Reforçando o afastamento dos militares em relação às pretensões golpistas de Bolsonaro, o Brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior disse que “a FAB não tomará partido”. “Bateremos continência para qualquer comandante supremo das Forças Armadas, sempre”, garantiu
O comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, afirmou, em entrevista nesta segunda-feira (31), à Folha de S. Paulo, que sente a sociedade “muito dividida, muito polarizada e radical”. “Isso é ruim para o futuro, estamos chegando a um nível de incapacidade de compreender uma visão diferente, e isso se reflete na disputa política”, acrescentou.
A FAB SE MANTERÁ DENTRO DA SUA DESTINAÇÃO CONSTITUCIONAL
A intenção pelo afastamento das instituições militares das aventuras golpistas de Bolsonaro já vinha se manifestando há algum tempo e esta entrevista do comandante da Aeronáutica reforça esta tendência. “A FAB, e as Forças, tenho certeza, se manterão dentro de sua destinação constitucional. Não tomarão partido, a política não entrará nos nossos quartéis. Não há qualquer indução por parte do comando da FAB” destacou. “Como cidadão, vejo com preocupação como estamos radicalizados, isso não é bom”, reafirmou o militar.
Sobre uma possível politização da tropa, ele minimizou. “Não, eu mantenho a tropa informada e damos o exemplo. Logicamente, sei que num ano eleitoral essa preocupação tem de ser enfatizada, pois somos feitos de cidadãos”, explicou. “A sociedade sabe que pode continuar contando com suas Forças Armadas como instituições de Estado, apartidárias”, salientou.
Questionado se bateria continência para Lula, ele afirmou que a Aeronáutica baterá continência para qualquer um que chegue à Presidência da República. “Nós somos poder do Estado brasileiro. A continência é um símbolo. Quando a gente entra nas Forças Armadas, a gente aprende que ela visa a autoridade. Nós prestaremos continência a qualquer comandante supremo das Forças Armadas, sempre”, afirmou o brigadeiro.
Ele afirmou que não é bolsonarista e reclamou da “pecha”. “Não, eu sou comandante da Força Aérea, represento uma instituição”, disse. O brigadeiro afirmou que a pecha de bolsonarista que a imprensa colocou nele não é justa. “Não sei de onde saiu isso. Esse clichê me foi colocado uma hora depois da minha indicação”, apontou o militar.
POSIÇÃO APARTIDÁRIA DAS FORÇAS
“O comandante da FAB é uma figura parcialmente política, e não estou falando de política partidária, estou falando da melhor definição de política, de interlocução com autoridades do governo, em prol da missão da Força Aérea”, disse. “Como comandante da FAB, sempre ratifiquei a posição apartidária da Força. Uma coisa é falar de política, outra é de política partidária”, acrescentou.
Ao comentar a nota emitida à época da CPI da Pandemia, e que foi assinada também por ele, o brigadeiro disse que ela “ocorreu porque a CPI é uma ferramenta da democracia, mas as instituições são o que garante a democracia. A instituição militar, judiciária, a imprensa. Cada um de nós tem uma responsabilidade muito grande. Aquela nota foi apenas para que a gente firmasse a posição de que nós não somos lenientes com erro”, explicou o comandante.
“Se houver algum militar errando, existe o Poder Judiciário, mecanismos de controle. Mas isso não pode transbordar para o todo”, destacou o militar. “Quando alguém quer atacar a mídia, é muito ruim, se ele quer atacar um repórter que não tem a responsabilidade que deveria ter. Isso serve para militar. Acho que [a nota]foi bem recebida, tanto que no relatório final da comissão não foi citada a instituição, mas os indivíduos”, afirmou Carlos de Almeida Baptista Junior.
Ele falou sobre a entrevista que concedeu um dia depois de uma das decisões da CPI sobre os militares. “Eu concedi a entrevista [ao jornal O Globo] no dia seguinte porque achei que ficou faltando a gente ratificar a nossa não leniência com desvios. Logicamente, repercutiram outras palavras. A questão do homem armado não fazer ameaça. Isso serve para qualquer pessoa com arma. É nosso mote, que a arma não serve para ameaçar ninguém. Cumpriu o objetivo”, prosseguiu.
“O poder civil é muito pouco focado na atividade militar, e talvez dê muito pouca importância à instituição militar”, ponderou. “Acho que isso tem a ver com longo período de paz do Brasil, graças a Deus, estamos aqui para evitar a guerra. Isso é dissuasão. Isso é bom, mas não é bom quando não conseguimos discutir prioridades orçamentárias. Quando não conseguimos colocar a imagem de que somos um seguro de um país riquíssimo. Só se sai desse status atual com muito diálogo”, afirmou o brigadeiro.
PARTICIPAÇÃO DA FAB NO GOVERMO É PEQUENA
Ele disse que a participação da FAB no governo é pequena. “Até por ser menor, tem uma participação menor”, disse. “Isso é normal. Qualquer governo precisa buscar os melhores na sociedade para fazer a gestão, sejam eles civis ou militares, e aí falo de militares da reserva”, prosseguiu. Sobre só serem da reserva, ele afirmou que “a lei autoriza o uso de militares da ativa por até dois anos. Esse é um debate muito interessante, como a elegibilidade de militares, juízes, procuradores. Não devemos partir para casuísmos”, apontou.
Questionado sobre o fato de que a FAB permite que militares não vacinados contra Covid-19 trabalhem, desde que assinem termos, ele disse que os protocolos de saúde da Força Aérea “são rígidos. Até aqui, 96% dos 66 mil militares da Força haviam tomado ao menos uma dose, e 76%, as duas”, assinalou, manifestando, também nesta questão do comportamento frente à pandemia, uma postura distante do negacionismo irresponsável de Bolsonaro, que defende que ninguém tome a vacina.
Ele lamentou os cortes que teve que fazer na compra dos KC 390 da Embraer. “Nesses 50 anos, fizemos opções. Não temos a opção de fazer a Embraer em vez de fazer a Força Aérea. Temos de fazer a Força Aérea, trazendo o spin-off de toda a indústria. Muitas vezes, a opção priorizou a Embraer, para desenvolvimento da indústria. Mas minha função aqui é fazer a Força Aérea”, disse.
“O Brasil precisa de 28 KC-390 [encomenda inicial a ser reduzida]?”, indagou “Talvez até mais. Mas temos de olhar nossa defesa como círculos concêntricos, no centro tem que ter 36 caças Gripen armados, não avião para o [desfile do] 7 de Setembro, depois helicópteros, transporte. O que estamos fazendo é que não dá para ter isso no contrato com nossa realidade orçamentária. Imagina comprar um carro 2021 para receber em 2040”, argumentou.