O consórcio multinacional Acciona não seguiu regras básicas de segurança na obra do Metrô, na Zona Norte de São Paulo, que evitariam o acidente, que paralisou a Marginal Tietê obra da Linha 6-Laranja do Metrô, segundo avaliam diretores do Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo (SEESP).
De acordo com artigo publicado pelo SEESP, Linha 6-Laranja do Metrô – que ligará a Brasilândia, na região noroeste da capital, à estação São Joaquim, no centro da cidade -, teve sua construção e operação privatizada por meio de uma parceria público-privada com histórico bastante controverso.
As obras da Linha 6 ficaram paralisadas desde setembro de 2016 e foram retomadas somente sob novo concessionário – o grupo espanhol Acciona – em julho de 2020. “O empreendimento vem sendo realizado, contudo, sem o acompanhamento próximo da Companhia Metropolitana de São Paulo (Metrô-SP). O modelo de privatização realizado pelo governo de São Paulo tem a chamada “porteira fechada”, onde toda a “construção, operação e implementação está a cargo da empresa estrangeira”.
“É uma PPP sem essa participação. E o Metrô-SP é muito exigente, é difícil dar problema. É referência internacional”, observa o engenheiro da companhia Emiliano Stanislau Affonso Neto, diretor do SEESP, destacando ainda a expertise de seu quadro técnico.
Nestor Tupinambá, engenheiro aposentado do Metrô-SP e também diretor do SEESP, ainda apontou que as obras da linha 6 é complexa pois exige escavações profundas, carca de 50 metros de profundidade, “o que, além de encarecer o projeto, requer mão de obra muito especializada, como a dos engenheiros do Metrô”, que foram dispensadas para colocar a obra na mão da iniciativa privada.
SHIELD
Sua hipótese para o acidente nesta terça é que uma regra básica não foi seguida: manter uma distância segura entre o shield (tatuzão) e interceptores de esgoto de aproximadamente 20 metros. “Pelas informações que tivemos, o shield passou a uma profundidade de cinco metros da galeria em direção ao seu poço de saída [na Marginal Tietê]”, explica.
“Em suas primeiras declarações à imprensa, o secretário estadual dos Transportes Metropolitanos de São Paulo, Paulo José Galli, disse que o tatuzão teria passado a uma distância ainda menor: três metros de profundidade da galeria. Contudo, ele frisou que o shield não se chocou com ela e que a cratera foi resultado do rompimento do interceptor de esgoto. Tupinambá ratifica essa informação, de que não houve choque. A questão é que, para o engenheiro, o shield não seguiu uma regra básica de segurança e, portanto, sua passagem provavelmente ocasionou a ruptura. Ele enfatiza ainda que ‘a coletora da Sabesp era novinha, inaugurada em 2018. Não tinha como não estar no cadastro’”.
ERRO PRIMÁRIO
De acordo com o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, toda a região é muito estudada e conhecida geologicamente. “Pelas primeiras informações, imagino que não foi um problema relacionado a questões geológicas ou geotécnicas. Se se confirmar essa hipótese de que a passagem do tatuzão rompeu a adutora ou coletora, foi um erro primário no plano de condução da obra, beira a irresponsabilidade”, afirma.
Para Tupinambá, que atuou como engenheiro por 44 anos no Metrô em projetos das linhas 3, 2, 5, além de trólebus e monotrilho, coordenando várias obras afins, soluções técnicas poderiam evitar o acidente. Além de rebaixar o shield conforme a regra básica, reforçar a galeria com injeção de cimento, tubo de aço ou estacas raiz, integrando-a à estrutura do metrô, seriam medidas de engenharia para tanto.
INQUÉRITO
A Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) instaurou um inquérito civil para apurar as causas do desabamento do asfalto da Marginal Tietê ao lado da obra do Metrô da Linha 6-Laranja.
Será analisada a extensão dos danos urbanísticos e ambientais no canteiro de obras e na via, que segundo o MP-SP, prejudicou a mobilidade urbana do município.
Já foram solicitadas informações para a concessionária espanhola, Acciona, responsável pela construção da linha, contratada pelo governo estadual.
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE) deu o prazo de 30 dias para a Secretaria Estadual dos Transportes Metropolitanos e o consórcio espanhol Acciona apontar as causas do acidente, quem pode ser responsabilizado, quais foram os prejuízos e informar a previsão de atraso da obra.
Desmoronamento na Linha Amarela matou 7 pessoas
A construção privatizada de linhas do Metrô no modelo “porteira fechada” já causou um grande problema em São Paulo. Em 2007, durante as obras da Linha 4- Amarela, também houve um acidente gravíssimo, que vitimou 7 pessoas. Um desmoronamento no canteiro de obras da Linha-4 Amarela provocou a abertura de uma cratera de 80 metros de diâmetro às margens da Marginal Pinheiros, na Zona Oeste da Capital. Sete pessoas morreram soterradas.
Quatorze funcionários da Linha 4 e do Metrô se tornaram réus na Justiça mas ninguém foi condenado. A Justiça absolveu, em novembro de 2016, todos os responsáveis pela obra. Dez anos depois da maior tragédia em uma obra do metrô no país, em 2017, ainda havia casas com problemas na região.
Na época do acidente, 55 imóveis foram interditados – 10 deles foram condenados e 3 precisaram ser demolidos. O Consórcio Via Amarela (formado pelas empresas Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez) e o Metrô só se responsabilizaram por danos causados a moradias que ficam em um raio de 50 metros do centro da cratera.
A Defensoria Pública ajudou a costurar um acordo com 65 famílias que se enquadravam neste critério.
A gestão privada da obra fez com que a Linha 4-Amarela tenha tido um atraso total de sete anos para concluir todos os 12,8 quilômetros. A inauguração da última estação, a Vila Sônia, ocorreu no fim do ano passado.
O projeto inicial foi dividido em duas fases: a primeira com as estações Luz, República, Paulista, Faria Lima, Pinheiros e Butantã. A segunda etapa, iniciada em 2012, envolveu as estações Fradique Coutinho, Higienópolis-Mackenzie, Oscar Freire, São Paulo-Morumbi e Vila Sônia. Mas, em 2015, a obra foi paralisada pelo consórcio responsável e retomada só no ano seguinte, após rescisão contratual e nova licitação.