Uma fiscalização de combate ao trabalho escravo, do Ministério do Trabalho, resgatou, nesta quarta-feira (02), 87 trabalhadores em “situação de trabalho degradante” no agreste do estado de Alagoas.
Enquanto a reforma trabalhista precariza o trabalho nos grandes centros, no interior do país a situação se degrada cada vez mais: entre os resgatados, 13 menores de idade, de 11 e 17 anos, trabalhando nas casas de farinha. Muitos dos trabalhadores iniciavam suas atividades por volta da meia-noite e encerravam perto das 19h. E como não havia fornecimento de água potável por parte do empregador, as pessoas ficavam desidratadas ao longo do dia. O único banheiro existente estava interditado e os trabalhadores eram obrigados a usar a mata ao redor como banheiro.
Os trabalhadores produziam farinha de mandioca em duas casas do sítio Massapê, no município de Feira Grande. Segundo o grupo de fiscalização, a ação que possibilitou o resgate dos trabalhadores ainda não foi concluída, por isso não foram ainda definidos como trabalho análogo à escravidão.
As condições insalubres se estendiam a todos, com menores e idosos entre os funcionários e a grande maioria sem carteira assinada. Os 13 menores resgatados faziam o mesmo trabalho dos adultos, utilizando facas e outros instrumentos para raspar a casca da mandioca. Além das facas, os instrumentos e máquinas utilizados também foram considerados como perigosos para o trabalho.
Este é o maior resgate de trabalhadores desde 2012 e os locais foram interditados pela fiscalização. O coordenador da ação, auditor-fiscal do Trabalho, André Wagner, irá cobrar dos proprietários que todos os direitos trabalhistas devidos sejam pagos aos trabalhadores.
No ano passado, Temer tentou pôr fim à política nacional de combate ao trabalho escravo, com cortes de verbas e restrições às ações dos fiscais, em benefício das empresas criminosas. Uma das medidas era, inclusive, deixar a publicação da “Lista Suja do Trabalho Escravo” submetida à vontade do ministro do trabalho. A lista divulga o nome das pessoas e empresas flagradas com trabalho escravo. Os ataques do governo às ações de combate a esse tipo degradante de trabalho foram amplamente repudiados por diversos setores da sociedade e não seguiu adiante.
O QUE FARÃO COM A LIBERDADE, OS 87 (OITENTA E SETE) ESCRAVOS RESGATADOS NAS CASAS DE FARINHA EM ALAGOAS?
Parabéns a todos os meios de comunicação que publicaram a matéria sobre a Ação dos Fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público do Trabalho, que resgataram 87 escravos em Alagoas, incluindo menores.
Infelizmente a operação de resgate de escravos, que é absolutamente legal, não converge com a realidade das 26.000 (vinte e seis mil) famílias que dependem diretamente da cultura da mandioca, somente no Estado de Alagoas.
Infelizmente os fiscais do Ministério do Trabalho, resgataram apenas 87 escravos, apesar de constatarem a existência de milhares de outros e fecharam apenas duas casas de farinha, apesar de serem conhecedores da existência de milhares destas em todo o Nordeste, funcionando em condições tão ou mais degradantes que as fechadas em Alagoas.
A ação dos fiscais do trabalho, sobre a qual não se discute a legalidade, não resultou apenas no fechamento de duas casas de farinha e no resgate de 87 (oitenta e sete) escravos, resultou também no extermínio de uma cultura centenária em Alagoas e no Nordeste, onde a mandioca é processada utilizando o mesmo tipo de mão de obra, sem qualquer registro de empregados nem utilização de EPIs, em fim, funcionando totalmente na clandestinidade e ilegalidade.
Registra-se, para que o mundo tome conhecimento:
• Que os escravos resgatados em Alagoas são iguais aos trabalhadores dos Estados de: Sergipe, Bahia, Pernambuco, Piauí, Maranhão e do Nordeste inteiro, onde existe a cultura da mandioca.
