Um dos policiais da Polícia Civil do Rio de Janeiro que participou da licitação e compra, patrocinada pelo senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), de 500 fuzis da multinacional Sig Sauer participou de reuniões para divulgar as armas da empresa para outros órgãos e Estados.
A Sig Sauer venceu a licitação com uma proposta total de R$ 3,8 milhões. A compra só se efetivou depois que Flávio Bolsonaro conseguiu que a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), órgão do Ministério da Justiça, liberasse R$ 3 milhões.
“Viabilizei, por meio do Ministério da Justiça, a liberação de aproximadamente R$ 3 milhões em recursos extraorçamentários para a aquisição de 343 fuzis para a Polícia Civil do RJ. Além de bem equipar os nossos policiais, a aquisição destes fuzis vai proporcionar mais segurança ao cidadão do estado do Rio de Janeiro”, anunciou Flávio Bolsonaro na época, nas redes sociais.
A Polícia Civil fez exigências incomuns que favoreceram a Sig Sauer no processo de licitação.
O chefe da Sig Sauer no Brasil, Marcelo Costa, tem reuniões frequentes com membros da família Bolsonaro. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ) defendeu na Câmara que a Imbel (Indústria de Material Bélico Brasil), ligada ao Exército, deveria fabricar armas desenvolvidas pela Sig Sauer.
Em nota, Flávio Bolsonaro alegou que não tinha informações das irregularidades. “O senador Flávio Bolsonaro afirma ainda que não tinha qualquer informação sobre indícios de irregularidades quando intercedeu pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, sabia apenas que a corporação precisava se equipar para fazer frente ao arsenal crescente do crime organizado”, diz a nota.
Um dos três policiais da Polícia Civil do Rio de Janeiro que foram designados para apurar a parte técnica da licitação, o inspetor Manoel Hermida Lage, atua como instrutor de tiro da Sig Sauer e participa de reuniões para fazer propaganda da empresa e tentar vender equipamentos.
Manoel Lago fez reuniões com as polícias de pelo menos três estados para apresentar as armas da Sig Sauer, depois contratadas por ele na Polícia Civil do Rio de Janeiro.
Publicações nas redes sociais de Manoel Lage, da Sig Sauer Brasil e da Performa Defesa, empresa fundada por Marcelo Costa, que é chefe da Sig Sauer no Brasil, confirmam a presença do policial nos encontros.
O inspetor Manoel Lage se reuniu com a Polícia Militar de Minas Gerais, com as polícias Civil e Militar do Estado do Ceará e com a Polícia Civil e a Superintendência da Polícia Federal no Paraná.
No caso do Paraná, chegou a se reunir com o governo do Estado para apresentar os produtos da Sig Sauer.
Representantes de outras empresas do setor bélico ouvidos pelo UOL afirmaram que a Sig Sauer se utiliza dos campos de tiro para “recrutar” policiais que ocupam posições estratégicas que possam lhe interessar, como é o caso de Manoel Lage.
LICITAÇÃO FRAUDADA
O policial Manoel Lage tem fotos publicadas com Eduardo Bolsonaro. Ele atuou no processo licitatório de forma a favorecer a Sig Sauer. Três empresas que participaram, a Taurus, a Kalekalip e a MKEK, reclamaram da forma como a licitação estava acontecendo e tentaram impugnar o edital.
Segundo a Taurus, as exigências apresentadas pela Polícia Civil do Rio de Janeiro não tinham justificativa e acabaram por direcionar “o edital para empresas que o possuem [os requisitos].
A Taurus afirmou que é “vedada a escolha de marca ou especificações que limitem a competitividade”.
Para a Kalekalip, a Sig Sauer foi favorecida pelo edital por conta de uma exigência referente aos blocos de gases usados para disparar os projéteis. A Polícia Civil/RJ estava “aparentemente direcionando o certame licitatório em tela para alguma determinada empresa”, afirmou a empresa.
A Polícia também exigiu que os canos dos fuzis deveriam ter 14,5 polegadas (36,8 cm) ao invés do que é mais comum encontrar, de 16 polegadas (40,6 cm).
Além disso, exigiu que a arma já estivesse “em uso por forças de segurança ou militares internacionais há pelo menos 5 anos”.
Ao final, três empresas conseguiram cumprir os requisitos e enviar propostas para o processo licitatório, a Sig Sauer, a Springfield Armory e a Regulus, mas apenas a Sig Sauer conseguiu participar efetivamente do pregão.
A Springfield Armory foi desclassificada por conta de dois documentos. A empresa reclamou à Polícia que “bastaria uma simples diligência para a realização de saneamento das propostas para que a plena regularidade documental” acontecesse.