar, como Lucas Altemeyer. Lucas é hoje acrobata em um circo nos Estados Unidos, e afirma ter sofrido os abusos entre 2003 e 2005, período em que treinou no clube MESC. Hoje pensa ter errado ao não ter denunciado na época, mas que entende o porquê disso. “Era medo de piadas, de pessoas ficarem me julgando por não ter falado também na época que sofri os abusos. Então tudo isso veio junto e eu resolvi ficar na minha. E hoje eu sinto que fiz uma coisa errada. Porque acho que se eu tivesse falado na época, talvez o processo tivesse começado lá e outras crianças, após isso, não teriam sofrido”, disse em entrevista ao Jornal Nacional da última quarta-feira (2).
Os relatos são fortes. Os atletas afirmam que Fernando os apalpava, inclusive em suas partes íntimas. “Você está treinando com um técnico, ele começa a pegar em você e depois fica dando desculpa que é para consertar o movimento, que é pra você sentir o que você tá fazendo de errado, sendo que ele podia corrigir de outra forma”, disse Ronald Cesar, uma das vítimas.
De acordo com os relatos, o assunto chegou a ser banalizado entre os atletas, visto que muitos passavam pela situação, mas, muitas vezes, não entendiam a seriedade. Os atletas contam que outros treinadores, como Marcos Goto, atual coordenador técnico da seleção brasileira, sabiam dos abusos e faziam chacota.
O caso está sendo investigado pela Polícia Civil desde 2016, quando data a primeira denúncia. A Polícia acredita ter hoje elementos suficientes para que a denúncia seja feita à Justiça. Fernando de Carvalho foi intimado a depor sobre o caso na semana passada, mas não compareceu, de acordo com ele, porque tinha uma consulta médica.
Após a reportagem, alguns órgãos se manifestaram. O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) vai criar um canal de ouvidoria para que esses casos sejam mais facilmente denunciados e investigados e as vítimas sejam amparadas. O canal estará aberto a todo público no final de maio, de acordo com o vice-presidente da COB, Marco Antônio Laporta. A Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) divulgou uma nota contra o abuso e o assédio no esporte, na qual afirma que irá adotar “providências urgentes”. Sobre Marcos Goto, a Confederação disse que irá ouvir o treinador sobre as acusações. A CGB assinou junto ao Ministério Público do Trabalho um termo de combate à assédio e abuso moral e sexual.
O clube MESC decidiu por apenas afastá-lo do cargo de treinador, colocando-o em funções administrativas. Em seus “esclarecimentos”, o clube preferiu se apegar ao fato de que as medidas cabíveis pela Justiça estão longe de serem tomadas, ao invés de dar ouvidos às dezenas de jovens que lá treinaram e pais que nele confiaram.
Vale lembrar que em janeiro desse ano, foi a julgamento o ex-médico da seleção de ginástica artística dos Estados, Larry Nassar, por ter cometido abuso contra centenas de atletas. Mais de 260 mulheres afirmam ter sofrido abuso sexual por parte do médico. Ao todo, Larry foi condenado a 360 anos de cadeia. O caso nos EUA foi um dos fatores que deu coragem aos atletas brasileiros a falarem sobre o caso.