O desmatamento na Amazônia atingiu um novo e alarmante patamar nos últimos três anos. Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) a derrubada de árvores no bioma foi 56,6% maior entre agosto de 2018 e julho de 2021 que no mesmo período de 2015 a 2018 – algo visto somente antes de 2008. Os números são resultados de um novo estudo do Ipam divulgado na quarta-feira (2).
A escalada da destruição ficou evidente ainda no segundo semestre de 2018, como consequência da eleição de Jair Bolsonaro naquele ano. Pesquisadoras estimam que o efeito tende a se repetir em 2022. “Constatado ainda no segundo semestre de 2018, esse aumento reflete as eleições daquele ano, que funcionaram como estímulo para o avanço da derrubada de florestas, corroborando a relação positiva entre eleições e desmatamento”, diz trecho do estudo.
A pesquisadora Ane Alencar destaca o ritmo acelerado da devastação. “Estamos subindo degraus rápido demais quanto à destruição da Amazônia e não podemos nos acostumar com isso. Quando olhamos para os números dos últimos três anos, fica claro o retrocesso daquilo que o Brasil foi um dia. Seguimos um caminho totalmente oposto às atitudes que o planeta precisa, com urgência, neste momento”, diz Alencar, que é diretora de Ciência no Ipam e principal autora do estudo. “Sabemos como fazer isso, já derrubamos o desmatamento antes”, prossegue.
O texto aponta que mais da metade (51%) do desmatamento do último triênio ocorreu em terras públicas, principalmente (83%) em áreas de domínio federal. Em números absolutos, Florestas Públicas Não Destinadas foram as mais atingidas, com alta de 85% na área desmatada, passando de 1.743 km² derrubados anualmente para mais de 3.228 km². No último ano, essa categoria de floresta pública concentrou um terço de todo o desmatamento no bioma.
DESMONTE DA FISCALIZAÇÃO
O levantamento aponta como causas da destruição medidas como: o enfraquecimento da governança ambiental, decorrente dos cortes orçamentários nas instituições responsáveis pela fiscalização; as substituições de diretores e de chefes de operação exitosas do Ibama e as alterações no processo de autuação e de afrouxamento das penalidades aos infratores ambientais. O documento cita também a desmobilização das instâncias governamentais e de participação social nas políticas públicas, além da desarticulação institucional nas operações de comando e controle do Exército Brasileiro para realizar a fiscalização.
Proporcionalmente à área dos territórios, Terras Indígenas (TIs) tiveram alta de 153% em média no desmatamento comparado do último triênio (1.255 km²) para o anterior (496 km²). Já o desmatamento em Unidades de Conservação (UCs) teve aumento proporcional de 63,7%, com 3.595 km² derrubados no último triênio contra 2.195 km² nos três anos anteriores.
“Esse desmatamento na Amazônia, em geral especulativo com a finalidade da apropriação ilegal de terras, é a maior causa da perda de florestas na região desde 2019”, explica o documento. “Os principais alvos dos especuladores de terra têm sido as Florestas Públicas Não Destinadas de domínio do governo federal, com fortes indícios de grilagem e de interesse em exploração ilegal madeireira”, afirma o texto.
Apesar de uma porção considerável do desmatamento se localizar em terras públicas, principalmente federais, as políticas ambientais na região amazônica exigem ações integradas entre todos os entes federativos e privados, defende o texto. “As responsabilidades de atuação dos governos federal, estaduais e municipais, bem como da iniciativa privada na tomada de decisão pelo uso do solo tanto em terras públicas como em áreas privadas, são peças fundamentais para melhor planejamento e priorização de ações de comando e controle, a partir das áreas mais críticas que demandam ações urgentes”, justifica o documento.
As análises foram feitas utilizando os dados do programa anual PRODES (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), do Inpe. Assim foi possível identificar quais os principais focos de atenção dos Estados do bioma Amazônia para o combate ao desmatamento, além de apontar áreas críticas nas quais ações de comando e controle deveriam ser intensificadas.
A divisa Amacro, entre Amazonas, Acre e Rondônia é uma das regiões mais impactadas citada no levantamento, caracterizada como a nova fronteira do desmatamento do bioma. O Amazonas, passou, inclusive, da terceira para a segunda categoria como o Estado que mais desmatou na Amazônia. É superado apenas pelo Pará, Estado onde se concentram as áreas mais afetadas em termos de destruição de floresta, posição que mantém desde 2017.
Além do combate à grilagem e às invasões de terras que desmatam e degradam o patrimônio público em prol dos interesses privados, o estudo reforça a necessidade de segurança territorial em áreas protegidas de TIs e de UCs, com apoio a economias de base florestal como ações para reverter esse quadro. A valorização da bioeconomia e a efetivação de linhas de financiamento, de fomento e de assistência técnica à agricultura familiar, povos e comunidades tradicionais, são medidas recomendas pelas autoras.
RETOMADA DA PREVENÇÃO
As pesquisadoras defendem ainda a retomada de programas de combate ao desmatamento que apresentaram resultados positivos no passado. Um deles, o PPCDAM (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia), que se constituiu como “ferramenta fundamental” para a preservação do bioma amazônico, e os PPCDs (Planos Estaduais de Prevenção e Controle do Desmatamento). Apoiados pelo Fundo Amazônia, os PPCDs contaram com o engajamento de diversos entes governamentais em prol da redução do desmatamento.
É também importante revisar os retrocessos na política ambiental, com a revogação dos Projetos de Lei (PLs) nº 2.633/2020 e 510/2021, da grilagem, n° 2.159/2021, do licenciamento ambiental, e n° 191/2020 e da mineração em terras indígenas, defende o estudo.
O investimento em uma agenda de incentivo às boas práticas na agropecuária também é lembrado como medida que reduziria quase metade (49%) do desmatamento ocorrido no Brasil, hoje concentrado em imóveis e em assentamentos rurais. O pagamento por serviços ambientais (PAS) seria uma dessas possibilidades. O exemplo é o Conserv, mecanismo privado de adesão voluntária idealizado pelo Ipam, que compensa produtores rurais por conservarem a vegetação nativa que poderia ser legalmente suprimida em suas propriedades.
“Políticas de valorização dos ativos ambientais, PAS e sistemas jurisdicionais de créditos de carbono, em conjunto ao fomento às cadeias produtivas sustentáveis, têm grande potencial de estabelecer uma nova economia para a Amazônia, propõe Eugênio Pantoja, diretor sênior de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial do Ipam. “Isso contando com o engajamento do mercado e da iniciativa privada na sua alavancagem, complementando ações governamentais de comando e controle e trazendo impacto positivo na redução do desmatamento por meio do desenvolvimento econômico sustentável para a região”, completa.
Veja a nota técnica do IPAM:
https://ipam.org.br/wp-content/uploads/2022/02/Amaz%C3%B4nia-em-Chamas-9-pt_vers%C3%A3o-final-2.pdf