
Autorizações para exploração de nióbio na Amazônia vão às alturas no governo de Jair Bolsonaro. Levantamento feito pela Folha de São Paulo revela que entre 2019 e 2021, a Agência Nacional de Mineração (AMN), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, recebeu 171 requerimentos para extração de nióbio, sendo que 64 na região da Amazônia. Em contrapartida, de 2016 a 2018 foram registradas 74 autorizações de pesquisa, 25 dessas na Amazônia, resultando num aumento de 156% no aval da atividade no governo atual. Ou seja, mais que dobraram.
Os requerimentos apresentados nos três anos de governo Bolsonaro, em torno do nióbio, somam uma extensão de 1 milhão de hectares, o equivalente à área de 6,5 cidades de São Paulo. Entre 2016 e 2018, os requerimentos visavam áreas totais de 394 mil hectares, ou 2,5 capitais paulistas.
O levantamento feito pela Folha em dados públicos da ANM mostra que 18 (28,1%) das 64 autorizações de pesquisa de nióbio na Amazônia nos últimos três anos passam por assentamentos de reforma agrária estruturados pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). De acordo com o Incra, não há vedação para pesquisa e desenvolvimento de atividade minerária em assentamentos de reforma agrária.
“O Incra e os beneficiários da reforma agrária serão consultados na fase de licenciamento ambiental para definição das medidas mitigatórias e compensatórias”, explica o instituto. No entanto, “o Incra não participou dos processos de autorização de pesquisa nos assentamentos. A ANM deve ser consultada para prestar mais esclarecimentos”, afirmou o órgão, em nota.
Os assentamentos, num total de nove, situam-se no Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia e Roraima, onde estão assentadas 8.500 famílias, segundo dados atualizados pelo Incra em novembro de 2021
Numa comparação com os anos de 2013 a 2015, o aumento seria ainda mais elevado: 611%. Nesse período, foram concedidas nove autorizações para exploração de nióbio na Amazônia. Nove assentamentos de reforma agrária e faixas de duas terras indígenas e de uma unidade de conservação federal integram as áreas com pesquisas liberadas. No entanto, não há indicativo de que os assentados tenham sido consultados.
A alta na corrida pelo minério no período supera a verificada com outros elementos, como o tântalo, por exemplo, que permaneceu estável de um triênio para outro. Bolsonaro usa o nióbio como argumento para a defesa de mineração em áreas conservadas na Amazônia, em especial em terras indígenas, o que é vedado pela Constituição Federal.
A licença para a pesquisa permite a prospecção pelo metal e demanda gastos elevados por parte das empresas e pessoas físicas interessadas. O nióbio seria a porta de entrada para que as empresas busquem o aval para atuar na exploração do metal junto a outros minérios: tântalo, bauxita e manganês, por exemplo.
Sob o pretexto para explorar nióbio, o governo propôs um projeto de lei para regulamentar a atuação de mineradoras em terras indígenas. O PL 191/2020 não avançou e aguarda a formação de comissão especial pela Mesa Diretora da Câmara. Vale ressaltar que o Brasil é o maior produtor do metal, ocupando 88% do mercado mundial, e as jazidas exploradas já detém recursos suficiente para suprir o mercado nas próximas décadas. O minério, com pouca demanda, é usado para tornar ligas metálicas mais leves e resistentes.
Ao propor o PL, o governo alegou que as terras indígenas devem ser aproveitadas economicamente. No entanto, especialistas lembram que a exploração econômica – como agricultura, pecuária, extrativismo e turismo – de indígenas em seus territórios, já é permitida pela lei. O que falta é apoio e incentivo governamental para que ela seja realizada, observam.
“Os índios não estão proibidos de fazer nenhum tipo de atividade dentro das terras deles. O que é proibido pelo Estatuto do Índio é o arrendamento, é a atividade de não-índio que cerceie a posse permanente e o usufruto exclusivos das comunidades indígenas. A partir do momento que as atividades são praticadas pelos próprios índios, não existe nenhum tipo de problema, nem de comercialização, nem de extrativismo”, afirma Juliana de Paula Batista, advogada especialista em Direitos Indígenas do Instituto Socioambiental (ISA). “Mas não adianta ter isso [permissão], se não existe nenhum tipo de política pública para incentivar a economia indígena”, prossegue.
Segundo a advogada, atualmente as comunidades encontram dificuldades operacionais, como conseguir empréstimos em bancos, entre outras, que para produzir nas terras. “O que precisa não é uma alteração legislativa, é uma política que de fato traga incentivos econômicos para estas populações. E isso não vai ser feito falando ‘pode’, porque, de fato, já não é proibido”, defende.
A exploração de minérios em áreas indígenas está prevista em dois artigos da Constituição Federal, o 176 e o 231. Segundo a CF, essas atividades só podem ocorrer em territórios indígenas mediante autorização do Congresso Nacional, via decreto legislativo, e com consulta às comunidades. Juliana justifica que o tema é “extremamente polêmico” e “delicado” por se constituir em séria ameaça aos povos indígenas, historicamente vulneráveis. “Existem inúmeros potenciais minerais e energéticos não explorados no país, a TI deveria ser o último lugar. Pelo regime da Constituição, ela é a exceção, da exceção, da exceção”, diz.
Pelo menos dois processos para exploração de nióbio envolvem partes de terras indígenas no Amazonas, conforme documentos da ANM. Os registros da agência mostram que a terra indígena é a Waimiri Atroari, onde vivem 2.000 indígenas —entre eles isolados da cabeceira do Rio Camanaú, conforme levantamento feito pelo ISA (Instituto Socioambiental). A ANM também autorizou as pesquisas de nióbio e cassiterita em uma área de 1.166 hectares em Manicoré (AM). Questionada, a Fundação Nacional do Índio (Funai), aparelhada por Jair Bolsonaro, não se manifestou.
Outros projetos margeiam unidades federais de conservação, chegando a alcançar essas unidades, como é o caso do Parque Nacional dos Campos Amazônicos, no Amazonas.
O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) disse não ter recebido nenhuma consulta sobre pesquisa de nióbio em unidades de conservação.