• Que a maioria absoluta das casas de farinha destes Estados não têm CNPJ, porém a farinha é vendida mediante a emissão de Notas Fiscais avulsas emitidas pelas Secretarias de Fazenda destes Estados, havendo assim a arrecadação de impostos e consequentemente a legalização deste produto, que é fabricado há séculos da mesma forma, utilizando o mesmo tipo de mão de obra “SÓ AGORA CONSIDERADA ESCRAVA” pelo menos no Nordeste brasileiro.
• Que em razão da secularidade da atividade, não podem os fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego alegarem o seu desconhecimento, bem como, não podem os poderes públicos alegar que não tiveram tempo nem condições para regularizar a atividade, fornecendo treinamento, assistência técnica e proporcionando os meios para viabilizar sua competitividade, da qual dependem diretamente milhões de pessoas em todo o Nordeste.
• Que o resultado prático da ação dos fiscais do trabalho é a desestruturação da cultura da mandioca no nordeste, especialmente em Alagoas, pois ao fechar as duas casas de farinha, tiraram a ocupação de oitenta e sete trabalhadores e indiretamente alijaram o restante da cadeira produtiva. Além do que, com a paralização das casas de farinha em Alagoas, as raízes serão vendidas para os Estados vizinhos, onde serão processadas em condições iguais ou piores às daqui.
• Que a interdição das duas casas de farinha e a certeza de que seus donos terão todos os seus bens confiscados, nas execuções que virão em razão das dezenas de multas e indenizações dos trabalhadores, consequentemente obrigou a todos os demais donos de casas de farinha a suspenderem suas atividades, paralisando também a arranca da mandioca e o plantio de nova safra.
• Que a responsabilização subsidiária dos comerciantes que adquiriram a farinha produzida pelas duas casas de farinha fechadas, atribuindo a eles o dever de indenizar os trabalhadores/escravos resgatados, foi o tiro de misericórdia na cultura da mandioca, agora criminalizada.
• Se alguém tem dúvida que o resultado prático desta operação de resgate simbólica de escravos, representa o fim da cultura de mandioca no Nordeste e consequentemente obriga os trabalhadores que dependem desta cultura a migrarem para as periferias das cidades, onde também não terão emprego, responda com sinceridade, as seguintes perguntas:
Qual o comerciante que depois de responsabilizado civilmente e criminalmente, por adquirir a farinha de mandioca produzida em Alagoas, ainda vai comprar mais um kg deste produto, sabendo que amanhã será responsabilizado pelas indenizações trabalhistas das pessoas ligadas a essa cultura, mesmo tendo adquirido o produto mediante Notas Fiscais emitidas pelas Secretarias de Fazendas estaduais?
Quem vai produzir farinha de mandioca se não tem mais a quem vender?
Quem vai plantar mandioca se não haverá mais casas de farinha para processar as raízes?
Se após responder as questões acima, alguém não chegar à conclusão de que a criminalização da farinha produzida em Alagoas e no Nordeste representa o fim da cultura da mandioca nesta região, pelo amor de Deus, aponte justificadamente a solução.
Quanto aos escravos, quem tiver duvidas sobre a igualdade de condições de todas as pessoas que trabalham nas casas de farinha do Nordeste, basta fazer uma simples busca na internet, apenas digitando “fabricação de farinha no nordeste” para constatar que apesar de totalmente ilegais e degradantes, elas são todas iguais, portanto, não justifica uma ação fiscalizatória isolada, se ela não resolve o problema e nem aponta solução viável para essa população.
Ainda em relação aos escravos, é necessário que o mundo tome conhecimento, que as duas casas de farinha fachadas em Alagoas, estão localizadas em um povoado onde não existe nenhuma outra atividade que possa ocupar os seus habitantes, pois todos estão ligados à cultura da mandioca, seja na plantação, arrancando as raízes ou processando a farinha, todos trabalham sem CTPS anotada, EPIs ou qualquer outro direito trabalhista ou beneficio, exceto a bolsa família, ou seja, são todos escravos que não foram resgatados pelos Fiscais do Trabalho, apesar de identificados.
