Intimado, ele disse que tem o direito de não comparecer ao interrogatório. O STF não concorda. Delegada concluiu que ele cometeu crime ao divulgar inquérito sigiloso contra o sistema eleitoral brasileiro
Jair Bolsonaro cometeu crime ao divulgar informações de um inquérito sigiloso que investigava uma tentativa de invasão hacker ao Tribunal Superior Eleitoral. Seu objetivo era desacreditar o sistema eleitoral brasileiro e abrir espaço para um golpe de Estado. Ele “teve atuação direta, voluntária e consciente no crime de vazamento”, diz a delegada Denisse Dias Ribeiro, responsável pelo inquérito do vazamento, em seu relatório.
Agora, ele está fugindo de comparecer perante a Polícia Federal para se explicar. Intimado a comparecer ao depoimento que investiga o caso, ele alegou que tem o direito de não obedecer. Não é verdade. Ele não tem esse direito. Bolsonaro acha que pode afrontar o STF e não comparecer ao depoimento porque ele não quer. Quando algum suspeito se recusa a comparecer a um interrogatório policial, há instrumentos jurídicos que podem convencê-lo do contrário. A condução coercitiva, por exemplo, é um deles. Ninguém, nem mesmo o presidente da República, pode estar acima da lei.
Mas, esse é o modus operandi da família Bolsonaro. Impedir investigações. Pressionar juízes, ameaçar ou trocar delegados da PF. Assim que assumiu a presidência, Bolsonaro trabalhou diuturnamente para barrar qualquer investigação sobre o esquema de lavagem de dinheiro que seu filho (01) montou na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Até a Superintendência da PF no Rio de Janeiro foi trocada para garantir a impunidade do “01”. O escândalo tinha vindo a público pouco antes da posse de Bolsonaro.
Os servidores da Receita Federal confirmaram, através de análises de relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e de declaração de bens que o dinheiro desviado da Assembleia Legislativa do Rio – cerca de R$ 6 milhões – era lavado com vendas fraudulentas de imóveis e manipulações contábeis de uma loja de chocolate localizada na Barra da Tijuca. A loja coincidentemente pertencia a ninguém menos do que o próprio Flávio Bolsonaro.
Foi o que bastou para que esses servidores fossem violentamente perseguidos e ameaçados. O abuso foi tal que até a direção do órgão no Rio de Janeiro foi trocada a mando do Planalto.
Qualquer um que denuncie esquemas de desvio de dinheiro público e falcatruas no governo Bolsonaro é ameaçado. Foi assim com o servidor do Ministério da Saúde, Luís Miranda, que denunciou à CPI da Pandemia que o governo estava comprando 15 milhões de doses da vacina indiana Covaxin com pagamento de propina de um dólar por dose. O servidor da Saúde e sua família tiveram que sair do país após serem ameaçados de morte. Atualmente eles estão num esquema de proteção de testemunhas. É por isso que Bolsonaro diz que no seu governo não há corrupção. Quem denuncia, é ameaçado e some.
Bolsonaro se utiliza de órgãos da administração pública para escapar da ação da polícia e da Justiça. A Advocacia-Geral da União (AGU) impetrou um recurso no Supremo Tribunal Federal para que Bolsonaro não precisasse comparecer ao depoimento. Mas o ministro Alexandre de Moraes, do STF, rejeitou o pedido. Na hora marcada para o depoimento, 14h, Bolsonaro desrespeitou a decisão e não compareceu ao depoimento. Ele acha que pode fazer isso.
No recurso, a AGU pediu a reconsideração da decisão de Moraes ou, se não fosse atendida, que o recurso fosse submetido ao plenário do STF. Alexandre de Moraes também recusou esta solicitação. Em carta ao STF, Bolsonaro disse que exercerá “o direito de ausência quanto ao comparecimento à solenidade designada na Sede da Superintendência da PF para o corrente dia, às 14:00, tudo com suporte no quanto decidido pelo STF, no bojo das ADPF’s nº 395 e 444”, diz o presidente no documento enviado à PF.
Debochando da Justiça e do país, Bolsonaro decidiu passear na mesma hora em que ele deveria estar prestando depoimento na PF. Ele preferiu sair sem máscara, promover aglomerações e espalhar ômicron, exatamente num momento em que o número de casos e de mortes por Covid voltou a subir em todo o país. Por este comportamento, o que parece mesmo é que é exatamente isso o que ele quer.
É bom que Bolsonaro leve em conta que ele não poderá fugir por muito tempo das garra da Justiça e da ação da Polícia Federal. Em algum momento ele vai ter que explicar como conseguiu obter e por que divulgou inquérito sigiloso do TRE. Ele deve lembrar também que, por muito menos, em termos de aglomerações, o primeiro-ministro da Inglaterra, Boris Johnson, está prestes a perder o cargo.
O chefe do governo inglês promoveu algumas festinhas na sede do governo durante a pandemia e caiu em desgraça. Nada comparado às centenas de churrascos, motociatas e aglomerações que Bolsonaro promoveu nos últimos anos no Brasil. Se a Justiça ainda não alcançou Bolsonaro, a ira do povo contra seus desmandos já está na alturas. É o que mostra o nível de rejeição ao seu governo, expresso nas pesquisas de opinião. Na última, só 29% dos brasileiros aprovavam seu governo enquanto 60% da população não quer nem ouvir falar em seu nome.