Uma mulher de 48 anos foi resgatada em operação do Ministério Público do Trabalho (MPT) após ser submetida durante 32 anos a trabalho em condições análogas a escravidão. A mulher, que teve sua identidade preservada, trabalhou como empregada doméstica na residência de um pastor da igreja Assembleia de Deus, em Mossoró (RN).
De acordo com os auditores fiscais do trabalho, ela chegou ao local ainda adolescente, com 16 anos, e sofreu abuso e assédio sexual do empregador. O pastor, Geraldo Braga da Cunha, nega as acusações.
A operação é fruto de uma denúncia anônima feita ao Ministério do Trabalho e Previdência através da página “Trabalho escravo” (@trabalhoescravo), no Instagram, mantida pelo Instituto Trabalho Digno (ITD). As informações foram divulgadas pelo colunista do UOL, Leonardo Sakamoto, nesta terça-feira (01).
A operação foi realizada pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), do Ministério do Trabalho, pelo Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública da União e agentes da Polícia Federal, na última quarta (26), e constatou que a mulher era responsável pelos serviços domésticos e apenas recebia em troca moradia, comida, roupa e alguns presentes. A vítima nunca recebeu salário ou teve conta bancária, nem tirava férias ou interrompia os afazeres nos finais de semana. A fiscalização considerou a ocorrência de trabalho forçado, condições degradantes e jornadas exaustivas.
“Famílias ‘pegam meninas para criar’, gerando uma relação de exploração. É uma prática comum na região, infelizmente”, disse a auditora fiscal do trabalho Gislene Stacholski, que atuou na investigação da denúncia.
A auditora Marina Cunha Sampaio, que coordenou a ação em Mossoró, afirmou à coluna de Sakamoto que o empregador, a empregadora e os quatro filhos discordaram da caracterização de trabalho análogo ao de escravo uma vez que, segundo eles, Maria era tratada “como se fosse uma filha” desde que chegou à casa.
De acordo com a fiscalização, o casal nunca cogitou uma adoção formal da “filha”. O pastor chegou a avaliar, há alguns anos, que fosse pago um salário a ela, o que não aconteceu. Mas recolheram o INSS durante algum tempo, o que contribuiu para o reconhecimento de vínculo trabalhista.
A auditora afirmou que o pastor tentou justificar dizendo que teve um “relacionamento consensual” com a empregada e que partiu dele a iniciativa de procurá-la. Mas em depoimento, a mulher afirmou que tinha “nojo” do empregador e que fugia dele na casa. Abusos e assédios sexuais teriam durado dez anos.
A auditora avalia que a família ficou sabendo que isso ocorria, mas manteve as aparências. “A empregadora ainda disse que perdoava a trabalhadora por conta da relação com o marido, ignorando a situação de exploração à qual ela a submetia.”.
“Ela não teria como consentir ou não com relações sexuais porque estava na situação vulnerável de alguém que é reduzido à condição análoga à de escravo. Consideramos que foram relações de abuso”, afirmou Marina.
Os salários atrasados e verbas rescisórias foram calculados em cerca de R$ 88 mil – parte da dívida já prescreveu. Além disso, o Ministério Público do Trabalho pediu R$ 200 mil em danos morais individuais a serem pagos à mulher.