Quanto aos menores encontrados ao lado dos pais nas casas de farinha, é preciso que o mundo tome conhecimento que todas elas estudam em um horário e no outro expediente são levadas pelos pais para os seus locais de trabalho, e fazem isso porque não tem onde deixa-las, pois na localidade não existe creche, não existe escola em tempo integral, nem quadra de esportes ou qualquer outra ocupação para esses menores, restando aos pais leva-los para os seus locais de trabalho ou deixa-los ao alcance de aliciadores, estupradores e outros tipos de perigos.
Não se está defendendo o trabalho infantil nem a perpetuação da escravidão, o que é necessário lembrar ao mundo é que não se extermina a praga do carrapato matando a vaca, e sim, tratando e imunizando o rebanho, ou seja, não é fechando apenas duas casas de farinha, quando se tem conhecimento da existência de milhares de outras funcionando do mesmo modo, nem resgatando apenas 87 escravos, quando se tem conhecimento da existência de centenas de milhares de outros em situação de igualdade, que se resolve o problema, e sim, criando ações públicas, que viabilizem os meios necessários para a regularização do setor, disponibilizando treinamento, orientação, financiamento e assistência técnica a todos os envolvidos na cultura da mandioca, não apenas em Alagoas, mas em toda a região Nordeste e Norte.
Como prêmio de consolação, as pessoas resgatadas como escravas receberão três parcelas de Seguro Desemprego e estão cientes que não terão mais trabalho, e os milhares de trabalhadores que perderam suas ocupações em razão da mesma operação e não vão sequer receber o beneficio, pois não foram oficialmente resgatadas como escravos, porque essas pessoas foram tratadas de forma desigual, se são todas farinha do mesmo saco?
Finalmente, quem são os responsáveis pela degradação e pela existência do trabalho escravo e infantil na cultura da mandioca no Nordeste? Os donos de casas de farinha que permitem aos pais trazerem os seus filhos para o local de trabalho porque não tem onde deixa-los enquanto não estão na escola, que não registram os seus empregados e lhes garantem os direitos trabalhistas, porque se assim fizerem não terão competitividade, ou os Estado que apesar de emitirem Notas Fiscais avulsas para os produtores de farinha, arrecadando impostos e oficializando a ilegalidade da atividade, não disponibilizam escolas em tempo integral, quadras de esportes ou outra qualquer atividade que possa ocupar os menores e afastá-los dos aliciadores, estupradores e outros perigos?
Quem são os responsáveis pela fiscalização do trabalho escravo e infantil na cultura da mandioca? Os comerciantes que adquirem o produto com Notas Fiscais emitidas pelas Secretarias de Fazenda dos Estados, ou os Conselhos Tutelares, as Secretarias de Estado e os demais órgãos fiscalizadores?
Que não fique duvidas quando a legalidade da operação, mas também que não restem dúvidas que a cultura centenária da mandioca no Nordeste não sobreviverá se não houver a disponibilização dos meios para sua regularização, o que depende de tempo, investimentos, boa vontade politica e tolerância dos órgãos fiscalizadores, que devem atuar com firmeza em todos os setores, previamente orientados.
Eloisio Barbosa Lopes Junior
Membro da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Mandioca Ministério da Agricultura, representando a UNICAFES(União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária)
Reproduzimos na íntegra o seu comentário somente para mostrar aos nossos leitores que mentalidade prevalece, ainda, 130 anos após a Abolição da escravatura, em certos setores. Pois a questão toda consiste não em que o combate ao trabalho escravo “resultou também no extermínio de uma cultura centenária em Alagoas e no Nordeste”. A questão é a oposta: essa “cultura centenária” não merece sobreviver, e não sobreviverá, se ela somente consegue se basear na escravidão de seres humanos. Se for assim, ela terá que ser banida – e, inevitavelmente, será – juntamente com a escravidão, que já deveria ter acabado há mais de 100 anos. Ou os senhores de casas de farinha acham que vão resistir à industrialização – e, pior, ao domínio dos monopólios externos, estilo Cargill ou Bunge – através da escravização de trabalhadores? Pode acreditar, nós sabemos, por ter visto in loco, o que é essa “cultura centenária”. Já disse Rui Barbosa que aqueles que argumentam com a antiguidade da escravidão para continuá-la, esquecem que, mais antiga que a escravidão, é a liberdade.